Não há dúvidas de que a política seja o epicentro da crise vivida no país. Ninguém confia no presidente, nem nos deputados e muito menos nos partidos. Não se trata apenas de um diagnóstico institucional ou conjuntural, a crise é também uma tragédia para o sentimento em relação à própria democracia.

Em um ambiente infestado por escândalos e negociatas, era de se esperar que a população fosse perder o interesse mesmo, que fosse jogar a toalha e que cada um se voltasse à sua vida privada. Estranhamente, não é isso que está acontecendo.

Essa insatisfação é também inquietação, virou desejo de investigar o que há de errado e propor alternativas e trabalhar por elas. Muito mais do que a revolta online, a crise foi abrindo espaço para uma atuação política diferente.

O desgaste da política como a conhecemos – aquela dos jornais – tem servido para provocar centenas de iniciativas por todo o país: gente se organizando em torno de ideias que vão desde propostas de reforma política ou tributária até a criação de jogos de educação política.

Paul Valéry, filósofo francês do fim do séc. XIX, dizia que “a política baseia-se na indiferença da maioria dos interessados, sem a qual não há política possível”. Mas tudo indica que esta maré esteja virando: os interessados estão chegando, e a política não terá para onde correr. Algum arranjo se fará.

A questão para mim é que essa virada da maré está mais silenciosa do que deveria. A maior parte da população ainda se apega demasiadamente à política dos jornais, onde há cada vez menos espaço para a política das ideias e cada vez mais à política de bastidores. Em busca de cliques e vendas, a imprensa tradicional se viciou em cobrir a política pelo seu lado novelístico, “fulano acusou ciclano que se envolveu com beltrano”; e enquanto isso, o debate acerca de políticas públicas, reformas e causas vai ficando para escanteio.

Precisávamos criar um espaço para que essas iniciativas políticas se encontrassem. Foi aí que nasceu a Virada Política.

Estamos nos reunindo pra propor soluções

Foi num almoço despretensioso lá pelos idos de 2012, quando eu e alguns amigos falávamos da sujeira deixada pelos santinhos eleitorais por toda cidade, que tivemos a ideia de criar o Urna Limpa, o embrião da Virada. A ideia era simples: convocar as pessoas a coletarem o lixo em frente aos colégios no dia das eleições.  

Nossa iniciativa era besta, não resolveria nada: primeiro porque a sujeira seria recolhida pela Prefeitura no dia seguinte e, segundo, porque qual o impacto que 20 pessoas engajadas teriam sobre o todo?

Mas aquilo nos parecia simbólico, já que supostamente alguém a caminho da urna eleitoral pudesse pegar um papel no chão com um nome, um número e um slogan barato e escolhesse seu representante nessas bases. Era um significante da pobreza das campanhas, da fragilidade do voto, do descaso com o meio ambiente.

Nossa iniciativa não resolveria o problema, mas seria uma forma de protesto mais criativo, um modo de chamar atenção que iria além da reclamação pura e simples. E foi o que conseguimos, chamamos atenção para cacete!

No dia das eleições um grupo de 20 malucos vestidos de verde apareceu em frente aos colégios eleitorais dos candidatos a prefeito de SP varrendo e recolhendo os malditos santinhos e surpreendeu a imprensa que estava lá à espera dos políticos. Era uma pauta diferente: um bando de loucos protestando sem protestar, e resolvendo o problema com as próprias mãos. Aparecemos em diversos canais de TV e rádio e estimulamos um debate bastante relevante acerca das campanhas eleitorais.

Passados dois anos do Urna Limpa, com a proximidade das eleições de 2014, pensamos em nos reunir para uma nova edição. Mas queríamos fazer mais desta vez. Naqueles últimos dois anos, tínhamos também observado outras iniciativas políticas que ficavam eclipsadas pelo debate partidário.

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No meio daquele pega para capar eleitoral, das juras de ódio entre simpatizantes deste ou daquele partido, havia muitas alternativas ignoradas. E queríamos criar um espaço para elas, um lugar em que toda essa gente fazendo política pelas frestas pudesse se encontrar, se conectar e, principalmente, se apresentar àqueles que estão fora da bolha.

A Virada Política nasceu assim. Seria um evento político nem de situação, nem de oposição. Queríamos criar uma mostra que abrisse espaço para as ideias da esquerda e da direita e todas as outras não confortáveis com essas nomenclaturas.  O objetivo seria trazer à luz tudo aquilo que se constrói do lado de fora das instituições, independentemente de suas posições ideológicas.

Aproveitamos o momento de debate político às vésperas da eleição e fizemos em 2014 a primeira edição da Virada Política em pleno Largo da Batata, em São Paulo. Foram mais de 30 coletivos, grupos e organizações propondo oficinas, apresentando soluções e debatendo causas essenciais ao país.

Debate bonito de se ver

De um jeito ou de outro, todas as iniciativas participantes tinham em comum essa espécie de marginalidade propositada, um desejo de alargar o sentido da política por caminhos inexplorados. Não se tratava especificamente de arrebentar as vidraças da política tradicional – o que tivemos na Virada foram diferentes propostas para uma nova arquitetura política.

Queríamos que você visse com seus próprios olhos que existem iniciativas políticas deslocadas da disputa partidário-ideológica tradicional. Que mesmo nessa infestação de cinismo e descrença política, tem muita gente topando o desafio de pesquisar, entender os problemas, priorizá-los, criar alternativas e se mobilizar para resolvê-los.

Isso não significa que as pessoas ali não tenham as suas posições, mas sim que o centro de suas atuações políticas não seja a defesa da posição per se: que a sua atuação seja em função de uma proposta, de um programa, de uma agenda ou de um novo modelo de política; que traga um novo fôlego ou novo sentido a essa política desgastada que nos acostumamos a assistir.

Dá uma olhada nas iniciativas que marcaram presença na Virada de 2015:

Ajude a financiar e fazer acontecer a Virada Política 2016

Em sua 3ª edição, a Virada está sendo desenvolvida em encontros quinzenais, públicos e abertos a quem quiser participar. Toda a organização acontece de maneira horizontal, sem nenhum vínculo partidário, ideológico ou religioso. Se estiver a fim de arregaçar as mangas e entrar para o mão-na-massa, dá a letra ali nos comentários e a gente se fala.

O evento será realizado em espaço aberto, com entrada franca. Participar é grátis. Expor é grátis. Palestrar é grátis. Não há fins lucrativos. Mas, como nem tudo é perfeito, o evento tem custos. O legal disso é que você pode nos ajudar a arcar com eles 😉

O crowdfunding está no ar e o financiamento coletivo é para viabilizar a infraestrutura básica do evento. Mas é também um convite para que você embarque com a gente nessa jornada. Sua colaboração é um sinal que nos diz que temos mais um louco sonhando com a gente. Vamos juntos. Ajude com o que puder e venha virar a política com a gente, no dia 17 de setembro.

Já foram arrecadados R$9.310 da meta de R$15.000 e restam 4 dias. Contribua aqui!

 

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Ricardo Borges Martins

Cientista Político e ativista apostando em construções coletivas em lugares como o <a>Pacto pela Democracia</a>