Contando histórias que precisam ser contadas

O Nossa História Invisível me fez perceber que se eu pudesse conceder algum poder pra alguém seria o da visibilidade.

Sempre piro muito no quanto cada um é único (por mais redundante que isso possa soar) e carrega um mar de experiências dentro de si. As pessoas com quem a gente cruza, o tempero que colocamos na comida, nossas raízes. Não importa o quanto a vida pareça estar clichê, até o ritmo da respiração muda de pessoa pra pessoa.

Mas nessa infinidade de trocas, o que mais acaba acontecendo são situações em que a gente se sente apagado e pequeno, principalmente quando fazemos parte de determinados grupos marginalizados. A sensação de estar sozinho ou de ser um grão insignificante de poeira consegue desmotivar e tirar toda coragem que se tenha para enfrentar os problemas.   

Foi com essa pegada que eu e mais três amigas, Camila Izidio, Karoline Maia e Agnis Freitas, começamos o projeto Nossa História Invisível. A ideia é produzir uma websérie para contar histórias de mulheres negras que sofrem alguma opressão além do racismo.

A websérie

Começamos as gravações em junho, e até fevereiro de 2017 serão 10 episódios, com uma média de 7 minutos cada. Sempre fazemos as filmagens na casa da personagem, até por acreditarmos que os lugares em que essas mulheres (periféricas) moram também contam muito sobre as opressões. Até agora gravamos com metade delas: transexual, mãe de santo, lésbica, doméstica, e imigrante angolana. As próximas cinco são uma ex-presidiária, uma deficiente física, uma prostituta, mulher em situação de rua e uma criança. 

Os três primeiros episódios completos foram lançados no encontro da mulher negra, em Vargem Grande, extremo sul de São Paulo. Depois exibimos no cine matilha e no cine olido, mas ao longo dos meses vamos lançá-los também no YouTube. 

Inclusive o primeiro episódio completo saiu semana passada:

Rosa Luz

Artista, negra e mulher trans. O depoimento dela vale mais que qualquer descrição que eu coloque aqui.

A cada gravação nós soltamos um pequeno vídeo para dar um gostinho do que vai rolar no episódio completo, e isso pode ser acompanhado na nossa página do facebook. Além da Rosa Luz e da Thaís, também já estão disponíveis os teasers da Maria Ordália (Mãe de santo) e da Sizineide (Empregada doméstica).

Thaís Oliversi - Teaser

Mulher preta, periférica, gorda e lésbica.

Elitização do audiovisual 

Toda a produção, gravação, edição e distribuição é feita apenas por nós quatro, o que garante uma experiência dupla. Para além de aprender com as personagens, o conhecimento técnico de confecção do material é acumulado com vários pedacinhos das nossas habilidades, porque pertencemos a áreas diferentes de formação. 

Esse é um ponto importante, porque os perrengues estão sempre por perto para nos lembrar o quanto falta estrutura acessível, principalmente pra quem é periférico e quer fazer cinema (nosso caso). Tripé, câmeras, lentes, iluminação, lapela, boom, notebook, cartão, bateria, pilha. Construir um bom vídeo, com uma qualidade minimamente ok, não é barato. Os equipamentos tem um preço super alto, e isso combina com outra questão: a formação. Audiovisual não é um daqueles cursos que se encontra em todas as faculdades, além de serem caros e possuírem difícil acesso, no caso das públicas. 

Nós por nós

Pra além de todos esses pontos problemáticos (dentre tantos), o que fica é a nossa vontade de fazer algo que seja útil para quem mais precisa de representatividade e visibilidade. Somos quatro mulheres pretas e periféricas contando histórias que precisam ser contadas, e isso por si só já nos enche de orgulho.  

Agnis Freitas, Karol Maia, eu e Camila Izidio.

O maior objetivo é colocar essas personagens como protagonistas e fazer com que outras mulheres se enxerguem nesses rostos e se sintam inspiradas a continuar travando as lutas diárias com coragem.

Lembra do lance de se sentir um grão de poeira que eu comentei no início do texto? Ninguém merece se sentir assim. E ninguém é. 

No fim das contas, as histórias invisíveis delas são nossas também.

 

***

O Nossa História Invisível é apoiado pelo VAI - Programa para Valorização de Iniciativas Culturais, criado pela prefeitura de São Paulo para subsidiar atividades promovidas por jovens, sobretudo os de baixa renda. Veja aqui a lista de outros projetos contemplados em 2016.


publicado em 06 de Outubro de 2016, 19:40
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Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série Nossa História Invisível , é uma das idealizadoras do Papo de Mulher, coleciona memes no Facebook e horas perdidas no Instagram. Faz parte da equipe de conteúdo do Papo de Homem, odeia azeitona e adora lugares com sinuca (mesmo sem saber jogar).


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