Viver é um ato político.
O que escolhemos consumir, o que decidimos ler, o que compramos no supermercado, com quem e como transamos, como nos deslocamos e quais espaços públicos ocupamos, como nos relacionamos com quem pensa diferente de nós, tudo isso conta de nossas visões de mundo. Assim como tudo aquilo que decidimos ignorar, criticar e combater.
A todo momento, estamos reforçando ou enfraquecendo realidades cujas estruturas também são políticas.
Ignorar essa dimensão de nossa existência e achar que "só faz política quem está no Congresso" significa se alienar e viver num mundo da fantasia. A indiferença valida os desmandos, abusos, desigualdades e corrupções que estão aí.
O silêncio consente.
Por tudo isso, é tempo de reforçarmos a posição do PdH. Afinal, não existe e nunca existiu jornalismo imparcial.
Existe a honestidade editorial de expor as tendências do veículo — que podem se transformar com os anos, assim como as pessoas que escrevem.
Nossa transparência é um voto de confiança na inteligência de quem nos lê, para poderem se relacionar criticamente com nossa produção.
Seja qual for o seu candidato, vamos respeitá-lo e seguir em diálogo com você após 28 de outubro.
Quais nossas bandeiras políticas, como veículo?
Somos uma rede com mais de 500 autores e autoras voluntárias. Não há unidade no modo como esse imenso grupo pensa.
Rodamos o Brasil conduzindo rodas sobre masculinidades, com homens e mulheres com as mais distantes visões políticas e posições sociais. Dialogamos com todos e todas.
Defendemos a educação política.
À longo prazo, acreditamos ser esse o combustível para as instituições democráticas seguirem firmes e com capacidade de renovação. E também para formar cidadãos conscientes de seu papel, atuantes em suas comunidades, com senso crítico e capazes de dialogar com quem pensa diferente deles.
Nos costumes, tendemos a defender pautas progressistas e liberais — como a desconstrução do machismo e o direito das pessoas poderem casar com quem desejam, por exemplo.
Quando tocamos em temas conectados a políticas públicas, apoiamos pautas que defendem uma sociedade com oportunidades e direitos iguais para todos, independente do gênero, raça, religião ou classe social. Que surjam oportunidades para quem tenha mérito. E que esse mérito possa ver verificado, como Denis Burgierman habilmente coloca.
Apoiamos a valorização do meio-ambiente (estamos próximos de um ponto de devastação sem retorno) e dos povos indígenas.
Nos identificamos com os posicionamentos públicos do Movimento Acredito e do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (um sol de sabedoria).
Ficamos felizes com o surgimento de iniciativas de renovação em diversos espectros políticos, como o Pacto pela Democracia, Virada Política, Renova BR, Raps, Livres, Somos Muitas e Bancada Ativista (todos com instagram e sites informativos, só googlar).
Celebramos que Movimento Acredito, Renova BR, Somos Muitas e Raps tenham eleito uma nova safra de políticos, dos mais diversos partidos, de progressistas a conservadores. Muitos em seu primeiro mandato e dispostos a denunciar abusos.
Nos dá esperança vermos a deputada e ativista Tabata Amaral, de apenas 24 anos, sendo notícia no Brasil e no mundo por meio de sua sólida trajetória e atuação. E também Vinicius Poit, do Novo, com esse vídeo puxando abaixo assinado com mais de 600.000 assinaturas contra o aumento de 16% proposto ao Congresso.
O que fazer após 28 de outubro?
Só começamos a discutir mais política no PdH após 2013. Quem nos acompanha sabe como as manifestações pelos 20 centavos mobilizaram nossa rede.
O primeiro baque foi reconhecer que éramos ingênuos ao acreditar ser possível tratar de masculinidades maduras sem falar de política.
De lá pra cá, temos assumido nossas posições, entendimentos e limitações, com transparência.
Publicamos os votos presidenciais de cada pessoa da equipe na eleição passada. Fizemos séries de educação política, parceria com o Politize e sugerimos caminhos para encontrar políticos de qualidade para se votar, em diferentes partidos.
Após 28 de outubro, nosso país vai precisar de cidadãos atentos.
Sugerimos que os perdedores aprendam a realizar uma oposição política saudável, democrática, construtiva e eficaz. E que os vencedores acompanhem e fiscalizem de perto seu candidato, não fazendo vista grossa às suas falhas.
Aos corajosos, deixamos o desafio de ativamente buscar manter o diálogo com pessoas que pensam diferente de você. Como aprender e colaborar mutuamente?
Presidente não governa sozinho, ainda que as narrativas de heróis salvadores da pátria pareçam ser dominantes. O Congresso precisa ser fiscalizado e apoiado por seus verdadeiros chefes: nós.
O que o PdH se compromete a fazer após as eleições?
Nosso editorial segue baseado em um jornalismo compassivo, construtivo, focado em soluções e cultura de paz.
Em termos práticos, esperem de nós o incentivo:
- à educação política, que você pode iniciar já, pelo maravilhoso Politize
- ao diálogo com quem pensa diferente de você, com ferramentas como a conversa apreciativa e outras que sugerimos aqui
- a ser atuante em sua comunidade, como propõe o Lama Padma Samten
- a acompanhar os políticos que você elegeu, como a Vice explica nesse artigo
- a se assumir como um cidadão político, com parcela de responsabilidade em tudo que vivemos hoje
Quem apoiamos então?
É uma tristeza vermos alternativas mais adequadas da direita e centro-direita (Alckmin, Meirelles, Amôedo), assim como da esquerda e centro-esquerda (Ciro, Marina), fora do segundo turno.
Somos oposição ao PT no poder, hoje.
PT é um partido que não nos parece ter passado por autocrítica ou renovação autêntica. Em seus anos no poder, ajudou 26,3 milhões de pessoas a saírem da linha da pobreza em 12 anos, dentre outros avanços.
Mas também estava no comando durante o aprofundamento de nossa maior crise econômica e o maior esquema de corrupção da história brasileira, que já alcançou 14 partidos (Bolsonaro e Haddad não foram envolvidos na Lava-jato até o presente momento, cabe elogiar). Os números são assombrosos, a Lava-jato já recuperou R$11,9 bilhões, de R$44 bilhões estimados a serem ressarcidos, no total.
Se há algo que une os brasileiros hoje é o desejo de 84% de nós que a Lava-jato continue.
Entretanto, Bolsonaro é um homem que homenageia o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar condenado pela Justiça brasileira pelas práticas de tortura durante a ditadura.
Ustra liderava uma equipe que chegava a usar métodos como inserir ratos na vagina de mulheres. Espancava mulheres grávidas. Levava filhos de 4 ou 5 anos para verem seus pais e mães serem torturados, como relatado aqui pela própria mãe, como ferramenta de violência psicológica. Esse livro narra inúmeras outras histórias.
Isso por si só é motivo o bastante pra discussão no PdH se encerrar, já que a nossa razão de ser é levar adiante um movimento por masculinidades saudáveis.
Qualquer coisa além desse parágrafo deveria ser desnecessária, mas vivemos num momento estranho, em que idolatrar torturadores pode ser relativizado com "veja bem, não é de todo ruim isso aí…".
Seu vice, General Mourão, chamou Ustra de herói em rede nacional, na GloboNews. Bolsonaro disse publicamente que não gosta de gays, somente os aceita. Essa violência simbólica silenciosamente estimula as dezenas de ataques a pessoas LGBT que têm acontecido no país, aos gritos de "Bolsonaro vem aí" (aqui vários registros). Atos realizados por uma minoria radical, é verdade, mas que se sente legitimada pelas falas de quem tomam como líder.
O filho de Bolsonaro disse que o STF poderia ser fechado com um cabo e um soldado. General Mourão disse que está preparado para um "autogolpe", caso necessário. Bolsonaro pai disse que não vai aceitar outro resultado que não sua eleição.
O STF e jornais de todo mundo — progressistas e conservadores, como o "The Economist" — estão deixando claro: essa é uma postura anti-democrática e que fragiliza o Brasil. Rotular toda a imprensa internacional como "fake news esquerdista" é um equívoco, como William Waack, que não apoia o PT, explica nesse áudio. Bolsonaro é o menos qualificado e mais extremista dos candidatos à direita. Mesmo quem o apoia parece saber disso.
* * *
Compreendemos a profunda desilusão com o PT e o sistema político como um todo, da qual compartilhamos.
Não consideramos Bolsonaro um monstro. Nem achamos que ele sai pela rua agredindo fisicamente mulheres ou pessoas gays.
Ele provavelmente deseja que o Brasil prospere, assim como Haddad, Manuela d'Ávila e demais candidatos.
Mas o consideramos inadequado para ser presidente de nosso país. Não queremos ser governados por um homem que ameaça tomar o poder militarmente e se orgulha de homenagear torturadores.
Sendo assim, oferecemos nosso apoio a Haddad para que, caso eleito, possamos fazer oposição ao PT no dia seguinte às eleições.
Após 28 de outubro, honraremos o resultado das urnas e os 5 compromissos editoriais feitos por nós nesse artigo.
A jornada democrática segue.
Nota editorial: as discussões recentes em nossos artigos sobre política foram intensas e agressivas. Estou com uma agenda forte de viagens nesse momento (relato muitas em meu instagram) por conta da produção de uma nova pesquisa nacional sobre masculinidades, que vai se transformar em documentário — subindo nos ombros de nosso primeiro, o "Precisamos falar com os homens?".
Com tempo e energia emocional limitados, tenho me cuidado pra evitar estados de exaustão que já me causaram bastante dano.
Como não vou conseguir moderar esse texto pessoalmente com a atenção devida (seria necessário acompanhar durante maior parte do dia, por vários dias, pra garantir um diálogo à altura do tema, sem descambar), a caixa de comentários será fechada. Entretanto, os comentários na divulgação que faremos em nossas redes seguirão abertos (aqui o atalho pra discussão em nosso instagram, por ex). Conto com a compreensão de nossa comunidade.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.