Das coxas ao umbigo se faz o caminho da minissaia

Mini-saia. Foi assim que aprendi no colégio na cartilha de português. Com hífen. Mas hoje eles insistem. É minissaia.

Pouco me importa a grafia. Embora eu me lembre da professora riscando com giz branco na lousa verde, sua saia subindo dois centímetros matadores quando esticava o braço para alcançar mais acima; aqueles dois centímetros que a gente curvava na cadeira, fingindo pegar uma borracha imaginária, para ver se viravam quatro.

Dane-se a grafia! Mas que era mais gostoso dizer mini-saia, separado, saboreando duas palavras que se referiam na verdade não a um objeto, mas a uma ausência, à falta de um pedaço, ah... isso era...

Pernas longas e grossas vinham embaixo daquela mi-ni-sa-ia. Fui raspando os lábios pela coxa direita, enquanto subia a mão pela coxa esquerda. Essas coisas não estavam na cartilha. O gosto, no entanto, era o mesmo de travessura. Encostei a ponta da língua no tecido de renda quente e úmido por cima da dobra que unia aquelas duas coxas redondas. Ela gemeu.

Não vi seu rosto.

Estava com a cara enfiada debaixo da minissaia. Não vi quando a boca se abriu involuntariamente para soltar a voz um pouco esganiçada e trêmula. Puxei a renda com os dentes. Deixei a minissaia. Dessa vez, eu queria ver seu rosto. Beijei sua boca com meus dedos dançando entre o líquido e o macio de suas carnes. Submeti-a a todas as minhas vontades e ela não me parecia revidar.

Recusava-se ao toque terno; queria antes que eu a dominasse, que eu a maltratasse. Eu não entendia aquela mulher que gostava de sofrer nas minhas mãos. Uma madame Bovary. Não queria entender. Queria antes tratá-la como um bibelô. Mas ela queria que eu a colocasse de quatro, embaixo de mim.

Ela vinha de minissaia porque sabia que eu não conseguia manusear aquele corpo com decência quando ela se vestia assim. O jeito displicente de pisotear o colchão de molas como se fosse uma passarela ao som de uma música qualquer de balada, alta e insuportável.

Ela pairava acima, me olhava do topo. E eu só queria vê-la dobrada diante dos meus olhos. Me meter entre ela e seus desejos mais oblíquos, mais tortuosos; suas fantasias mais sujas. Eu queria me lambuzar naquela mulher. E ela ainda me aparecia de cinta liga e meias... onde é que fui me enfiar?

Nem adiantaria compreender... Não saberia sair do meio daquele furacão.

É certo que é a moça quem faz o quarto ter cheiro de moça. Com seu banho recém- tomado, enche o ar de cravo e de outros perfumes sedutores, flagrantes. Sim, flagrantes. Flagram-me desprevenida a esboçar um susto. Quase me acanho. Depois arrasto-me como sempre deveria ter feito, desde o momento em que o quarto antevia sua chegada. Me arrasto pela visão de seus pés passando pela soleira, acima as pernas, depois a saia, ali está ela.

Sou tão idiota. Seria uma ignorante se não soubesse dos encantos que aquela minissaia tem, dos efeitos que exerce sobre mim. Mas não me passo nem por isso. Sou uma idiota mesmo, alguém que sabe dos perigos e mesmo assim caminha em sua direção de rosto firme, alegre e com passos certeiros; nem pisco. Eu, a idiota, nem pisco! Vou acabar casando com ela... e o vestido de noiva vai ter dois palmos de saia, no máximo!

A minissaia dobra entre as pernas, depois se solta das coxas e numa lufada de ar do movimento, se joga para a frente. Enquanto ela caminha em minha direção, a saia se enrosca e se deixa, se aninha e se desalinha do corpo. Quando chega até mim já estou completamente hipnotizada.

Cega-me por um momento, passando a bainha pelas minhas pálpebras. Depois, senta-se de frente no meu colo, apoiando uma perna de cada lado, e me observa como se seus olhos fossem bolas de cristal e eu a adivinha. Ainda estou entorpecida do vapor de banho que entrou pela porta - o cheiro agora é mais doce e mais próximo do meu nariz; sinto nuanças novas de seu perfume.

Ela tem cílios tão longos... me flagro morando na sua boca. Queria que ela andasse desse jeito pela rua, sem nada na cara, sem aquele monte de coisa colorida que ela chama de maquiagem. Ela é tão mais sexy assim... só agora noto que eu não disse nada.

Nem ela.

Apenas me espreita com os cabelos molhados caídos sobre os ombros. Está esperando que eu me mova, que eu a jogue contra a cama ou beije a boca que ela deixa entreaberta, quase sorri, mas se controla. Os cílios estão cerrados pela metade. Ela malicia um punhado de coisas quando me olha assim, mas não faz nada. Espera, apenas.

Controlo meus impulsos para ver se ela cansa, se se rende, se sai da pose que adquire naturalmente quando coloca a saia mais curta. Uma pose de poder. Mas a minissaia tem qualquer força sobre ela que eu não sou capaz de entender.

Ela se mantém, até que eu ceda a seus impossíveis encantos e me deixe cair na fúria daquele pedaço de pano entre a cintura e a barra.


publicado em 02 de Fevereiro de 2013, 08:00
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Mariana Martins

Mariana Martins é escritora, fotógrafa amadora e arquiteta-urbanista. Rodou uma partezinha do mundo com uma mochila nas costas, se meteu em muita encrenca, mas saiu viva, felizmente. Cantarola o tempo todo e delira no Pensamentos Inevitáveis, no risco e no Música Pavê.


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