Nesta quarta feira, 13 de fevereiro, às vésperas do dia de São Valentim, foi a julgamento no STF a proposta de criminalização da Homofobia.

Nos últimos anos, qualquer tema que envolva sexualidade e legislação tem gerado muito rebuliço na política e polêmica entre os cidadãos.

Nesses últimos dias vimos diversas manifestações de LGBTQ e apoiadores que querem que a homofobia seja um crime inafiançável, assim como o racismo. E vimos também muitas pessoas contra a criminalização, questionando que “se todos são iguais, porque é preciso criar uma legislação específica para proteger um grupo? Não seria isso um privilégio?”

 

Mais do que falar sobre a votação em si, ou sobre as polêmicas de jurisdição que tem surgido em torno do caso, neste texto eu gostaria de me atentar para este questionamento:

O que é "garantir direitos iguais" e o que é "dar privilégio"?

Imagine que você trabalha no escritório de uma empresa em que todos têm direito de sair às 19h e ir para casa descansar.

Essa semana, seu chefe determinou que cada um dos funcionários do seu departamento seriam responsáveis pela revisão de 20 planilhas.

No entanto, cada vez que o chefe passava pela sua mesa, ele te dava uma tarefa a mais: tirar xerox de uma pilha de papel, organizar o almoxarifado, ligar para cinco fornecedores, cotar um novo serviço de transporte, verificar o histórico de ligações de 30 funcionários e por aí vai. Isso se repete quase todos os dias.

Às 19h, todos os funcionários vão embora, menos você e mais três funcionários que também receberam tantas tarefas extras que não conseguiram acabar a tempo de desfrutar do direito de sair às 19h.

Nessa histórinha, percebemos que os direitos de entrar e sair no mesmo horário são iguais para todos, mas, como as condições de trabalho são muito diferentes, você e aqueles outros 3 colegas nunca conseguem ter o descanso que os outros têm.

Vocês três percebem que os outros até recebem uma tarefa extra por semana, mas são coisas rápidas que não atrapalham o direito deles de sair às 19h. Os três chegam à conclusão que o problema está na diretoria, que está errando na distribuição de tarefas e decidem, então, criar uma regra que impede o chefe de dar mais tarefas para apenas alguns funcionários, dificultando a entrega do trabalho principal.

O direito de sair às 19h representa todos os direitos individuais – direito à vida, respeito, segurança, saúde, casamento civil, emprego – e as tarefas extras são as pequenas injustiças que atrapalham o indivíduo de desfrutar dos seus direitos. Nesse contexto por mais que o direito de sair às 19h seja para todos, quando há uma injustiça acontecendo com apenas alguns, é preciso criar uma regra extra focando na causa dessa injustiça: limitar a quantidade de tarefas que possa ser dada a uma só pessoa.

Veja só, não mencionei porque o chefe dá mais tarefas para você. Mas, vamos dizer que ele faça isso porque vocês e mais aqueles outros gostam muito de futebol e ele, que não gosta nada, acredita que ser fanático por jogo é coisa de quem tem muito tempo livre para se divertir e, então, precisa mesmo trabalhar um pouco a mais. Ele diz inclusive que o futebol não serve pra nada, que Deus não criou o homem para jogar futebol e que as pessoas direitas devem usar o sétimo dia para ir a missa, como está escrito na bíblia, e não para “se divertir mundanamente correndo atrás de uma bola”.

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Parece óbvio que a opinião do seu chefe e que a ação dele em te dar mais trabalho do que deveria é bastante injusta, afinal, você não merece ser tratado diferente só porque ama futebol. Você e seus outros três colegas nem sequer entendem o que ele vê de mal nisso. Vocês sabem que seu chefe pode continuar não gostando de futebol, e vocês não querem mudar isso, só querem uma nova regra que garanta que ele não poderá tratá-los com diferença ou incentivar outros a tratá-los com diferenças por causa de um gosto pessoal de vocês.

Pedir o apoio dos outros funcionários para aprovar a nova regra não é nada fácil. Aqueles que sentam ao seu lado e que veem o chefe te dando tarefas extras todos os dias concordam muito rapidamente em apoiar vocês, mas os outros funcionários que sentam mais afastadas acreditam que vocês saem mais tarde porque trabalham mais devagar e que não é preciso mudar nenhuma regra, afinal, o direito de sair às 19h já existe.

* * *

Essa história toda reflete a situação atual: a população LGBTQ teoricamente tem os mesmos direitos que todos os cidadãos, mas enfrentam, cotidianamente, uma série de injustiças cotidianas cometidas por pessoas que acreditam que elas não deveriam ser como são.

Infelizmente, na vida real, estas pequenas injustiças não são apenas tarefas que atrapalham o horário de descanso. Muitos morrem vítimas de crimes de ódio simplesmente por serem quem são, por amar e se relacionarem de uma maneira diferente. Muitos mais são expulsos de casa, apanham, perdem seu emprego, ouvem insultos, entre outras coisas.

Se algumas pessoas da sociedade são os chefes da histórias, aqueles que cometem as injustiças, sejam elas maiores ou menores, há, além dos chefes, uma imensa massa de pessoas que são apenas os funcionários não injustiçados. Estes são aqueles que até receberam uma ou outra tarefa extra, coisa pouca, e que, quando receberam conseguiram cumprir e sair no mesmo horário, portanto, não conseguem ver o problema dos que são estigmatizados e não querem que as regras mudem. Mudá-las pode parecer dar a outros um privilégio.

Quando falamos de direitos iguais não significa que deve haver as mesmas regras para todas as pessoas.

“Ué, como não?”

Explico.

Seria assim, se todos fôssemos tratados iguais na nossa sociedade, mas ainda não chegamos nesse ponto. A declaração universal dos Direitos Humanos foi criada depois da 2ª guerra mundial – aquela que teve o holocausto dos judeus e as bombas atômicas dizimando parte da população japonesa – ou seja, ela foi criada num momento em que o nacionalismo, o preconceito e a guerra mataram centenas de milhares de pessoas.

Portanto, a declaração tinha como objetivo garantir direitos básicos que impedissem que determinado grupo perseguido fosse tratado diferente. Sendo assim, direitos iguais é um termo popular que deve ser entendido como “direitos que garantam a igualdade” ou ainda “direitos que impeçam a estigmatização de um grupo pela sua raça, cor, credo, classe social, gênero, sexualidade, etc”

É preciso criar políticas diferentes, sempre que estas promovam a igualdade e é preciso criar políticas iguais, sempre que a diferença promova exclusão.

* * *

Vamos seguir a conversa nos comentários? Como vocês compreendem a criação de novas leis para reparar desigualdades? Como acham que seria uma maneira mais justa de garantir que as pessoas não tenham seus direitos minados por preconceitos?

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP