A liberdade do tubarão é a morte das sardinhas.

Muita gente se pergunta qual é afinal o problema com o futebol brasileiro. Por que tomamos de 7 a 1? Por que nossos clubes não têm relevância internacional? Por que mesmo com a nossa paixão pelo futebol, estamos na 18ª posição no ranking de público nos estádios no mundo, atrás de EUA e Austrália?

A resposta a tudo isso começa pela liberdade negativa da CBF.

O sentido de liberdade a que me refiro – chamada muitas vezes de liberdade negativa – está envolvido com a seguinte pergunta:

‘Qual deve ser minha área de atuação na qual não devo sofrer a interferência de nenhum outro homem ou autoridade pública?’

Esse sentido de liberdade é conhecido politicamente como negativo, porque o grau de liberdade é dado pela ausência de obstrução.

Assim, eu sou livre para fazer o que quiser na medida em que ninguém me impeça, da mesma maneira que a CBF é livre para fazer o que bem quiser na medida em que ninguém a impeça.

Marin e Del Nero, os intocáveis mandatários da CBF
Marin e Del Nero, os intocáveis mandatários da CBF

Essa liberdade de que goza a Confederação Brasileira de Futebol está assegurada pela própria Consituição Federal.

“Art. 5º inciso XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; e XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;”

Após anos de ditadura, os constituintes fizeram questão de criar uma garantia constitucional que livrasse o esporte de intervenções do Estado. Como se sabe, muitos governos – dado o grande apelo do esporte às massas – se valem de conquistas esportivas como triunfos da soberania nacional.

Vale lembrar que essas entidades de administração do desporto não são entidades quaisquer; elas gozam de uma série de direitos e privilégios exclusivos – entre os quais o de representar o país internacionalmente, usando de nossa bandeira e hino.

Nesse sentido, conferir à iniciativa privada a organização e o funcionamento do esporte era entendido como uma medida essencialmente democrática.

No entanto, a garantia dessa autonomia desregulada acabou criando instituições essencialmente autocráticas, em que nem mesmo os atletas – razão maior do esporte – conseguem incidir. Aqueles que detinham o poder construíram ao seu redor muros inescaláveis.

No caso específico do futebol, essa autonomia, a que chamo de liberdade negativa, é o que permite à entidade de administração (CBF) acumular um lucro de R$ 340 milhões nos últimos 5 anos enquanto as 24 maiores entidades de prática (os clubes) – os verdadeiros fomentadores do futebol no país – estão quebrados, com um déficit acumulado de R$ 1,4 bilhão nesse mesmo período.

Qual é a mágica aqui? Por que a CBF consegue resultados tão positivos enquanto os clubes estão à beira do colapso? Basicamente é o cenário de competição que a própria CBF permite que ocorra entre eles.

Na economia da bola, os adversários devem se ajudar

Os clubes, enquanto agentes econômicos em uma competição esportiva, devem preservar uns aos outros. Isto é, diferentemente de outros setores do mercado, no esporte a concorrência não visa ao extermínio dos adversários. Por exemplo, o Atlético-MG não tem a intenção de englobar o Cruzeiro, ele não visa ao monopólio.

Leia também  O Brasil não quer combater a criminalidade infantojuvenil

O esporte presume essa co-existência contínua, de maneira que a competição possa sempre existir.

Veja mais falas dos próprios jogadores em www.bomsensofc.org

Os clubes envolvidos em uma competição, portanto, não devem pensar apenas no que é bom para si, mas no que é bom para o todo. Nesse sentido, o organizador da competição deve preservar esse equilíbrio de forças entre os clubes e um ambiente saudável de disputa.

A situação deficitária dos clubes é resultado de um esporte sem regulamentação, em que os clubes competem para além de suas forças, contando com o que não têm, disputando de maneira quase selvagem e sem visão de longo prazo. Isso se vê claramente nos salários irreais desse setor.

Como nenhum clube e nenhum dirigente é punido pelo não pagamento de salários ou mesmo de impostos, e não existe consequência nenhuma a essas inconsequências de gestão, o futebol brasileiro segue acumulando dúvidas e deixando escorrer pelo ralo o enorme potencial que tem como indústria.

A essa altura alguém pode se perguntar: mas é só o futebol, é só o entretenimento, que relevância tem isso para o país?

Bom, ainda que mal administrado, o futebol no Brasil gera mais de 370 mil empregos diretos e indiretos movimentando (em dados de 2009) mais de R$ 11 bilhões ao ano. Um estudo da FGV (no mesmo 2009), indica que uma simples adequação do calendário de competições poderia, àquela época, aumentar essa movimentação para R$ 62 bilhões.

A liberdade de funcionamento e organização que a CBF tem é prejudicial não apenas para o futebol, mas para o país de forma geral.

Isso não significa que o governo precise acabar com a CBF e criar a Futebrás para administrar o futebol. O que é preciso é fomentar um outro sentido de liberdade para as entidades de administração do esporte, uma liberdade positiva. Uma liberdade que responda à seguinte pergunta:

“Quais são as condições básicas que a CBF precisa ter para que ela seja o que tem que ser e faça o que tem que fazer?”

Essas condições básicas precisam ser garantidas pelo Estado, precisam ser transcritas em forma de lei. A democratização da CBF está entre os critérios mais básicos para uma mudança efetiva nos rumos do futebol no país.

Isso significa a abertura da entidade à participação de atletas, treinadores, árbitros e também da própria sociedade civil. As entidades de administração do esporte em todas as suas modalidades, embora sejam de direito privado, têm interesse público. Precisamos reconstruir essas entidades para que elas sejam o que deveriam ser.

É para isso que existe o Bom Senso Futebol Clube.

Assine a petição para que a CBF democratize seu estatuto

Já temos mais de 76.000 assinaturas e precisamos chegar em 150.000.

Você pode fazer isso agora, seguindo por aqui, e se tornar parte do movimento por um futebol melhor para todos.

Ricardo Borges Martins

Cientista Político e ativista apostando em construções coletivas em lugares como o <a>Pacto pela Democracia</a>