Foi na sexta de manhã que o barulho de helicópteros começou. Ininterruptamente. Um saco. (Ah, é. Já contei que o Lula mora na rua de trás da minha casa, em São Bernardo do Campo? Pois é.) Desde as sete horas da matina, aquele caos.
Todas as vezes que Lula volta pra casa a avenida fica um pouco turbulenta, com suas vagas todas ocupadas por grandes carros com equipamentos modernosos de redação. Dessa vez a coisa extrapolou um pouco e tiveram que fechar o quarteirão inteiro para o trânsito.
Não sei se eu fiquei com mais dó de mim, que quase fui à loucura com o barulho constante, ou dos jornalistas das grandes emissoras que ali se alojavam por horas e horas a fio pra ver o que? Pra ver tio Lula acenar pela janela da área de serviço.
Hoje pela manhã Natália mandou a bomba: Terra, Folha e Estadão soltando que Dilma daria um ministério a Lula pra que ele tivesse foro privilegiado – segundo a Nat, que é nossa executiva de negócios, mas também uma advogada ninja, isso significa que, nessas condições, ele só poderia ser processado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal e ficaria imune às denúncias de Sérgio Moro, que é juiz de primeira instância.
Fomos todos nós ler as três diferentes notícias e a decepção veio logo de cara quando percebemos que todas eram redigidas praticamente da mesma forma, embasadas em uma só apuração.
As três reportagens afirmavam que Dilma daria o ministério mas Lula estava relutante em aceitar, mas quem disse isso não foi Dilma, não foi Lula, não foram seus assessores de imprensa. As fontes do Terra, Folha e Estadão eram ninguém mais, ninguém menos que… “amigo de Lula”. Ah, e o “outros interlocutores” também.
Nosso ex-presidente não é um senhor inatingível, inocente por definição, mas no jornalismo, principalmente no hardnews, tudo é construído com base em fatos registrados ou relatos de pessoas com credibilidade no assunto.
Vem cá… quem raios é amigo de Lula? Por que eu deveria acreditar no que dizem amigo de Lula e outros interlocutores?
O sigilo de fonte requer o cruzamento de relatos de diferentes pessoas que falem as mesmas coisas e não parece se justificar neste caso, no qual uma pessoa, “amigo de Lula”, pautou os principais jornais de São Paulo sem dizer nem seu nome e nem de onde tirou a informação. Viu? Ouviu? Lhe contaram? Estava na reunião da noite do dia 8?
Preciso dizer: às vezes a gente falha. Erra feio. Jornalista se fode bastante. É gente sendo demitida sem parar, redações cada vez mais enxugadas e uma necessidade cada vez maior de instantaneidade de notícias.
É um fazendo o trabalho de três sob grande pressão e, por mais que se tente manter em mente os princípios da prática, a vida atropela e coisas são feitas sem o devido cuidado. Informações chegam tarde demais. Há gente de menos pra apurar tudo e escolhas editoriais amputam possibilidades.
Agradeço a Dean Baquet, editor-executivo do New York Times, por me lembrar disso hoje em seu e-mail que tá circulando nas redes.
Um leitor do jornal, insatisfeito com a cobertura política que estava sendo feita pela redação e edição que, em suas palavras, privilegiava os republicanos em detrimento de Bernie Sanders na corrida presidencial, enviou um e-mail pedindo explicações ao editor-executivo do NYT. E ele respondeu. Nobremente.
A justificativa de sua escolha estava clara: Dean e a redação acharam o racha que Donald Trump estava causando dentro do próprio partido republicano uma pauta mais relevante para os rumos da corrida presidencial do que o bom desempenho de Sanders no Super Sunday.
Mas o mais rico de sua resposta foi assumir a responsabilidade pelas decisões que toma ao mesmo tempo em que compõe um cenário real das redações e suas dificuldades, limitações. Não dá pra fazer tudo – existem limites físicos e intelectuais.
“Querido leitor,
Primeiramente, obrigada pela observação e por me dar a chance de falar sobre isso.Eu não espero que você concorde, mas eu realmente acredito que a história de [Ted] Cruz era mais importante. As primárias republicanas tornaram-se um evento histórico, a possível dissolução de um grande partido. Nunca testemunhamos algo assim. No dia anterior ao Super Satuday, dois antigos pré-candidatos pelo partido atacaram o preferido Donald Trump. Essa é a reportagem sobre um partido regido pelas suas disputas internas. E o resultado disso é incerto.
Claro que o fato de que o senador Sanders teve bons resultados daria uma importante reportagem. Mas isso não tem tanto impacto sobre a corrida presidencial. A senadora Clinton ganhou em Louisiana, quem tem o maior número de delegados, e permanece bem a frente.
Isso não é pra dizer que não deveríamos cobrir cobrir a campanha de Sanders com vigor. Eu acho que temos, na verdade. É só uma tentativa de explicar um processo muito imperfeito de tomada de decisões que se dá devido aos nossos deadlines, com informações chegando aos poucos.
Em termos da nossa realidade pé-no-chão, lembre-se que temos duas dúzias de repórteres – muito mais se você contar a nível nacional – pelo país, no meio das multidões, conversando com eleitores. Esses repórteres são de gerações, gêneros e repertórios diferentes. É o maior grupo de jornalistas cobrindo a campanha. Sempre acertamos? De jeito nenhum. O jornalismo é verdadeiramente imperfeito. Decisões são tomadas com pressa. E frequentemente eu acordo arrependido pelas escolhas de pauta que fiz. Às vezes isso acontece porque a informação chega mais tarde do que esperávamos. Às vezes porque, durante a campanha, as pessoas enxergam a cobertura de modos diferentes. Na semana passada soltamos uma série de duas partes sobre o processo de tomada de decisão de Hillary Clinton na Líbia. Apoiadores da Sra. Clinton mandaram-me cartas criticando a reportagem, dizendo que era um ataque planejado à candidata. Rupert Murdoch twittou que a crítica foi muito leve. Então… vai saber.Não estou certo de que te convenci que estou certo. Certamente espero que tenha te convencido que eu os ouço. Mas, principalmente, quero agradecê-lo por se importar o suficiente para escrever.
Atenciosamente,
Dean.”
Não dá pra comparar com a mesma régua. A falha de hoje do jornalismo brasileiro é uma consequência direta da má apuração e replicação de notícias sem critério e, por mais que entendamos os motivos que levam a isso, não podemos deixar de criticar. Já a escolha editorial de Dean Baquet foi algo justificadamente estratégico, ainda que tenha falhado em contemplar diversos pontos de vista.
Devemos continuar cobrando, mas há boas perspectivas de um jornalismo honesto. As pessoas por trás dele são falíveis, decisões são tomadas, coisas acontecem, mas todo mundo faz o melhor que pode. Assumir erros, quando eles acontecem, me parece o melhor a ser feito.
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