Minha regra de ouro da boa escrita: sempre eliminar o meu trecho favorito.
Comecei a escrever seriamente aos 12 anos, quando decidi que queria ser escritor. Ainda não mudei de ideia. Hoje em dia, me sustento escrevendo, então está dando certo.
Nos primeiros tempos, li trocentos guias e manuais, introjetei e aceitei trilhões de regras. Nos anos seguintes, tive que regurgitá-las todas: só atrapalhavam. Poucas dessas regrinhas sobreviveram à passagem do tempo e às duras trincheiras da vida profissional. Mas uma delas, a mais dolorosa, se mostra cada vez mais verdadeira:
Cortar seu trecho preferido, sempre.
A princípio, parece sem sentido e radical. Mas por quê, Alex? Por quê?
É simples: sua frase preferida é aquela onde você foi mais espertinho. Onde você se mostrou em toda a sua erudição. É a que destoa mais do resto do texto. É a mais ridícula.
Confie em mim: ela tem que sair. Qualquer frase pela qual você sinta orgulho, qualquer frase que é aquela que você mais quer que as pessoas reparem e sublinhem e vejam como você é fodão... essa é a frase que vai te envergonhar em dois anos. Corte-a agora. Sem piedade.
Na ficção, é ainda pior.
Imagine-se lendo um romance. O texto é composto de várias cenas, e cada uma delas tem a função de empurrar o enredo pra frente e ensinar algo sobre os personagens. Mas aí, subitamente, uma cena começa a se arrastar. Diálogos que não acabam mais, descrições longuíssimas, um debate de ideias interminável que parece não ter nada a ver com o enredo etc.
Pode apostar: você está lendo o trecho favorito do autor.
Nas outras cenas, pensando no livro como um todo, ele foi econômico e impiedoso: falou o que tinha a dizer e foi adiante. Mas, então, nessa cena, seja por amor ao cenário, por tesão pela personagem, por interesse na discussão filosófica, ele foi se deixando levar. E foi indo e indo e indo. E a cena toda foi muito além do que seria necessário. E, vai ver, depois de acabar o livro, a cena inteira se mostrou até mesmo inútil e irrelevante. Vai ver até um ou mais pobres editores tentaram cortar a cena. Mas em vão: o autor bateu o pé. Negociou tudo, aceitou tudo, mas o debate à beira do lago não! Esse tem que ficar.
Em outras palavras: a cena, frase, parágrafo, capitulo, trecho que você mais gosta é necessariamente aquele onde essa sua preferência superou seu senso crítico. A probabilidade de o seu trecho favorito estar longo, capenga, irrelevante, amador é diretamente proporcional a quanto você gosta dele.
Então, para poupar tempo e dor, eu já me impus essa regra, duríssima e draconiana, quase como Abraão subindo o morro com Isaac, o pai sacrificando o primogênito: caço o meu trecho preferido, aquele que mais me faz sorrir, aquele que me enche de orgulhinho bobo... e elimino sumariamente.
(Havia aqui um último parágrafo, amarrando o texto e fazendo um trocadilho genial, mas cortei.)
Todas as ilustrações desse texto são do genial artista espanhol Francisco Goya (1746-1828).
publicado em 28 de Julho de 2013, 19:03