Dos fatos mais importantes que aconteceram em 2016 e que estamos vendo se desdobrarem em 2017 temos dois que chamaram mais atenção: a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia, o chamado Brexit, e a eleição do outsider Donald Trump para presidente dos Estados Unidos.
Apesar de terem uma grande dose de imprevisibilidade, na verdade, esses dois acontecimentos políticos de escala global tinham como pano de fundo o mesmo discurso anti-globalização. De uma hora pra outra, duas potências mundiais que passaram décadas estimulando o consumo global e se aproveitando disso tomaram direção diametralmente oposta e passaram a querer virar verdadeiras ilhas fechadas a imigrantes, mercadorias de países subdesenvolvidos e a tudo mais que vinha de fora…
Nesse contexto específico de querer se isolar do mundo, a Grã-Bretanha até sai na frente por já ser uma ilha, restando aos Estados Unidos tentar literalmente construir um muro para separá-los de tudo aquilo que eles acham que é ruim. Desde a derrubada do muro de Berlim, talvez só o Muro da Cisjordânia – que separa Israel da Palestina – tenha tido alguma repercussão significativa aqui no Ocidente, mas parece que agora a ideia de separar territórios e pessoas com muros voltou à moda.
Até aí, nada demais. Nós já aprendemos que a história é cíclica e que de tempos em tempos os erros e os acertos do passado vão voltar para nos assombrar. O problema, ao que parece, é que os especialistas vêm dizendo que o nível atual da nossa globalização é impossível de ser revertido, em grande parte por uma coisinha chamada internet. Esta sim, parece que veio mesmo pra ficar.
É por isso que o professor, autor e pesquisador da área Simon Anholt criou, antes mesmo de tudo isso acontecer, o projeto batizado de The Good Country (em português, O bom país). Segundo a própria declaração que está disponível no site oficial do projeto, ele tinha uma intenção clara:
"Criei o projeto na intenção de mudar a forma como os líderes mundiais governavam seus próprios países. Para ajudá-los a entender que eles não são responsáveis apenas pelos seus próprios cidadãos, mas por cada homem, mulher, criança e animal que vive no planeta. Para dizer a eles que eles não são responsáveis apenas por sua própria porção de terra, mas por toda a superfície terrestre e pela atmosfera sobre ela. E para ajudá-los a agir como quem quer isso de verdade."
Simon Anholt, criador do The Good Country
De maneira a consolidar esses ideais, Simon passou a criar um ranking dos países que mais contribuem com o planeta de uma maneira geral. E não estamos falando apenas de questões ambientais, como geralmente pensamos, mas também de questões econômicas, humanitárias e culturais.
Cansado de ver os países pautados apenas em índices individuais e geralmente relacionados ao dinheiro como PIB, inflação, desemprego, o pesquisador propôs uma nova maneira de enxergar as coisas, uma maneira que levasse em consideração a relação que um país tem com os outros.
Os critérios
O ranking geral é, na verdade, um ranking gerado a partir de sete outros rankings que avaliam à contribuição global dos países divididas pelas seguintes áreas:
1. Ciência e Tecnologia
Esta área avalia a quantidade de intercambistas que estudam no país, a quantidade de publicações científicas no país, a quantidade de artigos publicados por pesquisadores do país em periódicos científicos internacionais, a quantidade de prêmios Nobel conquistados e o número de patentes registrados. Tudo isso, sempre ponderado pelo tamanho da economia local.
2. Cultura
Área que mensura a exportação de produtos e serviços criativos, liberdade de circulação (quantidade de países que um cidadão daquele país pode visitar sem precisar de um visto) e liberdade de imprensa. Também sempre ponderado pelo tamanho da economia do país.
3. Paz mundial e Segurança
Aqui são avaliadas a quantidade de tropas de manutenção de paz, os valores doados para a ONU manter tropas de pacificação, o envolvimento em conflitos internacionais violentos, a exportação de armas e munição e o nível de segurança da internet.
4. Ordem mundial
Este setor mensura as doações de cidadãos do país para instituições de caridade internacional, o número de refugiados hospedados e gerados, a taxa de natalidade e a quantidade de tratados internacionais da ONU dos quais faz parte.
5. Questões ambientais
São levadas em consideração a pegada ecológica do país, a taxa de reflorestamento de suas vegetações nativas, a exportação de pesticidas, a emissão de CO2 e o consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio.
6. Prosperidade e Igualdade
Avalia a abertura do comércio para outras nações, a quantidade de cidadãos voluntários à ONU atuando fora do país, o tamanho do mercado aberto em relação ao tamanho da economia, a saída de investimento direto estrangeiro em relação ao tamanho da economia e as contribuições para o desenvolvimento humano também de acordo com o tamanho da economia.
7. Saúde e Bem-estar
Aqui são quantificados as doações de recursos (alimentos, força de trabalho e objetos básicos) a outros países, as exportações de produtos farmacêuticos e o cumprimento dos regulamentos sanitários internacionais.
Tudo isso, sempre, passando por uma ponderação em relação ao tamanho da economia dos respectivos países.
No vídeo abaixo, gravado na sua apresentação ao TED em 2014, Simon explica melhor o projeto e como o seu ranking funciona. Você pode dedicar 15 minutos para entendê-lo ativando a legenda em português na parte de baixo do player, ou pode pular direto para o ranking abaixo onde eu destaco os top 10 países do ranking com 163 ao todo, gerado a partir de dados de 2016:
Link Youtube – Ative a legenda em português no canto direito inferior do player.
O ranking
1. Suécia
A líder do ranking geral é a única a ser considerada a melhor em dois critérios: o de Prosperidade e Igualdade e o de Saúde e Bem-Estar.
2. Dinamarca
Segundo lugar no ranking de Cultura, a Dinamarca tem uma média tão boa que garante a segunda colocação no geral mesmo sem vencer em nenhum dos critérios.
3. Holanda
Tendo um quarto lugar no ranking de Ordem mundial como melhor resultado, a Holanda é outra que tem os indicadores muito bem equilibrados de modo a garantir o pódio no ranking geral.
4. Reino Unido
A grande campeã do ranking de Ciência e Tecnologia tem desempenho tão ruim no ranking das contribuições globais à Paz Mundial e Segurança que acaba ficando fora do pódio.
5. Suíça
Este pequeno país europeu garante vaga no top 5 muito por conta do segundo lugar no ranking de Prosperidade e Igualdade e ao terceiro lugar (o melhor dentre os países do top 10) no ranking de Questões ambientais.
6. Alemanha
A grande potência europeia alcança o sexto lugar no ranking geral graças ao 2º lugar no critério da Ordem mundial, aquele mesmo que avalia a questão dos refugiados, por exemplo.
7. Finlândia
Outro pequeno país europeu que garantiu vaga no top 10, a Finlândia surpreendeu ao ficar em 7º lugar no ranking de Ciência e Tecnologia, além de dois quartos lugares em Prosperidade e Igualdade e em Saúde e Bem-estar.
8. França
Já a França, uma grande potência europeia, fica em apenas 8º lugar no ranking de contribuições globais, mesma posição de seu melhor desempenho no critério de Questões ambientais.
9. Áustria
A Áustria, por sua vez, só não ficou em posição mais privilegiada também por conta do fraco desempenho no critério de Paz Mundial e Segurança, isto porque o país é líder do ranking de Ordem mundial e segundo lugar no ranking de Ciência e Tecnologia.
10. Canadá
Fechando o top 10, o único país não-europeu é o Canadá que tem o 3º lugar no ranking de Saúde e Bem-estar como melhor resultado isolado.
Confira aqui a lista completa com os 163 países avaliados e volte para comentar o que achou.
Mas e o Brasil?
O Brasil fica apenas na 47ª posição do ranking geral tendo o 32º lugar no ranking de Saúde e Bem-estar como melhor desempenho e o 158º no ranking de Prosperidade e Igualdade como pior.
O resultado mediano, porém, deixa o Brasil a frente de seus vizinhos Uruguai (52) e Argentina (54), mas atrás do Chile, o melhor sul americano, na 26ª posição.
Já os Estados Unidos são os 20º colocados, ainda bem a frente de outros grandes países como a Rússia (78) e a China (64).
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