Uma das grandes mentiras que contamos a nós mesmos é que o caminho natural das coisas é ir para a frente, sempre em rumo ao futuro como se a vida fosse uma função de juro composto. Infelizmente não é bem assim. Como todo vascaindo aprende, é normal passar por uma crise ou outra. Isso se repete também entre os países e regiões e a história registra vários grandes eventos de apocalipse econômico e regressão social pelos mais variados motivos. 

Muitos desses eventos se devem a fatores que não podem ser evitados, como o clima. Outros são simplesmente estúpidos, como o Encilhamento. De toda a forma deveríamos estar tão acostumados com crises a ponto de saber que quando algo vai mal, há de se consertar logo para que a coisa não piore. 

O Brasil de certa forma é um campeão em crises. Temos algumas das piores e mais estúpidas formas de entrar em uma enrascada, principalmente se o dinheiro da nação está em jogo. Parece que nunca aprendemos e a cada quatro anos nos vemos no direito de inventar a roda, ou seja, um nova teoria econômica e social. O que nem todo mundo sabe é que andar para trás é comum e esperado em todos os países. Afinal, errar é humano.

Top 3 crises mundiais

Eleger as três principais crises mundiais é complicado, principalmente porque algumas delas aconteceram em épocas sem registro, com pouca comunicação internacional ou mesmo em uma economia muito simples, não monetizada.

Entre as piores crises que não entram na lista, vale destacar aquele momento dramático em que o deserto do Saara secou – foi um processo rápido, e em poucas gerações a área passou de uma planície verde para um deserto completo. Pense na diferença entre o Pantanal e o Sertão.

Deserto do Saara, na Líbia. Não foi sempre assim.

Outra crise digna de nota é a que derrubou o império romano do oeste. Por motivos estruturais, o império simplesmente não conseguia pagar a conta dos seus gastos e não podia emitir dívida, passou de potência mundial a inexistente em cinco gerações.

Por motivo de farto registro e complexidade social, as três piores crises são todas do século XX. A primeira da lista é a mais dramática, a segunda é a de maiores proporções econômicas e a terceira é a que gerou o maior impacto social. 

Hiperinflação alemã (1921-1923)

Uma das crises econômicas mais cult da história, a hiperinflação alemã tem sua raiz na decisão do Imperador Guilherme de financiar os custos da Primeira Guerra Mundial através de financiamento bancário ao invés do modo clássico – emitindo títulos públicos ou aumentando impostos. Além disso, o país foi um dos primeiros a abandonar o padrão ouro. Naquela época, os países sérios (o Brasil não conta) lastreavam sua moeda com depósito em ouro ou prata.

Como a Alemanha perdeu a guerra e boa parte de sua classe trabalhadora, simplesmente não conseguia gerar recursos financeiros para pagar a dívida e as enormes reparações de guerra exigidas pelo Tratado de Versailles. A saída foi imprimir moeda a bangu e comprar moeda no exterior para pagar as dívidas. Isso também ajudava nas exportações e impedia importações, aumentando as reservas internacionais. 

Mas isso não foi o bastante. Dessa forma, em janeiro de 1923, tropas francesas e belgas invadiram minas de carvão alemãs no vale do Ruhr e pegaram o pagamento em carvão. E o marco foi se desvalorizando ainda mais até outubro de 1923, quando foi executado um plano MUITO, mas MUITO parecido com o Real.

Em abril de 1913, antes da guerra portanto, era preciso de 4 Marcos para comprar 1 dólar norteamericano. 

Em abril de 1917 era preciso de 5,5 Marcos. 

Em dezembro de 1919 era preciso de 48 Marcos. 

Em dezembro de 1920 era preciso de 78 Marcos. 

Em dezembro de 1921 era preciso de 192 Marcos.

Em dezembro de 1922 era preciso de 7.407 Marcos.

Em dezembro de 1923 era preciso de 4 trilhões de Marcos para comprar 1 dólar.

Imagine a dificuldade dos alemães em fazer compras em Miami com esta cotação!

Neste link dá pra ver a evolução da moeda alemã durante o período. Neste outro link você pode entender um pouco mais da cura.

A Grande Depressão (1929-1939)

As causas da Grande Depressão são meio estranhas, principalmente porque mistura recessão com depressão. Dizem que tudo começou com a queda da bolsa americana.

Estava todo mundo feliz dançando Charleston até 29, né?

Ao contrário do Brasil, nos EUA as pessoas são ensinadas a poupar seu dinheiro, pois não há aposentadoria compulsória ou gratuita. Além disso, os investimentos em renda fixa e títulos públicos não oferecem ganhos elevados, pois o juros básico da economia é baixo. Ou seja, muita gente comum investe na bolsa por que esta é uma das poucas opções que eles possuem para acumular patrimônio. É mais fácil e simples do que comprar um imóvel, por exemplo.

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Após a queda da bolsa, essas pessoas não quiseram mais investir em nada que não fosse renda fixa. Pior do que isso, diminuíram o consumo, pois precisavam poupar mais! O resultado foi preços caindo e deflação durante anos.

É exatamente o oposto da Alemanha. Neste caso, com deflação, há um incentivo a manter o dinheiro embaixo do colchão ou na renda fixa. Veja, mesmo que a poupança esteja pagando 0,5% ao ano, com uma deflação de -25% e o desemprego subindo a 25% da população, você não vai gastar nada.

E se as pessoas não gastam nada, as vendas caem, a produção cai e até as importações caem. A crise de consumo nos EUA impactou primeiro as economias mais conectadas e depois foi derrubando cada um dos países. Até o Brasil sofreu, embora menos do que os EUA. 

A solução para esta crise até que parece simples hoje. Os Estados Unidos desvalorizaram o dólar, gerando inflação artificialmente, aumentaram as exportações e com isso incentivaram o consumo. 

Gráfico do PIB de vários países durante o período. Fontes sobre deflação.

O Grande Salto Adiante (1958-1962)

Durante menos de um minuto fiquei em dúvida se a pior crise econômica seria a Grande Depressão mesmo ou o Grande Salto Adiante. Porém, como a estupidez sempre merece destaque, o posto de pior crise econômica da história com certeza vai para o plano genial de Mao Tse Tung de modernizar a China.

Esperto

Tudo começou em 1958, quando o Grande Timomeiro teve a ideia iluminada de colocar a atrasada China no panteão das economias industriais. E faria isso usando toda a força do povo. Genial, né? 

O plano tinha 4 pilares de estupidez:

– agricultura coletivizada em comunidades de 5 mil camponeses, mais ou menos

– investimento pesado em tecnologia industrial própria

– produção de aço em fornalhas de fundo de quintal 

– expansão de áreas irrigadas

A questão da agricultura coletivizada se mostrou uma péssima ideia principalmente para os camponeses. Antes eles tinham seu pedaço de terra e eram responsáveis por ele. Agora, precisavam dividir tudo com os outros, dando margem para que alguns não se esforçassem tanto. Isso, porém, não é o pior. Um agricultor que quisesse ir para a cidade, por exemplo, era impedido por comissários do partido. 

Pior ainda, os comissários coletavam as ferramentas deles e as fundiam junto com panelas e outros utensílios domésticos para a produção de aço. Muitos agricultores viraram metalúrgicos do dia para a noite. Na verdade, dois milhões de metalúrgicos surgiram na China do nada, sem nenhuma experiência ou formação.

O aço produzido dessa forma, além de sua má-qualidade, era empregado em projetos motivados por inclinação política e não mérito ou mesmo consideração sobre o retorno. Uma tragédia.

O resultado prático foi que a colheita de 1959 foi insuficiente para atender a toda a população. Não havia ferramentas para colher, e não havia gente para trabalhar (pois estavam nas micro-siderúrgicas!). Em 1960 e 1961 a coisa não foi diferente e afetou basicamente a população no campo, principalmente porque os comissários locais mentiam para as autoridades sobre a produção. 

E, pior ainda, para manter as aparências, Mao manteve o nível das exportações chinesas de cereal, literalmente matando seu povo de fome para não pegar mal com os companheiros. Graças às nada confiáveis estatísticas do governo chinês, o total de mortes devido ao Grande Salto Adiante varia de 23 a 46 milhões de pessoas.

Dá pra ler mais sobre o assunto aqui.

Na crise, crie

Dizem os gurus motivacionais que “é na crise que surge o novo”. Já eu prefiro a versão do boteco, que diz que “o que não mata, engorda”. Ambas são verdadeiras para as crises, embora apenas a frase de boteco seja honesta.

Uma crise gera desemprego, instabilidade social, destrói famílias e pessoas. Histórias são interrompidas para, em muitos casos, nunca serem retomadas. Crises são sérias. Não são motivacionais. Elas matam e, dependendo de sua duração, podem arrasar um país inteiro como aconteceu com a China, ou atravancar a economia global por anos como em 1929.

Porém, assim como um fogo florestal, que mata e renova a floresta ao mesmo tempo, a crise às vezes derruba um concorrente grande abrindo espaço para os menores. Nas empresas, muitos cortes de custos começam com os maiores salários, dando assim espaço para que novas pessoas tenham a oportunidade de mostrar sua capacidade. 

Crise é ruim, sim, mas chorar não vai resolver.

Mas vem cá, na sua opinião, qual foi a principal crise, recessão ou depressão brasileira? Não vale a atual, que ainda não acabou.

Daniel Bender

Jornalista, Diretor de E-commerce e Caçador de Descontos no <a>1001 Cupom de Descontos</a>. Sempre disponível para conversar no boteco. "