Foi divulgado pelo site de notícias R7, da Rede Record, que o apresentador do jornal da Globo William Waack seria um agente infiltrado da CIA. A informação teria sido apontada pelo site Wikileaks – aquele que só vaza documento oficial mais chato e desimportante do que nota de batizado. Como conheço um povo que trabalha pra CIA como agente duplo, resolvi colocá-los para investigar o caso. A espiã escolhida foi a Núbia Tavares, agente financiada pelo FBI, pelo Pentágono, pela Fox News, pelos sionistas e pelos Arquivos X; treinada em 5 técnicas de combate armado e desarmado; expert na milenar técnica de andar no teto sem fazer barulho.

Meu nome é Waack. William Waack

Preparem-se, pois seguem informações envolvendo espionagem, homens de preto que usam óculos escuros à noite e negociatas transcontinentais.

Documento #1: Operação Roque com Bispo

Lê-se no subtítulo da matéria:

Blog Brasil que Vai cita documentos sigilosos divulgado pelo site de Julian Assange.

Traduzindo: a fonte da notícia é um blog. Para piorar, um daquela espécie que mais se reproduz se bem alimentada com dinheiro público: o Blogis progressistae.

Se não há nada de estranho em uma notícia contra um dos principais jornalistas da Globo partir do portal de notícias da Record, por que diabos o dito portal cita um blog como fonte? Por que diz que um blog disse que o site do Wikileaks disse (e o site está fora do ar, pedindo dinheiro para continuar suas operações), em vez de verificar diretamente o que o Wikileaks afirma?

Diz o texto do R7, citando o obscuro blog Brasil que Vai como fonte:

De acordo com o texto [do blog], Waack foi indicado por membros do governo dos EUA para ‘sustentar posições na mídia brasileira afinadas com as grandes linhas da política externa americana’.
– Por essa razão é que se sentiu à vontade de (sic) protagonizar insólitos episódios na programação que conduz, nos quais não faltaram sequer palavrões dirigidos a autoridades do governo brasileiro.

Há uma referência aqui a este vídeo:

Link YouTube | Corram para 1’02”

No vídeo, percebemos que houve uma nítida falha no estúdio, em que William Waack solta um “manda calar a boca” enquanto uma imagem de Dilma, titubeante, tenta se justificar perante mais uma das quebras de sigilo fiscal que nortearam sua campanha eleitoral. Não há prova alguma de que o “manda calar a boca” tenha sido direcionado à Dilma, que, aliás, mal começara a aparecer no vídeo. (Se fosse algo a respeito do vídeo, e no tom de resposta que tem sua voz, soaria mais como uma resposta tardia a José Serra, que aparecera pouco antes.)

Quem acredita nessa farofagem – blogueiros do porte de Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif, que divulgaram vídeos criticando William Waack até a alma, e o mandando, justamente, calar a boca – não parece conhecer uma rotina de telejornal, em que pautas são dadas enquanto as reportagens aparecem no ar. Os âncoras e apresentadores dificilmente prestam atenção no vídeo que chega aos telespectadores, e via de regra só ficam com o som, não com as imagens.

Diga-se, aliás, o que Dilma afirmava: “É uma… acusação sistemática que ele [José Serra] tem feito. E que somente prova o desespero. Essa é novamente requentada.” “Requentada” soa a querer culpar a imprensa pela notícia. Quem é que queria calar quem?

Há também um erro aí. Afirma o pastiche:

Não faltaram sequer palavrões dirigidos a autoridades do governo brasileiro.

Ainda que fosse o caso, Dilma não era uma “autoridade do governo brasileiro”. E não há nenhum palavrão na expressão “manda calar a boca”. Confundiu-se o beócio com outro vídeo em que William Waack chama a repórter Zelda Mello de “Zelda Merda”.

Dirigir um palavrão a “uma autoridade do governo brasileiro” é crime de injúria qualificada, tipificada no art. 140, § 3º, do Código Penal. Não é lá grandes bostas: dirigir um palavrão a qualquer funcionário público que não seja “autoridade do governo brasileiro” também é injúria qualificada, como xingar a progenitora, se ela tiver mais de 60 anos. Crime qualificado que qualquer torcedor do Corinthians vive cometendo. Por outro lado, atribuir um falso crime a alguém que não cometeu crime algum é, justamente, um crime, e com maior pena ainda: no caso, calúnia, tipificada no art. 138 do mesmo CP. Resultado: o R7 está peidando pra muzenga de um jeito que só a seleção de juniores da redação conseguiria fazer.

E o texto prossegue com mais clichês, sempre usando o blog como sua única referência:

O post informa que a política externa brasileira tem ‘novas orientações’ que ‘não mais se coadunam nem com os interesses americanos, que se preocupam com o cosmopolitismo nacional, nem com os do Estado de Israel, influente no ‘stablishment’ [o correto é ‘establishment’] norte- americano’. Por isso, o Departamento de Estado dos EUA ‘buscou fincar estacas nos meios de comunicação especializados em política internacional do Brasil’ – no que seria um caso de ‘infiltração da CIA [a agência norte-americana de inteligência] nas instituições do país’.

Seria curioso se perguntar no que diabos a política externa brasileira vai tão de encontro aos interesses americanos a ponto de eles se preocuparem com William Waack. O quanto o “cosmopolitismo nacional” (com o perdão do oxímoro) do sertão agrário e do Pantanal faz concorrência com Las Vegas. E no quanto o Estado de Israel dita os rumos da política americana. Só faltou um comentariozinho sobre o sionismo e a indústria armamentista.

Documento #2: Operação Expremer o Limão Até a Casca

Meu nome é Waack. William Waack

Mas o tal post do tal blog citado nem aparece linkado, ou sequer com seu nome. O blog consegue se esquivar de ser encontrável no Google. Nossa espiã Núbia Tavares, que põe Jason Bourne no bolso, o encontrou. O texto, analisado por nossos especialistas, apresenta construções como as que seguem:

“O Wikileaks (…) compôs até agora o novo cenário de insurgência da cidadania mundial contra a manipulação secular de governos e da grande mídia internacional.”
“Ao mesmo tempo em que espocaram rojões na Casa Branca tilintaram [falta vírgula] taças no gabinete dos irmãos Marinhos [sic], agastados com documentos sigilosos trazidos a público pelo site há pouco menos de 2 meses atrás [redundância]
“O jornalista, que conduz um dos mais direitistas telejornais da TV brasileira, o Jornal da Globo” (HUEAhuAEhuAEuhAE!)
“ex-embaixadores octogenários que possuem em comum o mais evidente ranço contra a política externa que vem sendo implementada com sucesso pelo Itamaraty faz quase 10 anos.” (Zelaya e Kadafi que o digam!)

E coroando o bolo cerejosamente:

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“Agora é preciso que o governo brasileiro aja e defenda os interesses do país contra ações de espionagem e de manipulação de programas jornalísticos que em razão de abordagens unilaterais procuram desmoralizar políticas legitimamente validadas pelo voto do eleitor brasileiro.”

Isso tudo em apenas 9 parágrafos, quase sem nenhum ponto final entre uma oração e outra. Dá pra entender ao menos por que o R7 ficou com vergonha de citar a fonte.

É aí que entra nossa contra-espionagem. É difícil, mas vamos ler o que o próprio Wikileaks tem a dizer sobre William Waack e suas perigosíssimas influências espiãs e conspiracionistas junto ao governo dos EUA – que estranhamente mudou de lado há uns três anos, mas a expressão “os EUA” causa calafrios sozinha. (As informações também são da nossa espiã.):

“Journalist William Waack described to CG Sao Paulo a recent business forum in which Serra, Rousseff, Neves and Gomes all participated. According to Waack, Gomes was the strongest overall, Neves the most charismatic, Serra detached but clearly competent, and Rousseff the least coherent.
Journalist William Waack stated at a lunch with the CG on September 4 that Serra and Neves had already sealed the deal, agreeing to run together with Serra at the top of the ticket. A second participant at the event, Fernando Henrique Cardoso (FHC) Institute Director Sergio Fausto expressed surprise at Waack’s assertion, but added that FHC would not permit the Serra-Neves rivalry to split the party.”

Tradução resumida: a atuação como “agente da CIA” de William Waack foi conversar com um embaixador em um jantar e fazer um comentário sobre cada um dos candidatos à presidência em 2010. Eu também converso com embaixadores (dois!) sobre assuntos bem mais complexos. Cadê meu broche da CIA?! É bom temer: logo logo o Brasil lança o filme – patrocinado pela Petrobras – 007 – O Espião Que Apresentava Notícias Sobre Reciclagem De Ceia De Natal.

Meu nome é Waack. William Waack

Para mais, digitem por “William Waack” no CableSearch e leiam os três documentos que citam William Waack e seu perigosíssimo… pronunciamento sobre o carisma de Aécio Neves.

KGB: Still Watching You?

Algumas coisas ficam no ar para manter o clima de mistério, espionagem e homens de preto, com poucos amigos e caras de mau. A primeira delas é: por que essa notícia é condenada à eternidade justamente enquanto o Wikileaks está fora do ar, pedindo dinheiro a seus leitores esquerdistas endinheirados?

Não há nada de estranho nisso? Nunca houve nada de estranho no Wikileaks “revelar segredos” de países democráticos, sendo 95% fofoca da revista Contigo, e nunca dar um pio sobre nenhuma ditadura? Aliás, se qualquer “mídia direitista” ameaçasse fechar as portas pedindo mais dinheiro, seria ridicularizada a ponto de nunca mais ver a luz do dia.

A outra pergunta é: por que a R7 não foi direto ao Wikileaks passar a notícia? Por que um blogueiro que nem aparece no Google vira “fonte”?

Mas, sobretudo, por que um jornalista conversar com um embaixador e expor suas opiniões sobre o governo num jantar o torna “informante regular do governo americano” e “suspeita de um caso de infiltração da CIA nas instituições do país”? (E desde quando a Rede Globo virou instituição do país?) Só porque vai num jantar e dá suas impressões sobre o governo do país – “tá meio merda, senhor embaixador” – já vira agente da CIA? Nem mandou um currículo nem nada? Por acaso algum embaixador que leia estas linhas (ou qualquer jornal investigativo digno de tal nomenclatura) não vai chegar à mesma conclusão passada por Waack, e nem por isso iremos nos tornar “informantes regulares do governo americano”, sem ganhar essa pompa e provavelmente as bocas-livres que devem rolar com esse título?

A Record praticou o jornalismo estou dizendo que um blog anônimo disse que um site disse. Isso não é bem uma prova com certidão em cartório de vergonha na cara. Ou de, digamos, pauta minimamente interessante. Nota-se é que algum jornalista na Record queria causar polêmica, mas é um menino muito júnior pra essas coisas.

Curiosamente, a entidade que domina os blogs pró-governo, a tal “blogosfera progressista”, que adora pedir um dinheirinho do contribuinte para seus bolsos, quando critica a “mídia” (o correto é “imprensa”) não tem medo de ir contra a Record. Pra eles, todo mundo é neoliberal, estudou os Protocolos de Washington e fazem parte de um partido único da mídia (o tal PiG) que quer passar os mesmos valores a todos, enquanto só eles pensam com a própria caçuleta. Mas quando se trata de falar mal “da Globo”, como se alguém lá dentro soubesse o que é liberalismo e torcesse pela Sarah Palin (e como se Obama fizesse parte de tudo isso), aí a esquerda se alia até à Igreja Universal.

Enquanto isso, também rolam uns murmúrios por aí – não é afirmação nossa e nem da nossa espiã, apenas existe o murmúrio e nós deduramos, a la Wikileaks – de que a Record andou pagando estagiários para falarem bem do Pan nas redes sociais. Serviu como “Operação Abafa”? O tiro, no mínimo, saiu pela culatra: agora, William Waack é, sozinho, o yankee que impediu a revolução comunista no Brasil.

Enquanto isso, por favor, alguém avise ao Assange que os meus contracheques da CIA e os da minha espiã estão atrasados.

Nota do editor:texto do Implicante adaptado pelo próprio autor.

sitepdh

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.