Como preparar o fogo de um churrasco

Um churrasco de categoria inicia com um fogo feito a capricho, pois apesar do valor do churrasqueiro, "quem assa o churrasco é o fogo".

Frase muito repetida pelo velho campeiro Hibirá, sogro com um baita currículo de vários rebanhos assados – hoje está lá no andar de cima, fazendo anjo de mandalete*. Era daqueles que sabiam desde a criação, até abater e carnear para fazer um churrasco inesquecível de carne de ovino.

Parece óbvio, mas não é não! Pouca gente cuida do fogo com a devida atenção. Muitos entendem o fogo como coadjuvante, que é só jogar o carvão, despejar álcool, tacar fogo a moda bicho e achar que o fogo se resolve solito no mas*. Nananina não! O trato carinhoso com as brasas é fundamental. Pode-se estragar carne especial de primeira com um fogo mal feito, mas com o braseiro certo já se salvou muita carne meia-boca.

A colocação das carnes e a distância certa do fogo

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O fogo deve ser aceso com certa antecedência, para poder queimar o carvão, constituir o braseiro, evitando a fumaça inicial que deixa cheiro e gosto ruim no churras.

As carnes devem ser colocadas com os ossos para baixo e todas com a graxa para cima. E devem iniciar sendo assadas mais de longe, despacito*, para irem sendo baixadas conforme vão se aquecendo, tomando forma e cor... se aprontando.

Não existe um tempo definido para cada tipo de corte, depende profundidade da churrasqueira, do “puxe” da chaminé e do vento. Algumas churrasqueiras ficam mais quentes que outras e com pouco carvão se faz um bom assado. Não adianta colocar 3 sacos de carvão e tacar fogo. O ideal é se colocar o carvão suficiente para fazer uma base com as brasas de meio palmo de altura.

Um dos segredos do assador é saber regular a distância adequada para cada tipo de carne ou de corte. Carne muita perto do fogo "sapeca" fica queimada por fora e a crosta evita assar por dentro. Carne muito longe do fogo só cozinha e perde o gosto. Existem exceções para alguns tipos de carne como os entrecots e bifões em geral, que que podem ser “selados” para manter os sumos.

Já uma janela de costela demora ao menos quatro horas de fogo forte. Mas é aí que entra a observação e a prática.

Uma das dicas para a altura certa é o barulhinho da graxa pingando no fogo: "Tchiii, tchiii, tchii...". Se a grelha ou os espetos estiverem muito perto das brasas, vai levantar labareda e queimar a carne. Muito alto, o ritmo do pingar fica lerdo, anunciando que temos pouco fogo. Lembrando que se estiver perto do fogo e, não fizer o "tchiii", é porque a carne é magra, imprópria para a prática do bom assado.

E muito cuidado: se levantar labareda, é sinal que a gordura carne está muito próxima do fogo. Nada de cometer a asneira de jogar água, colocar latinhas e outros derivados. Tem de levantar o assado e, se for o caso, tirar da churrasqueira para esperar o fogo amainar.

Sem pressa

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Se faltar fogo ou chegar mais gente (muito comum), não se sai atirando um saco de carvão, fazendo aquela polvadeira, sobre o fogo. Puxe as carnes para um lado, ou tire do fogo (qual é a pressa?), pegue os pedaços de carvão com a mão, espalhe por cima do braseiro, devagar e sem muita bagunça. Deixar carvão num canto, tipo stand by, também é uma boa estratégia, é só ir puxando para o braseiro quando necessário.

Conhecemos bem a categoria de assadores aflitos acham que têm de se ficar mexendo e cutucando o fogo o tempo inteiro. Quem tem de ser manuseada, virada, levantada e abaixada é a carne.

O segredo de um churrasco tranquilito é o de se fazer um bom fogo e, quando o carvão (ou lenha) estiver todo em brasa, dar uma espalhada, para então se colocar a carne.

O melhor fogo é aquele em que se forma uma camada de cinza por cima do braseiro, impedindo a formação de labaredas, para se obter um fogo parelho e consistente.

Enfim, respeite o fogo que o assado saberá recompensá-lo.

O carvão

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A escolha do carvão é importante, pois existem na praça umas marcas diabo que, além de serem difícieis de acender, fazem foguinho de bosta*. Checar procedência e manejo ambientalista é importante para as futuras gerações de assadores.

Para iniciar, colocar o carvão em forma de “morrinho” facilita o fogo pegar. A maioria das criaturas usa álcool, não é complicado, mas nem sempre está à mão e, se não tomar cuidado, a explosão inicial pode se perigosa. Nunca jogue álcool em fogo já iniciado, falo por experiência. Os mais cancheiros da parceria costumam a despejar o álcool na pilha de carvão, tomar um mate sem pressa ou talagaço de caña*, e aí sim acender. O carvão vai estar embebido e fogo amigo se acomoda numa boa.

Técnicas do jornal amassado e do papel higiênico

Outro jeito manjado de fazer o braseiro é o de enrolar jornal amassado em torno duma garrafa de cerveja, para fazer uma espécie de chaminé. Ajeita-se o carvão em volta, tira-se a garrafa é claro, e joga-se um enroladinho de jornal aceso dentro do tubo. O fogo vai pegar de dentro e de baixo para cima, de forma elegante e consistente.

Mas a maneira que uso sempre, aprendi com um criador de ovelhas da região de Pedras Altas. Pegue um pedaço de papel higiênico (sempre se acha) ou guardanapo de papel, molde uma ‘tacinha’ usando dois dedos e torcendo a ponta. Faça uma cavidade na pilha de carvão e ajeite o papel. Encha com óleo de cozinha usado (pode ser novo, mas é desperdício) e acenda. O fogo vai pegar no óleo e escorrer para dentro do carvão, fazendo um fogo fácil, limpo e garantido.

Buenas, no próximo post trataremos das churrasqueiras, seus tipos e modelos, esquisitices e manias.

Ilustração do autor

Pequeno glossário

Mandalete: guri que fica a disposição dos mais velhos, para ir buscar cigarro na venda, pegar o chinelo no armário, ver se tem farinha de mandioca dentre outrs trefas inglórias.

Solito no mas: sozinho, meio acabrunhado, de preferência tomando mate quito vendo o dia nascer.

Despacito: devagar, sem pressa, curtindo a situação.

Fogo de bosta: era feito nos idos de 1800 e nada, aqui nos pampas pelos tropeiros. Com escassez de lenha, se usava a bosta do gado para fazer fogo para aquecer a cambona (lata de óleo velha) com a água do mate.

Talagaço de caña: gole bem dado num cachaça da boa.

Leia os outros excelentes artigos do Minduim aqui no PdH!


publicado em 27 de Maio de 2010, 09:59
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Luiz Minduim

Luiz Minduim é artista gráfico, professor, cozinheiro, assador bagual e balaqueiro dos bons! Mora em Pelotas, região do grande Pampa há mais de 30 anos, gaúcho por opção e coração.


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