Você pode até apostar nas panelas, nas ruas e nos caminhões de som como forma de influenciar a política. Nada contra. Não lhe tiro a razão, sentimento público é importante. Lincoln chegava a dizer que sentimento público era tudo, e que aquele capaz de moldá-lo era mais poderoso do que aqueles que promovem leis ou pronunciam sentenças.

Quem sou eu para contrariar Lincoln? O homem sabia de tudo. Mas tenho a impressão de que, nesses últimos séculos, as coisas tenham mudado. Desconfio que o sentimento público não seja mais tão possante assim. Afinal, há quanto tempo estamos incomodados com a corrupção, com os políticos e com os partidos, e há quanto tempo nada muda?

O problema, me parece, é o sentimento público continuar a ser objeto de molde, e como tal não ser capaz de moldar mais nada. Panelas, ruas, caminhões, mega-fone e cartazes são expressões legítimas de uma indignação que ainda não sabe ir além disso.

É pedido, súplica ou exigência?

Isso significa que não devem mais ser feitos ou que sejam irrelevantes? Claro que não. Significa que precisamos aprender a dar um passo a frente.

O crítico aqui não quer desmerecer essas ferramentas de manifestação, mas apenas propor uma discussão: como fazer com o que acontece nas ruas chegue até os restaurantes nos quais acordos são selados e a política real é feita? Como o som das panelas pode influenciar tanto quanto o brindar de taças?

No exato instante em que as panelas batiam em protesto ao governo no último dia 06 de agosto, me pergunto quantas taças eram erguidas para brindar jantares entre políticos e lobistas em Brasília.

Sei que a imagem exagera um pouco a caricatura, tanto do lobista quanto do político. Não quero reforçar estereótipos, mas acredito que o responsável pelos reembolsos no departamento de relações governamentais de qualquer grande empresa não venha me desmentir. Infelizmente, a panela nunca chega à mesa desses jantares onde a política real é tratada. A panela é fundamental, mas ela não sai da cozinha.

As ruas são importantes, agora é preciso ocupar o saguão

O lobista – nome que você já deve ter visto em manchetes de jornal sempre em articulações escusas – é o sujeito que faz lobby. E, lobby, bem…  lobby é mais difícil de definir.

O termo lobby vem do inglês e designa o salão de entrada de um edifício, o saguão. Sua acepção política tem origem justamente nos profissionais que, por não terem acesso à mesa de negociação, esperavam a passagem dos tomadores de decisão do poder público pelo saguão para lhes apresentar seus pleitos.

Desprendendo-se de seu espaço original, o lobby passou a dar nome a um conjunto de atividades que cercam o processo de tomada de decisão na política, sua abrangência é quase irrestrita: nomeações, financiamento de campanha, processos legislativos, licitações, processos de regulamentação etc.  O lobista, portanto, é o sujeito contratado para representar interesses – tal qual um deputado ou vereador – e que embora não tenha por si só o poder da tomada de decisão, tem a liberdade de monitorar e agir ao longo de todo sistema.

Mesmo sendo um ator periférico, o lobista não pode ser considerado um coadjuvante. Atuar às margens lhe dá a liberdade de abarcar todo o processo, liberdade que muitas vezes o próprio tomador de decisão não tem, justamente em função da própria burocracia do poder público.

Estamos acostumados a ver o lobista ou mesmo a atividade de lobby denegrida pela imprensa e opinião pública em geral, aparecendo sempre em esquemas não lá muito elogiosos na trama política. É óbvio que a tentativa de se influenciar a pauta política acaba por vezes flertando com a corrupção e outros tantos crimes contra a administração pública.

Mas é preciso se ressaltar quem nem todo lobby é ilícito. Muito pelo contrário, o lobby, quando feito dentro do ordenamento jurídico, pode ser benéfico à democracia: trazendo contribuições positivas aos tomadores de decisão e fortalecendo o sentimento de abertura do sistema político.

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No entanto, mesmo quando o lobby é lícito, existem problemas graves. O maior deles, a meu ver, é o desequilíbrio de influência.

Muita gente se queixa de as empresas fazerem lobby, como se fosse possível criar um cenário em que os membros do poder público fossem isolados, apartados do convívio social, sem que pudessem se encontrar com membros do setor privado. Como se fosse possível isolar as duas esferas.

Ouso dizer que o lobby é inevitável. Continuará existindo a despeito de todos os esforços, basicamente porque as pessoas sempre buscarão defender seus interesses, mesmo que esses interesses sejam de uma empresa. O que é possível é regulamentá-lo. Até existem esforços no Brasil nesse sentido. A exemplo do que já fizeram outras democracias, é perfeitamente factível implementar parâmetros à atividade do lobista – pelo menos durante as horas de trabalho.

Agora, o que deveria nos incomodar mais profundamente como cidadãos não é as empresas fazerem lobby – isto até pode nos incomodar um pouco -, mas sim a nossa incapacidade de fazer lobby. O maior problema que o lobby impõe à democracia é a assimetria de disputa entre os interesses do mercado e os interesses sociais. Enquanto grandes empresas investem milhões no seu departamento de relações governamentais, tomando conta de todo processo político; nós da sociedade civil, batendo panela ou ocupando as ruas, temos recursos apenas para – com sorte – influenciar a opinião pública.

“Influenciar?”

Tem quem goste de dizer que nós da sociedade civil não fazemos lobby. Nós fazemos advocacy – uma charmosa variação do primeiro, também conhecida como “lobby do bem”, já que costuma falar por causas socialmente nobres.

Temos sites, petições online, twittaços, sites informativos alimentados por causas sociais como o 18 razões e ferramentas digitais de pressão como o Avaaz e Change, o Thunderclap e o Panela de Pressão. Temos as ruas, as panelas, as buzinas, os alto-falantes. Eu sei que tudo isso é importante, fundamental até. Mas nos falta algo.

É preciso que a sociedade civil ocupe o saguão – e suas adjacências. Precisamos tornar o lobby um espaço de construção entre o poder público e a sociedade. Podemos até não conseguir uma cadeira à mesa, mas temos que cercar a sala de reunião.

Só que para isso precisamos de duas coisas:

  1. Deixar de lado o fricote do “com esses caras eu não falo”, “em Brasília só tem bandido”, “aquele partido é corrupto”. Pare de bobagem! Eventualmente você vai precisar se encontrar com seus adversários ideológicos e até com gente da pior espécie. Acredite, vocês podem ter posições e interesses em comum. Ou você acha que as grandes empresas do Brasil deixam de se encontrar com o governo ou o parlamento porque não são simpáticos ao partido no poder?
  2. Alertar, explicar e persuadir a opinião pública que a mudança na política depende de grana. A política é o reino inverso do free, fast and fun (grátis, rápido e divertido); ela é cara, lenta e chata pra cacete. Mudar as coisas vai envolver dinheiro e precisamos de pessoas que possam trabalhar com isso pelo lado da luz.

A opinião pública é, infeliz e inevitavelmente, apenas um fragmento da participação política efetiva. Se quisermos influenciar as decisões e construir a pauta política do país, teremos que nos atrever a fazer isso de forma profissional, como muitas das nossas empresas já fazem.

Como diz o ditado, a política é importante demais para ser deixada apenas aos políticos [e às empresas].

O papo acerca de como fazer isso – como advogar pela participação política e também por meio dela – dá outro artigo. Já tem gente se movendo nesse sentido e a discussão ganha força se as suas perspectivas forem contadas, e isso vem vindo pra um próximo artigo.

Ricardo Borges Martins

Cientista Político e ativista apostando em construções coletivas em lugares como o <a>Pacto pela Democracia</a>