Conheça uma pessoa

Desmondo Ray tem 33 anos e 3/4, é solitário e tem amor para oferecer.

É tanta coisa junta que nem sei bem por onde começar. Mesmo assim, vou tentar organizar as ideias.

Desmondo Ray tem 33 anos e 3/4, é solitário e tem amor para oferecer.

Ele não é muito de problemas: mora com o pai, está um pouco acima do peso, tem uma postura arqueada e possui uma voz e fala infantis, é parcialmente careca e parece ser muito desajustado socialmente.

Mas ele tem seu carisma. Seus gostos incluem fazer xixi na chuva, ver edifícios queimando, fazer desenhos ofensivos, colecionar lembranças, atirar em objetos com o dedo (imaginando-os explodindo), ouvir música triste e ter pensamentos felizes, ver fotografias antigas da família.

Ele possui uma tremenda aversão a mágicos, porque eles mentem. Desmondo trabalha em um campo de golfe local coletando as bolinhas que caem na água. Pare ele, é uma profissão bem boa porque lá, embaixo da água, tudo é fascinante e fácil de entender.

Vejam esse vídeo de menos três minutos e conheçam o Desmondo Ray:

Link Vimeo

Alguns leitores aqui podem pensar que se trata de um cara maluco, um pobre coitado que não faz ideia de como conviver em sociedade, um lunático em potencial que coleciona relíquias nazistas, um peso morto para o mundo, um atraso evidente para a humanidade.

Mas eu digo que há muito tempo eu não conhecia alguém tão verdadeiro e encantador quanto o Desmondo. E olha que estamos falando de um desenho escolhido pela equipe do Vimeo como dos vídeos favoritos da semana. Estamos falando de um grandalhão que não faz a menor cerimônia com os decoros coletivos, que se expõe como quase ninguém tem bolas para se expor, que pede por afeição, que se agarra até os últimos (e pouquíssimos) fios de cabelo para ter um mínimo de atenção, de compartilhar suas viagens mentais.

Por deus, como ele perde batalhas. É um homem de 33 anos e 3/4 que ainda vive com seu pai, que trabalha em um empregozinho que exige pouco ou quase nada, que não pega mulher, não possui amigos que o aturem, vive a vida com migalhas da imaginação, buscando saber mais sobre pessoas estáticas e imortalizadas por engano ou inércia em fotos antigas.

Desmondo é um cara que não faz mal pra ninguém (ok, o lance nazista é uma hipérbole mal formulada e temos discernimento suficiente para deixar de lado a discussão), que se preocupa com seu pai com toda uma ternura pueril. Ele não passa por cima de  ninguém e não fica remoendo suas frustrações. Ele apenas se percebe solitário e vai em busca de amizade, de um amor, tudo isso em uma gravação em fita que ele mandaria (ou mandou) para aquelas empresas americanas que arrumam encontros.

Solidão, fracasso, incapacidade, a eterna busca por algo melhor. Conhece alguém com essas características?

Somos todos Desmondo Ray. Apenas sabemos -- sábia ou estupidamente -- disfarçar, maquiar essas nossas facetas. Estamos todos em busca de atenção, aprovação, um tanto de afeto para preencher o nosso vazio humano. Tal qual cachorrinhos, queremos ser amados, ter o fucinho acariciado, queremos que todos vejam como conseguimos buscar o graveto tão longe alguém possa arremessar, tão rápido podemos trazer de volta.

Somos todos Desmondo Ray. Temos, cada um com suas características específicas, momentos e atos e pensamentos que são asquerosos para outras pessoas, derrotados em nossas atitudes muitas vezes patéticas. Contamos uma piada que ninguém ri, perdemos o ônibus porque não conseguimos correr o bastante, ficamos parados no trânsito mesmo com o carrão mais agressivo e potente. Há sempre alguém maior e melhor que nós.

Somos todos Desmondo Ray e somos atacados por algo que dissemos, um recorte minúsculo do que somos. Somos difamados pelo simples fato de termos barriga, de termos narizes tortos, de usarmos óculos estranho, de não fazermos parte dos belos, daqueles que possuem corpos e olhos e cabelos cultuados. Aos que estão nesse grupo, constantemente são atacados por -- obviamente (!?) serem burros, desprovidos de intelecto, entregues ao consumismo e às prisões da estética.

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Não adianta. Somos todos Desmondo Ray.

E a culpa é toda nossa. Da nossa pressa e do nosso julgamento precipitado.

Somos todos Desmond0 Ray e queremos eliminar todos os Desmondo Rays que aparecerem em nossas vidas, afinal, odiamos ver nossas falhas no espelho.

Conheçam a si mesmos e assumam a si mesmos. Conheçam o Desmondo Ray.


publicado em 27 de Agosto de 2013, 21:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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