Acho fofo quem diz “meu cachorro é como um filho pra mim”, cuida como se fosse um, dá banho, passeia, compra mimos, deixa até de viajar para não deixar o cão sozinho, contrata adestrador e se esforça para ser o melhor dono possível.
Acho demais as pessoas que escolhem ter bicho e assumem a bronca de se dedicar e cuidar deles pra valer.
Mas não se iluda como eu me iludi, cuidar de cachorro não tem nada a ver com paternidade, maternidade e muito menos com educação e formação de seres humanos.
Ser um bom dono de cão não significa que você vai ser um bom pai e vice-versa.
Tenho um Golden Retriever de 6 anos e uma filha que acabou de completar 1 ano e meio.
Antes da Clara nascer me preocupava demais em ser o melhor dono que o Clint poderia ter, não só no sentido de cuidar bem dele, mas de entender o que realmente importava para um cão ser feliz e saudável.
Li livros e artigos sobre comportamento canino, fiz aulas de adestramento, conversei com especialistas, me dedicava a passear com ele no mínimo quatro vezes ao dia, brincadeiras, visitas regulares ao veterinário e bastante amor.
Me considerava um bom dono e sempre mantive uma relação de muita proximidade e respeito com ele. Algumas pessoas na rua chegaram a me pedir cartão perguntando se eu era adestrador ou se eu podia ensinar o cachorro delas a ser igual ao Clint.
Quando a Nathalia ficou grávida da Clara, eu tinha certeza que tiraria de letra a paternidade, afinal, todo conhecimento que adquiri ao longo dos anos com o Clint certamente me serviria para ser o melhor pai do mundo.
Só que não.
Descobri que as competências que servem para ser um bom dono de cão não servem em (quase) nada para ser um bom pai.
Um simples “não” com autoridade e firmeza é o suficiente para o Clint entender o que pode e o que não pode. Não é preciso explicar o motivo, falar com jeitinho ou pensar em técnicas para convencê-lo a fazer o que eu mando.
Brincar de morder e rolar no chão comigo vai ser sempre a brincadeira favorita do Clint.
A comida do Clint eu compro uma vez a cada 20 dias e guardo na área de serviço da minha casa.
O Clint dorme em qualquer canto da casa e não precisa de ajuda pra dormir.
Se eu quiser sair para jantar a noite com a minha esposa, é só deixar água e comida pro Clint.
Se eu precisar viajar por alguns dias, qualquer parente, amigo com boa vontade ou um hotelzinho pode ficar com o Clint.
Eu não necessariamente preciso planejar minhas férias em função de um local que aceite cachorro.
Eu faltei no trabalho por causa do Clint duas vezes: quando ele foi atropelado e quando ele foi castrado.
Eu nunca entrei numa briga séria com minha esposa por causa do Clint.
Se eu não estiver num bom dia e não quiser dar bola pro Clint, tudo bem.
O Clint não vai deixar de falar comigo nem me odiar se um dia eu pisar na bola com ele.
O Clint não vai sofrer se um dia eu me divorciar.
Se eu perder meu emprego, o Clint não será a primeira preocupação que virá a minha cabeça.
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A única pessoa que pode dizer com segurança que tá preparado pra ser pai e aguentar a bronca que vem é quem já é pai.
O resto é papo de caras ingênuos como eu.
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