Pergunta: “Aparentemente fizemos merda e minha namorada esta grávida, ainda não fizemos o teste (beta hcg) e se der certo de hoje não passa.

Analisando as possibilidades, ilícitas também, comecei a procurar como é feito o aborto nos EUA, onde é permitido. Achei os medicamentos usados (Mifiprex e Misoprostol), como utilizá-los e claro, os efeitos colaterais.

Ainda não está decidido de tentar o aborto, mas se tentarmos e ocorrer problemas como hemorragia excessiva e precisar de socorro médico. Como os médicos vão agir?

Acredito que salvar a vida é o mais importante então todos os procedimentos devem ser tomados mesmo o aborto sendo ilegal. Mas e depois o médico é obrigado a denunciar um aborto?

Não preciso nem dizer que estou ficando doido com isso já, né?”

– Anônimo

Uma dúvida sobre um tema complexo e polêmico, e causa de muitos problemas de saúde pública no Brasil e no mundo, o aborto. Um debate infindável, entre os alcunhados “pró-escolha” e “pró-vida”.

aborto
É fácil julgar o aborto?

Como o tema me interessa muito, freqüento as comunidades de Orkut sobre o assunto e já pesquisei bastante a respeito. Porém, acho que a discussão fica para os comentários, e tenho certeza que isso vai acontecer. Vamos à análise técnica (e também de uma certa forma, jurídica) do caso do leitor.

Análise passo-a-passo do Aborto

Uma pequena falácia comete o leitor ao se referir aos EUA como local onde o aborto é permitido. Depende do Estado.

Em muitos, é proibido, pois lá os Estados têm sua Constituição própria e distinta. Enfim, naqueles onde o aborto é legal, o procedimento é feito por aspiração/curetagem (método mais seguro) ou pelo uso de substâncias abortivas.

Confesso que não conhecia o Mifiprex (mifipristona). Pesquisando sobre o assunto, descobri que é aprovado pelo FDA e é utilizado em conjunto com o Misoprostol (Cytotec). Este último é encontrado no Brasil, mas somente no mercado negro.

Afinal, vivemos num país onde o aborto, salvo em casos de gravidez advinda de estupro e risco de vida para a mãe, é crime. E assim o é em praticamente toda a América Latina, com direito a locais onde o aborto é proibido em qualquer hipótese, caso de Chile e El Salvador.

Exceções são Cuba e Guiana, onde o aborto é legal. O aborto está próximo da legalização no Uruguai.

O maior perigo: hemorragia

O grande problema de abortos realizados sem assistência médica, com o uso do Cytotec, é a hemorragia, que pode ser substancial e trazer até risco á vida da paciente. Além disso, as contrações são muito dolorosas.

Nos EUA, são utilizados analgésicos concomitantemente. Por isso o aborto feito com Cytotec é perigoso e inseguro. Não preciso nem falar que é ilegal também. Se a pessoa for pega, responderá por isso.

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Curiosamente, após a “chegada” do Cytotec ao Brasil, um estudo mostrou que o número de complicações pós-aborto diminuiu. Isto porque ou o procedimento era realizado por pessoas despreparadas, com a introdução de objetos no útero, ou em clínicas sem a menor estrutura/condições de higiene, como ainda existem até hoje.

E em caso de complicações no aborto, os médicos vão me ajudar?

Quanto ao tratamento visando salvar a vida da paciente que teve complicação do aborto, não tenha dúvida que tudo será feito em prol desta.  O posicionamento do médico, quanto à situação, tem regulamentação clara no Código de Ética Médica.

O artigo 38 do CEM veda ao médico acumplicitar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais e instituições médicas que praticam atos ilícitos. Portanto, o médico não pode prescrever medicações para fins abortivos e tampouco indicar endereço de clínica de aborto. O artigo 19 obriga o médico a denunciar colegas ou clínicas que façam tais práticas.

Sobre o sigilo da paciente que recorre ao hospital por complicação do aborto provocado, o capítulo IX do Código de Ética Médica, referente ao segredo médico, veda ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente” (artigo 102).

pensando
Não vamos dar a resposta. Vamos apresentar fatos e abrir o debate.

A violação do segredo profissional, segundo a seção IV do Código Penal (artigo 154), prevê detenção de três meses a um ano, ou multa, para a revelação do segredo sem justa causa.

Não cabe, portanto, ao médico denunciar o “crime” cometido pela mulher, como crêem alguns, mas assisti-la e orientá-la convenientemente para que se previna a repetição do fato.

Por fim, duas observações:

1 – Sobre o último parágrafo, a maioria dos médicos não conhece tais nuances do CEM. Eu mesmo não sabia disso, até escrever esse artigo.

Já soube de um caso que uma colega denunciou uma paciente que apresentou complicações e esta foi presa após ter alta. Eu achava a decisão era individual, de acordo com a consciência do médico.

2 – Sendo extremamente prático e sincero: a mulher que tenta o aborto tomando Cytotec, se chegar no médico com a vagina limpa (isso porque algumas colocam o comprimido na vagina) e não falar nada, passará tranquilamente por um aborto espontâneo. Não há como provar.

Dr Health, imaginando que a colega que denunciou a paciente (penúltimo parágrafo) deve ter sido triturada pelo advogado de defesa

Mauricio Garcia

Flamenguista ortodoxo, toca bateria e ama cerveja e mulher (nessa ordem). Nas horas vagas, é médico e o nosso grande Dr. Health.