Na Inglaterra do século XVII, houve certa feita um evento social num clube, onde foram servidos sanduíches diversos, entre eles, alguns rechados com patê de ganso. Poucas horas depois, algumas pessoas apresentavam visão dupla (diplopia). Tais pessoas julgavam que era apenas um mal estar e iam dormir. Para não mais acordar.
Em pouco tempo instalou-se o pânico, e não demorou muito para se estabelecer um elo comum entre as pessoas.
Eram exatamente as que escolheram o patê de ganso como recheio. Quando se deram conta que o banquete na verdade tinha sido uma roleta-russa, várias outras manifestavam sintomas de diplopia, e horas depois, estavam mortas. Não havia o que fazer na época.
O vilão do caso, atendia pelo nome de Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbia (que só existe na ausência de oxigênio), parente da bactéria do tétano. Vocês vão perguntar, “Se ela só existe na ausência de oxigênio, como isso acontece?” Porque na presença de oxigênio, ela se encontra na forma de esporos, que são muito resistentes, e eclodem em condições apropriadas.
Enfim, mas a bactéria em si não é o problema. O problema é uma proteína que ela produz, a toxina botulínica. Esta é a proteína mais tóxica e poderosa que se tem notícia, mais do que qualquer veneno na face da Terra. Hipoteticamente, algumas centenas de grama de toxina botulínica seriam o suficiente para exterminar TODOS os seres humanos.
COMO OCORRE O BOTULISMO
O calor intenso é capaz de matar as bactérias e destruir a toxina, porém os esporos podem resistir. O botulismo clássico tem como fonte latas de comida em conserva, onde houve falha no preparo e contaminação por esporos, criando um ambiente perfeito para a germinação dos esporos e a conseqüente produção da toxina.
Ao ingerir o alimento, a pessoa se envenena, como provavelmente ocorreu com o patê lá da Inglaterra do século XVII.
POR QUE MATA?
A toxina botulínica é uma neurotoxina, agindo nas sinapses neuronais dos músculos. Uma vez que age, o músculo entra em paralisia flácida. Isso vai causar alguns sintomas de forma progressiva :
– Diplopia, por fraqueza dos músculos oculares
– Queda das pálpebras
– Dificuldade de falar e de engolir, por fraqueza dos músculos da laringe e faringe
Até aí nada, mas vale lembrar que nós respiramos por ação de um músculo, no caso o diafragma. O botulismo mata por insuficiência respiratória.
TRATAMENTO
O paciente tem que ser colocado em respiração artificial, e nela permanece por várias semanas, até meses, dependendo da severidade da intoxicação. Após tal período, o organismo lentamente consegue eliminar a toxina e restabelecer a função respiratória.
Chamo a atenção para a duração um tanto quanto prolongada dos sintomas, veremos o porquê mais à frente.
DESCOBRINDO E DOMANDO O INIMIGO
Após várias tentativas e descrições de uma substância que no caso seria a tal toxina, finalmente em 1944, Edward Schantz isolou a toxina botulínica. Logo após, em 1949, descobriu-se como age a proteína, bloqueando a transmissão neuromuscular.
Então uma centelha se acendeu nos cientistas. Se tal substância era um potente inibidor da contração muscular, por que não utilizá-la para tratar condições humanas que requeiram tal ação?
O primeiro uso terapêutico da toxina botulínica se deu em 1980, e foi oftalmológico. A toxina foi utilizada no tratamento do estrabismo (o popular “vesgo”), blefaroespamo (uma espécie de “tique” constante da pálpebra) e espasmo hemifacial. O grupo farmacêutico Allergan obteve os direitos de produção, e em 1989, foi aprovado pelo FDA. O produto então foi batizado de Botox.
O Botox como terapia não-cosmética, também era utilizado em diversos distúrbios :
– Enxaquecas
– Distonia cervical (torcicolos não convencionais)
– Hiperidrose axilar (sudorese excessiva)
– Acalásia do esôfago (O esfíncter esofágico inferior tem dificuldade em relaxar, causando dilatação e dificuldade de deglutição)
Outros usos ainda não aprovados pelo FDA seriam em casos de doenças espásticas do sistema nervoso central, bexiga neurogênica, fissuras anais, salivação excessiva e desordens da articulação têmporo-mandibular.
FINS MENOS NOBRES
Mentes que salvam existem, assim como mentes que matam. Foi cogitada a tentativa de usar a toxina botulínica como armamento biológico. Porém, a proteína é muito instável em contato com o ar. Uma área bombardeada com toxina botulínica pode ser freqüentada com segurança após 24 horas.
Dois casos, porém, são conhecidos. Na década de 30, a chamada Unidade 731 do Exército japonês, especializada em guerra biológica e química, fez experimentos com comida contaminada e servida a prisioneiros durante a guerra Sino-Japonesa.
E em 1961, a CIA saturou alguns charutos com toxina botulínica, da marca preferida de Fidel Castro, com o intento de matá-lo. Os charutos acabaram não sendo utilizados, mas anos após, foi comprovado que teriam funcionado.
ENFIM, A ESTÉTICA
Um efeito colateral descoberto por uma oftalmologista, a Dra Jean Carruthers, de Vancouver, no Canadá, acabou despertando a atenção de seu marido, Dr Alastair Carruthers, um dermatologista.
Alguns pacientes tratados com Botox para problemas oculares, acabavam tendo uma diminuição acentuada de suas rugas e dobras da testa. E tal efeito durava um bom tempo (lembram que eu disse acima sobre o tempo prolongado do botulismo ?), de 4-6 meses.
Isto levou a estudos clínicos, e finalmente a aprovação do Botox para uso cosmético pelo FDA, em abril de 2002. Hoje em dia é o procedimento estético mais utilizado nos EUA.
E assim, o antigo inimigo, agora domado, tornou-se aliado daqueles que procuram melhorar sua aparência.
Dr Health, que recomenda a pesquisa sobre as atrocidades que a tal Unidade 731 do Exército Japonês fazia com os prisioneiros de guerra. Vivissecção humana sem anestesia, Test-drive de lança-chamas, fome deliberada para determinar o tempo que a pessoa morria e bombardeamento de cidades com pulgas infectadas, espalhando doenças e exterminando populações, entre outras. A que ponto o ser humano pode chegar!
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