Você já parou pra pensar nas diferenças entre as palavras Debate, Discussão e Diálogo? Com frequência, utilizamos esses termos como sinônimos, sem perceber as nuances que cada um carrega consigo. Ao fazermos isso, ficamos presos a conversações tensas, polarizadas e orientadas ora por uma verdade universal — via de regra, a nossa — , ora por uma busca incessante por ela.
Como compreender as características específicas dos diferentes tipos de conversa? E, a partir delas, como melhorar a qualidade das interações que temos com o outro e com a gente mesmo? Eis uma proposta.
Debate
O exemplo que mais facilmente aparece quando pensamos num debate costuma ser o debate presidencial. Os candidatos preparam de antemão suas artilharias de argumentos e defesas e procuram fazer perguntas para atacar o oponente. As respostas são ou evasivas e robóticas, ou inflamadas e inchadas. Há convencimento, persuasão, tentativas de desqualificar o outro — inclusive apelando para questões pessoais — , e o que está por trás de tudo isso é uma conversa cindida, com lados muito bem definidos, isolados e antagônicos.
Uma das origens da palavra debate, o verbo em latim battuere significa justamente “lutar”, e sua raiz provém do termo indo-europeu bhau- (golpear”, “ferir”), o mesmo que ajudou a formar as palavras “abater” e “abatedouro”.
Fica claro, portanto, a situação belicosa que é o debate. A premissa básica é: “minha verdade eliminará a sua e assim me provarei vencedor”. O fim justifica os meios.
Discussão
O que vem à sua mente ao imaginar a palavra discussão? Para boa parte das pessoas, não se trata de uma conversa amigável. Quando discutimos sobre algum tema, geralmente o que queremos é chegar a uma conclusão sobre ele. Ainda que não tenhamos lados muito bem definidos desde o início como no debate, há divergências de pontos de vista que vão aparecendo no decorrer da discussão.
Vamos supor que você, sua esposa/marido e sua mãe, que mora com você, decidem se mudar para uma casa nova. Começa aí não apenas um processo investigativo para levantar possíveis imóveis interessantes, mas também uma discussão entre a família para escolher que tipo de casa é a melhor opção para todos. Serão analisados vários fatores: localização, número de vagas na garagem, estado de conservação do imóvel, se é mobiliado ou não, quantos quartos, quantos metros quadrados, preço do aluguel, como é a vizinhança, se a casa é segura ou não etc.
Discussão, portanto, é a conversa que nos permite analisar as minúcias de algo de modo a abrir caminho para uma conclusão. O prefixo “cuss”, também presente nas palavras “percussão” e “concussão”, significa quebrar, separar, discriminar. Ou seja: quando discutimos, estamos quebrando o assunto em partes menores para poder olhar no detalhe cada uma delas.
A grande questão é: muitas vezes estamos discutindo com alguém, mas, na verdade, não precisamos de fato chegar a conclusão alguma. É nosso ego que está discutindo por medo de aceitar que existe o diferente. Chegar a uma (única) conclusão é, frequentemente, uma postura totalitária.
Diálogo
E se existisse uma conversa que não fosse baseada em desqualificar o outro nem em reduzir o assunto em partes menores para se chegar a uma conclusão? É até um pouco difícil acreditar que ela exista, dado que dificilmente encontramos interações desse tipo por aí. Justamente por isso, o diálogo é cada vez mais necessário.
Como exemplo, vale resgatar a história que o Arnaldo Bassoli, um dos fundadores da Escola de Diálogo, sempre conta. Imagine que, durante uma conversa, um amigo confessa a você que não gosta de cachorros. Mais do que isso: ele realmente quer distância dos bichinhos. Sua reação após ouvir essa fala poderia ser ou de contestação (“Como assim, você não gosta de cachorros? Mas eles são tão legais!”) ou de curiosidade (“Por que você não gosta? Aconteceu alguma coisa?”). Quando você reage com curiosidade, querendo saber os motivos e as experiências — em linguagem técnica, os pressupostos — que estão por trás da confissão de seu amigo, você está cultivando terreno para o diálogo acontecer.
E, ao fazer isso, ele te diria o que está realmente acontecendo: “sabe o que é, você vê essa cicatriz aqui no meu rosto? Há muitos anos, fui acariciar um cachorro na rua e ele me mordeu. Foram 12 pontos, muita dor e ainda fiquei com essa cicatriz horrível”. Você, então, compreende as bases subjetivas de significado que sustentam a postura de seu amigo. Isso é diálogo.
Vejamos o que a etimologia da palavra nos traz:
Día = atravessar algo por inteiro (“diâmetro”, por exemplo, é a linha que atravessa completamente um círculo);
Logos = significado.
Diálogo, portanto, pode ser entendido como a conversa em que os significados nos atravessam por inteiro. Foi exatamente o que aconteceu na história do amigo que não gostava de cachorros. Ao nos permitirmos ter uma reação de curiosidade e interesse genuíno pelo outro, os sentidos e as crenças mais profundas podem então ser compartilhadas sem ameaças de julgamento, desqualificação ou redução.
Arnaldo Bassoli sustenta que existem três condições para que o diálogo aconteça:
- Igualdade: ausência de hierarquia ou não interferência das relações de poder entre quem dialoga;
- Escuta empática: esvaziar-se do meu mundo para viajar temporariamente ao mundo do outro, tentando enxergar como ele enxerga;
- Poder explicitar os pressupostos: investigar meus próprios pressupostos (isto é, minhas visões de mundo, crenças, motivações e histórias de vida) e poder perguntar o que faz o outro pensar, sentir e agir de determinada forma.
Além dessas condições, não custa relembrar: sempre que queremos convencer o outro — ainda que só um pouquinho ou quando esse desejo é inconsciente — é impossível haver diálogo. Sempre que precisamos colocar nosso ego à frente e concordar/discordar do outro, o diálogo, ou a possibilidade do significado nos atravessar por inteiro, fica comprometida.
E por que, afinal, dialogar é preciso? Essa eu deixo pra você.
Referências
Improve your relationships & resolve conflicts with Dialogue (Curso no Udemy criado pelo brasileiro Cesar Matsumoto);
Diálogo (Arnaldo Bassoli no TEDxLaçadorSalon);
“The Magic of Dialogue” (Daniel Yankelovich. Prévia do livro disponível neste link);
Bater ou debater? Palavras e origens: considerações etimológicas (Gabriel Perissé).
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Obs.: Este texto foi originalmente publicado no Medium do autor.
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