Como prevenir violência e abuso sexual infantil? Um papo sobre consentimento.

Um caso recente, em que um adulto, amigo de uma família, toca o corpo de uma criança sem autorização durante uma confraternização levanta discussões sobre abuso sexual.

No dia 26 de julho de 2021 a um vídeo originalmente gravado e postado pelo cantor Wesley Safadão, chamou atenção das redes. Em uma reunião familiar, crianças brincam no que parece ser uma confraternização.

Enquanto as crianças celebram e batem palma, um dos homens, o pastor André Vitor, atrapalha a comemoração de uma criança a abraçando por trás. A garota se desvencilha naturalmente e segue celebrando. Em seguida, o homem puxa a camiseta para baixo da cintura, como se cobrisse algo. 

O caso levantou polêmicas e suspeitas de abuso sexual infantil. O cantor defendeu o amigo. 

Photo by Trym Nilsen on Unsplash

Trazemos esse papo, porque acreditamos que o ocorrido levanta temas importantes e de interesse público: 1) proteção dos direitos das crianças, 2) importância de se falar sobre consentimento para qualquer tipo de toque com as crianças e 3) prevenção das violências sexuais. 

Havendo ou não intenção libidinosa no toque feito pelo pastor, ele não pediu autorização da criança para abraçá-la. Não houve nenhum contexto para tal abraço por trás. A menina pulava e batia palmas e, então ele resolve, tocá-la, segurá-la.

Existe aqui uma inadequação clara: independente da finalidade (que pode agravar e muito o caso) o corpo da criança não deve ser visto como um objeto à disposição do toque dos adultos. 

Existe sempre uma dinâmica de poder entre crianças e adultos - tanto pela diferença de força, tamanho, quanto pela autonomia e capacidade de consentimento - portanto os adultos ao redor de qualquer criança devem ser duplamente responsáveis, em respeitar o limite da criança e impor esse limite a si e aos demais.

Não estamos falando aqui necessariamente de toques com intenções sexuais. Estamos falando de respeitar a criança como indivíduo. Se essa pequena pessoa não quer um beijo molhado na bochecha, um apertão, ter seu cabelo afanado, é preciso que os adultos ao redor cuidem para que os limites dela sejam respeitados. E não o contrário.

Isso pode parecer bobo ou até “antissocial”. Muitos de nós fomos educados de formas diferentes, em que evitar o toque da família era falta de educação.

O afeto família pode ser construído com consentimento e respeitando limites: “não quer dar um abraço no tio? Então, que tal um toca ai?”. Pronto.  

Crianças são indivíduos e as relações de confiança e proximidade familiar precisam ser construídas. Não é obrigação da criança ceder sempre às vontades da família. 

Quando ensinamos a criança a ceder suas vontades para não ser "mal educada" com adultos, estamos desprotegendo estes pequenos indivíduos. O abuso sexual infantil, assim como diversos tipos de violências, começa de maneira gradativa, numa espira de agravamento.

[Leia aqui sobre a realidade de meninos que sofreram abusos durante a infância.]

Portanto, o adulto autor de abuso frequentemente usa dessa chantagem "anti-falta de educação" para começar a chantagear a criança e depois incita sentimentos de culpa, de modo que os abusos tendem a ser contínuos e por longos períodos de tempo.

Ao contrário do que se pensa, a criança estar em casa não significa que ela esteja segura. O ambiente externo, a rua, a escola, qualquer lugar, podem ser lugares perigosos para crianças, mas a própria casa também o é. A maioria dos casos de abusos sexuais, violência disciplinar, violência psicológica, incluindo homofobia e transfobia contra crianças queer/LGBTQIAP+ acontecem dentro de casa.

[Não precisamos ir longe para lembrar do caso do menino Henry, que morreu dentro de casa vítima de tortura e violências físicas.]

Como falar sobre consentimento com seus filhos:
 

 

Para proteger as crianças de violências sexuais é necessário que se tenha o diálogo sempre aberto em casa para esse assunto não seja tratado como um tabu, como algo para ser escondido e nunca ser dito.

A educação sobre sexualidade é uma das principais ferramentas de prevenção a violência sexual contra crianças. Quando falamos sobre crianças pequenas, a educação sexual foca em ensinar consentimento, limites, nomeação das partes sexuais. Isso permite que a criança identifique quando um toque é inadequado, e faz com que ela não se sinta culpada, que consiga nomear, descrever o que aconteceu. Assim ela poderá contar a um adulto de confiança sobre o ocorrido podendo encontrar apoio e escuta.

Educação sexual não é para "desvirtuar" ou para “desmoralizar” seus filhos e filhas, mas para garantir a sua segurança e saúde. Educação sexual tampouco vai destruir a sua família se esse tema estiver na mesa. Pelo contrário, se você realmente está preocupado em proteger a família e a inocência de seus filhos, entender a importância da educação sexual é de extrema importância.

O nosso papel enquanto homens é aprender sobre o tema e tomar posicionamentos que defendam os mais vulneráveis. É sobre não ser conivente com as atitudes e violências de homens próximos, é reivindicar políticas anti-violência, pró-acolhimento e de prevenção, tal qual ensino sobre sexualidade.

É sobre não ficar em silêncio e sobre escutar. Escute as crianças e adolescentes, com o cuidado de não culpabilizar o lado vulnerável, prezando pelo bem estar deles, que dependem da proteção de maiores de idade. 

Coloque o bem-estar  das criança como prioridade, e não a defesa do adulto que infringiu o direito dela. Somos responsáveis para que casos como esse não aconteçam mais.


publicado em 30 de Julho de 2021, 11:29
Joao marques jpg

João Marques

Escritor, pesquisador da psicologia das masculinidades e questões raciais.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura