Casado, pai e professor universitário, Diego Ponce de Leon conta que no mestrado começou uma pesquisa sobre gênero e na oportunidade de um evento universitário criou uma personagem feminina: a Carmela. A partir de então, esse seu trabalho como drag queen tem ajudado a pagar as contas em casa, enquanto leva uma mensagem de amor e humor às pessoas, construindo novas perspectivas sobre paternidades e masculinidades.
De Diego à drag Carmela: reflexões potentes sobre masculinidades e paternidades
Diego Ponce de Leon é pai, jornalista, professor universitário e drag queen. Nascido no Rio de Janeiro em 1981, mudou-se para Brasília na adolescência. Atualmente mora em Brasília com a sua companheira e seus três filhos.
Em um bate papo com a gente sobre masculinidade e paternidade, Diego nos contou que sempre foi uma figura inquieta e provocativa. Desde pequeno se viu questionando, observando, percebendo e construindo outros pontos de vista sobre as coisas, o que muitas vezes perturbava as outras pessoas.
Diego com a sua companheira e os seus 3 filhos
Em 2016, no mestrado, Diego começou a pesquisar gênero dentro do meio acadêmico. E na oportunidade de um seminário dentro da universidade criou uma personagem feminina para este evento. O que duraria apenas uma tarde, acabou se transformando na drag queen Carmela, que foi recebendo cada vez mais convites para estar em vários espaços, tomando as ruas, rádios, jornais e até canais de TV.
Esse trabalho como drag queen, desde então, tem ajudado Diego a pagar as contas em casa, enquanto leva uma mensagem de amor e humor, construindo novas perspectivas sobre paternidades e masculinidades. Carmela faz diversos eventos e tem até um programa de rádio. Através de sua Drag Queen, Diego leva consigo, para todos os lugares, mensagens de acolhimento e aceitação.
Mas o que é uma drag queen?
Drag queen trata-se da construção de personagens femininas para fins artísticos e de entretenimento. Geralmente ela é produzida a partir de muita extravagância e até caricatura. A arte drag se utiliza dos estereótipos de gênero para brincar e até questionar as construções sociais de masculinidade e feminilidade.
É importante destacar que a arte drag não é exclusividade dos homens gays. O próprio Diego é prova disso. A performance drag queen é uma prática de questionamento de gênero que pode ser feito por homens héteros, mulheres e pessoas não-binárias. Assim como existe o Drag King, que trata-se da construção de personagens masculinos, geralmente criados por mulheres, também para fins artísticos e de entretenimento.
Seja Drag Queen ou King, isso nada tem a ver com sexualidade e gênero da pessoa. Qualquer pessoa pode ser drag. Essa arte tem a ver com cultura, educação, trabalho, reflexão, diversão e criatividade.
Drag Queens não trabalham só em baladas
Temos uma imagem bem noturna das figuras drag queens, mas com o tempo esses artistas também foram ocupando outros espaços. Carmela, a drag do Diego, é locutora, comunicadora, comediante, apresentadora e também trabalhou nos jornais Correio Braziliense e Metrópoles, foi repórter no SBT e conduz entrevistas na Rádio Metrópoles.
Assim como ela, temos Rita Von Hunty e Dimitra Vulcana que são drag queens que produzem conteúdo sobre ciência, cultura, educação e história, realizando cursos e promovendo importantes debates nas redes sociais.
Rita Von Hunty
Mas e a companheira dele? O que pensa disso?
Diego relata que a sua companheira acompanhou tudo, desde o nascimento da drag Carmela, pois estão juntos há 12 anos. Inclusive, ela estava no dia em que Diego se montou pela primeira vez, auxiliando na primeira maquiagem e tirando as primeiras fotos dele. O surgimento da personagem nunca gerou insegurança, incômodo ou outras questões no relacionamento. Tudo aconteceu com uma enorme naturalidade:
“Ali é o mesmo cara que ela conheceu, o marido, o homem com quem ela se relaciona, o pai dos filhos dela , brincando de fazer arte. O apoio dela é fundamental, o apoio dela me traz toda liberdade e toda a motivação para levar em frente esse trabalho que ela entende como sendo muito importante”.
E a relação com os filhos? Como é ser um pai drag queen?
Os 3 filhos de Diego viram ele caracterizado de Carmela desde muito cedo. Então foi muito natural e tranquilo para eles compreenderem que isso fazia parte do pai deles e da família. Diego também acredita que o fato de eles frequentarem teatro desde muito cedo ajudou os filhos a diferenciarem o que é a personagem que está no palco realizando seus trabalhos artísticos, em eventos e meios de comunicação, do pai do dia a dia:
Eles sabem quando é o pai colocando pra dormir, levando pra escola, dando amor e carinho. E eles também sabem que esse pai trabalha se montando dessa personagem como um outro trabalho qualquer. A relação deles com o teatro facilita toda essa compreensão. Inclusive eles se divertem. Eles têm muito orgulho da Carmela.
A drag queen Carmela se tornou uma espécie de suporte para muita gente. Diego compartilha que recebe centenas de mensagens e depoimentos de pessoas que se sentem muito mais felizes em poder ter a companhia da Carmela no dia a dia através do programa de rádio. Ela virou sinônimo de amor, desconstrução, de outras possibilidades de ser homem e de afeto. Diego entende que isso tudo também repercutiu na construção de sua paternidade:
Tento exercer uma paternidade que versa muito sobre o sensível, o delicado, sobre o acolhimento, fugindo das imposições rígidas de gênero e construindo um profundo respeito às individualidades. Carmela me faz ser um pai melhor.
Ainda sobre o contexto familiar, Diego conta que sua drag queen Carmela tem uma boa aceitação pelos seus irmãos que são todos homens. Eles prestigiam e aplaudem sempre o seu trabalho. A sua mãe também acolhe, apoia e respeita. Inclusive brinca e participa de vídeos que o Diego faz montado de drag. Entretanto, o seu pai mantém certa distância e silêncio, mas se respeitam.
Diego com a sua filha quando ela tinha 2 anos
Como ser drag queen impactou a construção da sua masculinidade?
Diego conta que a Carmela é uma possibilidade de experimentar a masculinidade de forma mais tranquila e até mesmo de forma muito próxima dos outros homens. Apesar de seu trabalho já ter sido recebido com dedos na cara, xingamentos e cara feia, vários homens – héteros, gays ou bissexuais – também se aproximavam dessa figura feminina, possibilitando trocas, afetos e abraços. E isso, certamente, mexe na construção da masculinidade do Diego, que então se vê próximo desses homens que se abrem muito mais a sua personagem drag queen, do que ao Diego enquanto homem:
Eu me dei conta que a Carmela era uma grande ferramenta de liberdade, que a Carmela me dava a possibilidade de ser, pensar, agir, dançar, como eu bem entendesse. Carmela era uma extensão minha que encontrava ali nessa experiência uma ferramenta de liberdade. A Carmela se torna essa possibilidade de exercer masculinidade de uma forma livre.
A figura da Carmela também esbarra em resistências: só a figura dela gera uma resistência imediata. Simplesmente a presença de uma drag queen, principalmente em espaços fora do ambiente noturno, já é capaz de despertar uma sensação de ofensa e ameaça a pessoas mais conservadoras:
A sua presença também desperta em várias pessoas aquilo que, talvez, elas não deem conta de lidar e gerenciar em si.
Carmela na APAED – Associação de Pai e Amigos dos Excepcionais – Instituição Pública do Distrito Federal que acolhe crianças com Down e autismo. Carmela foi eleita madrinha da associação.
“Mas o pessoal da periferia, do interior ou da roça entende esse negócio de Drag Queen?”
Essa pergunta sempre aparece quando se fala em drag queen, ou em assuntos sobre gênero e sexualidade. Supomos sempre que determinadas pessoas não serão capazes de entender. Mas além disso ser um mito, essa é uma visão muito errada que temos dos espaços fora dos centros urbanos. Esse nosso pensamento parte de uma noção equivocada de que as grandes cidades são espaços de sabedoria e acolhimento, e a periferia ou a roça seriam lugares de ignorância. Isso acaba, por muitas vezes, sendo uma perspectiva cultural bem excludente e racista.
Inclusive, a partir da fala de Diego sobre sua experiência, a drag Queen Carmela tende a ser muito mais acolhida e apreciada fora dos centros urbanos. É na periferia que a sua vivência artística e de troca de afeto com o público mais acontece.
Carmela no Sertão do Piauí
Diego pontua que o primeiro público que acolheu a proposta de Carmela, de braços abertos e desde o início, foi a classe trabalhadora. Através de seu programa na rádio, a drag queen virou íntima do dia a dia de donas de casa, diaristas e motoristas de aplicativo. A sua popularidade também vai além de viés político e idade. Carmela tem fãs de direita e esquerda, de crianças a idosos. Ela é uma drag queen que vai conversar com o povo na rua, na escola, no dia a dia e nos lugares comuns.
Isso nos mostra que não devemos subestimar que essa ou aquela pessoa, dessa ou daquela vivência e escolaridade, é mais ou menos capaz de compreender e ser atravessada pelo poder da arte drag, e pelas discussões contemporâneas de gênero, sexualidade, cultura e educação.
Ao fim do nosso bate papo com o Diego, perguntamos: “A partir da experiência que você vive sendo pai, professor, marido e drag queen, o que é ser homem para você?”
“Você é homem quando consegue ser aquilo que você achava que não daria conta. É quando você consegue dar aquele abraço que você achava que não daria conta. É quando você é aquele pai que você achava que não daria conta. É quando você é amoroso quando você achava que não daria conta. É quando você é feminino quando você achava que não daria conta. Ser homem é quando você escapa de tudo aquilo que disseram que é ser “macho de verdade”. Por que quando você segue esse roteiro que impõe um único jeito de ser homem, você não é nada, você é apenas um reflexo vazio. Mas quando você tem coragem de ir além disso e transcende, quando você se opõe a uma masculinidade dura, violenta e fria, eu acho que aí você se torna homem!”
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