Quais conselhos você daria a um jovem homem?

A plataforma The Advisor pediu para experientes homens escreverem cartas aos novatos

É uma fatalidade da vida que o papel seja um material tão frágil. Ainda que salva sob uma gaveta ou caixa, longe de poeira e umidade, uma folha de papel é inevitavelmente judiada pelo tempo. Suas bordas começam a amarelar, o mofo pode até tomar conta, e a tinta se esvai ou borra.

Por esses e outros motivos mil, hoje a nossa palavra é gravada na nuvem. O que pode haver de mais artístico aos olhos de quem lê um texto é mesmo a apuração estética da fonte escolhida – e ai daqueles que optam pelo Comic Sans.

Letra cursiva virou um recurso de nota. Só escrevemos à mão quando o fazemos para nós mesmos, na lista do mercado ou no recado da ligação pendente. Por isso, sua escassez fez a valia e, vez em quando, em situações especiais, recuperamos o movimento dos punhos pra dizer algo.

A prática está sendo recuperada na plataforma que estreia online na sexta-feira, The Advisor. O espaço será destinado a homens – os publicamente relevantes e mais experientes escrevem cartas para homens mais jovens de todo o mundo, na esperança de que seja possível oferecer alguma coisa a partir do que viveram.

A plataforma vai ter cartas do artista Bruce LaBruce, do designer de roupas unissex Rad Hourani e também do cineasta Richard Kern. Foi fundada pelo escritor Alex Kazemi, que em entrevista à Dazed Digital falou bonito: “Atualmente, homens em geral, especialmente homens jovens, são informados de que gozam de muitos privilégios. Mas isso não muda o fato de que muitos deles estão em pobreza espiritual. Ter poder nem sempre traz conforto ou felicidade. Acho importante inspirar homens em geral, especialmente no que tange à criatividade. Jovens rapazes fazem um grande desserviço ao mundo quando não seguem seus impulsos criativos. Homens não deveriam temer a vulnerabilidade e a expressão, deveriam é ir atrás disso!”

Algumas cartas já foram liberadas e trago pra cá as de Bruce LaBruce e Rad Hourani.

Bruce LaBruce

“Conselhos aos homens:

  1. Nunca confie em ninguém com mais de trinta anos.

  2. Nunca confie em ninguém com menos de trinta anos.

  3. Não escute a conselhos não solicitados

  4. A moralidade é burguesa

  5. O senso de continuidade é burguês

  6. A grama do vizinho nunca é mais verde

  7. Considere a possibilidade de Inveja da Vagina *ref.

  8. Questione autoridades

  9. As melhores coisas da vida são livres de fundamentações **

  10. Prostituição é a forma mais aguda da luta de classes

  11. Considere a opinião da minoria

  12. Se você não tem nada de bom a dizer, não diga nada de bom

  13. Um dia sem motivação energética é um dia sem o brilho do sol***

  14. Explore seu potencial bissexual

  15. Não fique sonhando em ser algo, só seja

  16. Nacionalismo é o Hobgoblin das mentes pequenas

  17. Tente contradizer-se pelo menos uma vez ao dia

  18. A decisão certa a tomar é sempre aquela que te faz pensar “que porra é essa?”

  19. Somos todos batalhadores

  20. Não vai dar pra levar sua grana quando você bater as botas

  21. Monogamia é monotonia

  22. Case-se com alguém que sabe cozinhar

  23. Take Fountain! Em referência à fala de Bette Davis”

**  O termo usado em inglês é ‘free based’, que foi traduzido para ‘sem fundamento’, mas também pode significar um processo de purificação da cocaína. Pode ser que o autor estivesse se referindo aos prazeres da droga.

*** O termo usado em inglês é ‘hustle’, que foi traduzido para ‘motivação energética’, mas ‘hustle’ também pode significar ganhar dinheiro de forma ilícita, prostituir-se ou solicitar um serviço de prostituição.

Rad Hourani

“Querido humano,

Ao longo da história, os mandamentos tiveram papel crucial no desenvolvimento e força das religiões. Rejeito todas as formas de religiosidade organizada. Ao invés disso, sugiro dezesseis novos mandamentos diametralmente opostos a todas as formas de autoridade. O número de mandamentos é uma referência direta ao número de religiões majoritárias no mundo.

Viva sem: deus, ignorância, medo, ego, noção de tempo, fome, ganância, mentira, cláusulas, ódio, escravidão, consumo, divisões, violência, comparações, final.”

Da abstração à prática, as cartas trazem a boa intenção de troca. Puxa um comentário e me diz qual seria a sua carta.


publicado em 30 de Março de 2016, 15:51
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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