Haverá quem declare o fim do mundo, mas a candidatura da prostituta peruana Ángela Villón ao congresso do país é uma assunto possivelmente interessante e pode ser boa notícia.
Ángela, de 51 anos, está na profissão desde os 16 e atualmente trabalha no bordel El Botecito, em Lima, vai às urnas pra votar e se eleger em abril deste ano. Ela concorre pelo partido esquerdista Frente Amplio, que se define como progressista, popular, antiimperialista e antioligárquico – e sabemos que isso pode significar múltiplas coisas.
As propostas da prostituta são bem estabelecidas. Ela pretende lutar pela regulamentação dos trabalhadores do sexo, pauta importante em um país que, segundo o último estudo do Ministério da Saúde do Peru de 2002, abriga 250 mil prostitutas e não tem leis pra garantir seus direitos e deveres trabalhistas, assim como na maioria dos países. A futura política critica as dificuldades que trabalhadores do sexo têm para financiar compras de casas e bens que exijam comprovação de renda, por exemplo.
Na reportagem do jornal La Republica o destaque é sua fala: “Para nós, um bordel é um centro de trabalho, onde deixamos a alma para prover às nossas famílias. É um lugar de segurança, normas de convivência, princípios (…) Não tenho estudos universitários nem maestrias, mas também não sou boba ou improvisada como alguns pensam. Sou ativista dos direitos humanos e represento as minorias do povo. Quero fazer algo por este país.”
Além disso, Ángela discursará pelo direito dos transsexuais de mudança legal de nome, descriminalização do uso da maconha – pautas tipicamente de esquerda.
Maior e mais importante será sua luta contra o aliciamento e exploração de crianças e adolescentes pelo mercado sexual, pauta urgente não só no Peru, mas em todo mundo.
Mas não andemos nas trilhas das empolgações progressistas: há de se analisar sua candidatura. Longe de mim fazê-lo pela ótica de seu trabalho – até porque nada me identifico com o conservadorismo em relação às liberdades individuais –, e acredito que a representação da classe profissional seja realmente importante neste congresso, que muito ainda precisa fazer para garantir a justiça a esses trabalhadores.
Só que não vejo, nem em suas propostas, nem em seu discurso, visões mais bem estruturadas em relação à pilares fundamentais da política como economia, sistema educacional e distribuição de renda.
Vale o questionar mais a fundo – prática que deveria ser aplicada a qualquer candidato – quais são suas motivações e certificar-se de que elas são, realmente, políticas. Isso porque Ángela vem dando entrevistas e rendendo reportagens de longos vinte minutos nas quais fala mais de sua própria vida e profissão do que de suas propostas.
Se o carisma e simpatia são heranças do ofício, podem muito bem servir a falar mais do que fazer, especialmente com chavões apelativos como “nosso congresso já é um bordel” que, sendo releitura do “tudo acaba em pizza”, já conhecemos bem. Afinal, não há quem em sã consciência discorde completamente da afirmativa, mas também parece não haver quem se proponha a explicá-la com argumentos, preferindo a responsabilização coletiva do que o trabalho que dá questionar-se o tempo todo quanto ao que pensamos.
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