Cu na travessa

Ainda há bondes em Bruxelas. A manhã é terrível em qualquer lugar, mesmo numa cidade de bonecas. Ninguém caminha nas ruas, e o barulho dos carros é quase bem-vindo contra o silêncio agudo impregnado nas calçadas e nas paredes dos prédios medievais. Preciso de algo forte. Onde enfiaram os botecos?

Caminho com minha mochila nas costas, já me pesando nos ombros. Não tomo banho há dois dias e sinto meus pés congelando com o frio seco. Mesmo assim, me sinto muito bem, finalmente só, sem possibilidade alguma de esbarrar com qualquer focinho conhecido.

Veja só, um velho fazendo cooper numa segunda-feira de manhã. Tinha o braço direito aleijado. Deve conhecer o bar mais próximo. “Claro! Eu lhe acompanho”.

Belo lugar. “Michelle Schillinger, e o seu?”. Fica surpreso de haver brancos no Brasil. “De Quincey, Thomas de Quincey”. “Puxa, que honra! Pensei que você tinha morrido no século XIX, e não conhecia sua ascendência italiana”. Espertinho.

Vamos ver o que vocês têm de bom. “Chimay, eu pago”. À vontade. Três copos. Três motivos pra gostar da Bélgica, e três para ir embora. Já que o velho tava pagando, o mínimo era pegar a birita. “Tome”, disse a ele. Sentado, ele levantou os olhos com uma expressão cansada. “Meu filho, eu não consigo nem segurar meu pinto com essa mão, por favor, deixe aí. Você está na cidade?”. Sentei do outro lado.

“Estou rodando essa porra toda pra ver onde meus avós foderam a vida deles, e a minha”. Michelle deu um longo trago, terminando aquela cerveja de malte absurdamente amargo, com quase 20% de álcool. “Bem, caso você amplie seu passeio, fique com meu endereço. Será um IMENSO prazer recebê-lo”. Ótimo. Agora tenho que aturar uma bicha velha que sonha com meu cu ensopado numa travessa.

Passei um longo período tentando proteger bostinhas que mais estimava na minha vida de situações como essa. Proteger dos desejos alheios. “Você está sozinho, seu otário!”, dizem as escadas, as paredes com a pintura descascando, as moscas de açougue, os ladrões de varal e a consciência quando os olhos se fecham à noite. Caí na armadilha da proteção. Pare um minuto para tomar fôlego e você pode encontrar sua tartaruga te comendo com um Dildobelt.


publicado em 25 de Novembro de 2011, 08:10
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Danilo Barba

Repórter do Portal AreaH. Há 25 anos na mesma pergunta: o que está acontecendo? Lembra-se diariamente da morte para sair da cama. No Twitter, @criancasqueijo


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