Em
outubro de 2013 larguei um emprego estável em um site consolidado, que
pagava relativamente bem, onde eu tinha algumas regalias e colegas muito
legais, e cujo trabalho fazia de casa (na verdade, de qualquer lugar do
mundo com uma conexão à Internet). Motivo? Fui criar meu próprio
negócio.
Pior: fui
criar, sozinho, um pequeno empreendimento de conteúdo digital, uma área
que sofre com cortes, passaralhos e um encolhimento geral ano após ano.
Não bastasse isso, eu ainda moro no interior do Paraná, longe de São
Paulo, lugar onde praticamente tudo da área que cubro, a tecnologia de
consumo, acontece.
De
todos a quem contei ou que eventualmente descobriam esse salto, recebia
quase sempre um olhar de “você tá maluco??” Às vezes, acompanhado de um
“boa sorte”. Ninguém arregalou os olhos e disse “putaquepariu, que
ideia boa!” Digo, quase ninguém. Na verdade, a ideia toda de largar o Gizmodo,
que sempre guardarei num lugarzinho especial do coração, surgiu graças
ao incentivo de uma amiga. Ela jogou essa carta na mesa junto com um
pequeno investimento. Mas o que me fez tomar a decisão, mesmo, foi a
perspectiva de colocar em prática um projeto que, apesar de improvável,
era diferente de tudo que existia no mercado. Como eu tinha uns trocados
guardados para aguentar tempos difíceis e nenhum compromisso com
ninguém, pensei “por que não?” e simplesmente fui.
Hoje, mais de um ano depois de ligar os motores do Manual do Usuário, parece-me um bom momento para olhar para trás e refletir se aquela decisão foi acertada.
(Apenas um pequeno parêntese: o Manual do Usuário é um site de conteúdo sobre tecnologia pautado pela filosofia Slow Web.
Isso significa que você não encontrará notícias, rumores ou memes lá,
mas sim poucos textos, de três a quatro por semana, mais aprofundados e
sobre temas que nem sempre estão em voga.)
Algumas
expectativas que eu tinha no começo se confirmaram, e nem foi preciso
recorrer aos dados para constatar isso. Imaginava que seria difícil e
foi mesmo. Está sendo, na real. O começo é sempre complicado e, no meu
caso, que divido as atenções entre o site e minha segunda graduação, não foi diferente. Nenhuma surpresa, mas ainda assim cansativo.
A
análise que quero apresentar aqui é um tanto ampla. Com números,
porcentagens e gráficos. Quero aquela resposta pela qual todo mundo que
pula de cabeça em algo incerto anseia:
Eu estaria melhor se tivesse ficado onde estava?
A
maneira mais fácil e fria de se fazer isso é com a boa e velha
aritmética. Somar tudo, ver quanto deu, se esse resultado ficou dentro
das expectativas e em que nível está em relação ao meu ideal.
Claro,
na prática não é tão simples assim. Estar à frente de toda a operação
ao invés de apenas escrever e traduzir, como fazia no meu emprego
anterior, traz consigo uma série de encargos, financeiros e emocionais. É
mais custoso, mais estressante, há menos garantias. Esses aspectos
subjetivos, porém, são impossíveis de serem quantificados e mais
complicados de se colocar na ponta do lápis. Tentarei assim mesmo.
Aliás, talvez seja melhor começarmos por eles. Qual a diferença entre
escrever para os outros e escrever para você mesmo?
Filosofias diferentes
São
duas experiências completamente distintas. No Gizmodo, embora tivesse
abertura para sugerir pautas, meu trabalho era mais pragmático. Chegava
pauta, eu escrevia e publicava; outra aparecia, eu escrevia, publicava. E
assim esse fluxo seguia, sempre dando uma olhada nos comentários e
debatendo com o editor detalhes dos textos.
Já
no Manual… Tudo, de pensar sobre o que escrever, passando pela
pesquisa, redação, fotos e organização da pauta está sob minha
responsabilidade. Também não tenho a figura do editor, que faz uma falta
danada — é sempre bom ter alguém que leia seu texto antes de publicar, e
muito mais quando é alguém fera como o Leo Martins, na época editor do
Giz.
O trabalho não
termina aí. Nem começa, na verdade. Antes, foi preciso pensar e
criar/adaptar o visual do site, lidar com aluguel de servidor, monitorar
estatísticas e fazer o comercial. O Manual do Usuário tem várias frentes pequenas de faturamento
— assinaturas, links de afiliados e anunciantes diretos — e ainda que
tenha terceirizado essa última, ela e as demais continuam exigindo a
minha atenção. Tudo isso sem deixar de dar atenção ao leitor, uma porque
eu gosto disso, outra porque é um dos diferencias do site.
Em última instância, a criação do Manual foi a união de três desejos:
- Fazer
um site do meu jeito, do visual à linha editorial, e com um clima
receptivo e que promova a discussão saudável da tecnologia. - Ter mais flexibilidade de horário para conciliar melhor o trabalho com as atividades acadêmicas.
- E brincar de empreender, mesmo sendo bem ruim nessa parte.
Diferenças
subjetivas expostas (e, no fim, acho que acabou saindo a melhor
explicação à recorrente “por que você saiu do Giz?”), vamos aos números.
Mostra a grana
Para os gráficos a seguir, considere os seguinte “poréns”:
- Os valores referentes às campanhas que rodei no Manual do Usuário e freelas contemplam apenas o que recebi
em 2014. Algumas, principalmente as realizadas mais para o fim do ano,
ainda não foram processadas e, portanto, ficaram de fora da soma. - Sobre os programas de afiliados (links e AdSense), coloquei o aferido em cada mês, independentemente de quando os receberei.
- Acerca
dos assinantes, já descontei as taxas de cartão, transferência e
administração dos serviços que uso para receber deles. Em média, a
mordida é de 12%. - O
AdSense entrou no site apenas em setembro, e é restrito a quem chega
via buscadores. Leitores regulares e/ou que acompanham o site via redes
sociais e agregadores de feeds jamais veem esse tipo de anúncio. - Também contabilizei alguns trabalhos por fora, uns freelas que fiz durante o ano.
Não
sou um cara de grandes ambições, mas tenho uma meta de faturamento.
Além de me deixar numa situação mais confortável, nesse nível poderei
investir mais em melhorias para o site — comprando novos equipamentos,
contratando gente para escrever e desempenhar outras funções, e fazendo
coisas mirabolantes que, no caso, só com grana na mão são possíveis. Ou
seja, ainda há muito trabalho a ser feito.
Resolvi,
então, usar esse valor ideal como parâmetro para 2014. Coloquei também
outra barra no gráfico, a do mínimo viável para eu viver perto do
aperto. Em outras palavras, pagar as contas em dia e sobrar uns trocados
de reserva de segurança e para me divertir vez ou outra — isso é
importante! Ficou assim:
Foi melhor
do que eu esperava. Quando começamos 2014, eu estava preparado para
fechar o ano no vermelho. Não foi o que aconteceu. Na verdade, o
desenrolar dos eventos culminou num faturamento melhor do que o melhor
cenário cenário que eu perseguia (o “mínimo viável”). Tudo isso me
deixou bastante contente e deu mais gás para apostar em dobro no Manual
do Usuário.
Um
desdobramento interessante do gráfico acima acontece quando fragmento o
que faturei com o site. Agrada-me ver como, com uma exceção, a divisão
entre as fontes de renda é bastante equilibrada :
A
tal exceção são os trabalhos para fora, que garantiram mais da metade
do que ganhei em 2014. Todas foram muito legais (até escrevi em
publicação impressa!) e ficarei muito contente se em 2015 outras
oportunidades do tipo surgirem — se me quiser em algum projeto, mande um e-mail.
E o melhor é que são trampos no geral conciliáveis com todo o resto.
(Ou quase isso. Meus amigos com quem faço trabalhos em grupo na
universidade foram os que mais sentiram ao longo do ano, em especial no
último bimestre. Mais uma vez, se estiverem lendo isso, perdão pelas
mancadas.)
A lição
Omiti
valores e acho que cobri todas as possibilidades de aferi-los usando
alguma fórmula reversa. Fiz isso porque não é da conta de ninguém (só da
Receita Federal!) e, principalmente, porque não é o ponto. Não resolvi
escrever para esfregar quanto ganho na cara dos outros, muito menos para
“inspirar” alguém a viver de blog oferecendo um e-book ou coisa do tipo
no final do post. (Meu conselho, aliás, é não seguir meu exemplo a menos que você saiba no que estará se metendo.)
O
objetivo dessa prestação de contas é mostrar que, apesar dos pesares, é
possível jogar tudo para cima e fazer o que você gosta, do jeito
que você gosta. Eu sou um tanto privilegiado e isso facilitou um bocado
as coisas — fiz um bom pé de meia, tenho um perfil econômico e, caso
tudo desse errado, quem me socorresse sem pensar meia vez. Esses
asteriscos são tranquilizadores, mas tentei ao máximo não contar com
eles e fazer a coisa pra valer mesmo. E, de fato, consegui. Jamais
recusarei ajuda se precisar, mas é tão bom quando a coisa começa a girar
em decorrência do nosso esforço, né?
O futuro
Quando o Manual do Usuário fez um ano, escrevi um texto
sobre o que tinha acontecido até então. Depois dele novos eventos
animadores aconteceram, em especial a entrada de uma agência para gerir a
parte comercial do site (já tem dado resultados e esses não aparecem nos gráficos acima) e o apoio técnico do Julian,
que colocou o site em um servidor obscenamente rápido e presta todo o
suporte necessário para crescê-lo com saúde. No último domingo, por
exemplo, graças a uma reportagem do Fantástico sobre pau de selfie, o
servidor foi colocado à prova e resistiu muito bem à horda de
telespectadores que chegaram a este post via buscadores.
Eu
já tive um site maior. O WinAjuda (RIP), em seu auge, tinha o dobro das
estatísticas que o Manual do Usuário tem hoje. Eram outros tempos, eu
tinha outras prioridades, outros objetivos. Nunca estive tão empolgado
com um site meu como estou agora.
O
leitor tem uma parcela grande de “culpa” por isso tudo. Não é muita
gente que acompanha o Manual, mas quem o lê é gente muito legal que
compartilha os posts, discute em alto nível nos comentários e
frequentemente me faz rever pontos de vista, prestar atenção em coisas
que não estão no meu radar e, claro, dar umas boas risadas. Sem falar
nos assinantes, mais de 70 leitores que gostam e confiam no meu trabalho
a ponto de dispensar algum dinheiro, todo mês, para apoiá-lo. É uma
grande responsabilidade e uma satisfação maior ainda ter esse apoio!
Não
quero que meu site seja “o maior site de tecnologia do Brasil”, nem que
ele exploda em visitação. Não é essa a métrica que eu persigo. O que eu
quero não é quantificável: é informar, entreter e incutir a sementinha
da reflexão em cabeças abertas o bastante para recebê-la.
* * *
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