Na perspectiva da violência contra meninas e mulheres, um papel chave que pode virar o jogo é justamente o papel dos homens que não são violentos, que não são autores da violência, que nunca agrediram e, possivelmente, nunca venham agredir nenhuma mulher ao longo da sua vida.
[Nota da edição: Esse texto é uma transcrição editada da fala de Viviana Santiago na aula online “Dia Internacional das Mulheres: qual a responsabilidade dos homens?”, ministrada dia 07 de março de 2024 por Viviana Santiago e Guilherme Valadares. O evento foi organizado pelo Instituto PDH como parte do lançamento do livro “Como conversar com homens sobre violência contra meninas e mulheres”, segunda edição. ]
Acesse aqui o pdf com a fala completa de Viviana Santiago
Como vamos virar o jogo das violências contra meninas e mulheres?
Na perspectiva da violência contra meninas e mulheres, um papel chave que pode virar o jogo é justamente o papel dos homens que não são violentos, que nunca agrediram e, possivelmente, nunca venham agredir nenhuma mulher ao longo da sua vida.
Trabalhar muito tempo no enfrentamento do bullying, me faz olhar as violências desde uma perspectiva sistêmica. Como é que essa violência acontece? O papel das pessoas que observam o bullying é chave para interromper o ciclo de violências.
O bullying assim como a violência contra meninas e mulheres envolve três partes: a pessoa que pratica o bullying, o valentão – o homem autor da agressão –; a pessoa que sofre a violência – no caso as mulheres e suas famílias, filhos, filhas, sobrinhas – e, em terceiro lugar, pessoas as observadoras, que são as pessoas que dão legitimidade a intimidação e violência.
O poder do cara que ameaça, o gozo de quem faz o bullying, vem do fato de que essa humilhação está sendo presenciada.
Atuar com os observadores é trabalhar para tirar a sustentação do fenômeno
Por exemplo: num boteco, tomando uma cerveja, jogando um bilhar, baralho, tem um rumor sobre aquele outro cara ser meio violento, esquentado… O homem que não é autor de violência, que não concorda com isso, ouve o rumor. Num outro dia vê o tal do cara puxando a namorada pelo braço, escuta ele reclamando da roupa dela, fazendo um comentário descabido. O homem que nunca cometeu uma violência está ali observando. Ele acha errado, mas não fala.
Quando não falamos, estamos conferindo legitimidade a essas ações.
Estar diante de uma situação em que um cara se afirma pela intimidação, pela ameaça e não dizer nada faz com que esse “valentão” se sinta acolhido no nosso silêncio e isso sustenta o processo violento, afinal, a falta de ação mostra que a violência é tolerada.
A mudança de postura das pessoas observadoras funciona como um mecanismo de controle social: elas deixam de ser público espectador e isso faz com que o valentão perca sua fonte de poder, de intimação e de legitimação.
Eu lembro de quando me contaram uma história muito simbólica – foi um entrevistado de outro projeto sobre enfrentamento a violência que fizemos juntos, PapodeHomem e eu – de um homem que era especialista em roubar carro de mulheres. Esse assaltante era muito exitoso em assaltos a luz do dia e em lugares movimentados, porque todas as vezes que as mulheres assaltadas começavam a gritar, ele dizia “é minha mulher!”, e com isso, ninguém intervinha.
Ele levava o carro, batia na mulher e saia da cena. Era como se ele pudesse fazer porque a mulher era dele… Olha o nível de tolerância que temos com a violência contra meninas e mulheres!
É preciso coragem e ousadia para romper ciclos de violência.
Temos inúmeros relatos de pessoas que passaram por situações de violências extremas num contexto em que, após dizerem não duas, três vezes para um cara num bar, numa festa, foram agredidas na presença de tantas outras pessoas e tantos outros homens. E quando o “cara legal” está vendo o amigo agredir? O que ele faz? O que você faz? É preciso coragem. Coragem para usar do seu privilégio, que é ser homem nessa relação, para interditar, para dizer “você não vai fazer isso! Você está errado!”
Isso é usar o seu privilégio para mudar uma ação concreta.
Eu escuto muito as pessoas dizerem “eu sou homem e eu reconheço os meus privilégios” ou, principalmente na questão racial, “eu sou uma pessoa branca e eu reconheço os meus privilégios“. Mas o que você faz com isso?
Minha sugestão é que a gente vá um passo além do reconhecimento: “Porque eu reconheço meus privilégios, eu assumo minha responsabilidade”
Quando você reconhece o seu privilégio e assume a sua responsabilidade, você percebe que, por exemplo, “uma mulher teria mais dificuldade para enfrentar esse cara falando desse jeito, mas eu posso e eu vou falar.” Então tenha coragem para dizer
“Nesse grupo, isso aqui se acaba! Você que tá falando assim com a garota, vai entender que, se você acha que agir assim é normal, se tem o mundo inteiro te autorizando a falar dessa maneira, quando eu estiver por perto, eu não te autorizo!”.
É preciso coragem e ousadia para romper os ciclos de violência.
Podemos começar devagarzinho. Às vezes você vai viver uma situação super desconfortável com um colega seu. Na hora, talvez você não tenha conseguido falar, mas, em seguida, mande uma mensagem. “Olha, queria te dizer que eu fiquei incomodado”. Não deixe de expressar de alguma forma que você não está de acordo. Não precisamos começar com movimentos grandiosos, mas precisamos começar.
Chico Science diz:
“Apenas um passo e você já não está no mesmo lugar”.
Que tal dar esse passo agora?
[A edição da fala foi feita por Gabriella Feola]
Como conversar com homens sobre violência contra meninas e mulheres
O evento foi organizado pelo Instituto PDH como parte do lançamento do livro “Como conversar com homens sobre violência contra meninas e mulheres”, segunda edição.
Legenda
O livro é uma edição ampliada e aprofundada com coletânea de dados, passo a passo de como dar suporte a pessoas em situações de violência em diferentes contexto, mapeamentos de grupos de homens e iniciativas de apoio a mulheres e meninas, mini guias para educadores além de entrevistas com especialistas e outras informações importantes.
O projeto foi idealizado pelo Instituto PDH, viabilizado por Febraban Sindical, Contraf e Contec, contando com a participação de inúmeros especialistas e institutos focados no fim das violências contra meninas e mulheres e promoção da equidade.
Todo o material do projeto é público e gratuito. Acesse o livro digital.
publicado em 08 de Março de 2024, 16:09
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