Como funciona a Agência Pública de Jornalismo Investigativo e o que você pode fazer para ajudar

Giulia Afiune conta como a Agência Pública de Jornalismo Investigativo desvenda violações de direitos humanos no Brasil – e como você pode ajudar a financiar esse trabalho

Novembro de 2013. De braços cruzados no início das partidas, jogadores da série A do Campeonato Brasileiro protestam contra o calendário e a gestão do futebol brasileiro, articulados pelo Bom Senso F.C.

Enquanto os protestos em jogos e entrevistas com os jogadores passavam na TV, eu e o Ciro Barros, repórteres da Agência Pública, decidimos procurar casos de times pequenos ao redor do Brasil que nos mostrassem o verdadeiro impacto da “falta de calendário” que o Bom Senso denunciava. Será que no país do futebol essa situação era mesmo tão ruim?

Acompanhados por uma chuva torrencial, botamos o pé na estrada rumo ao estádio do Mauaense, em Mauá, na Grande São Paulo. Em amistoso contra a equipe do Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (SAPESP), que reúne jogadores desempregados, o time preparava seu elenco para disputar a Segunda Divisão do Campeonato Paulista, abaixo da Série A3 - o que equivale a uma quarta divisão.

Assistimos ao jogo e conversamos com os atletas das duas equipes. Eles relataram o mesmo que jogadores do Amapá, Sergipe e Amazonas, ouvidos por telefone: salários atrasados, condições precárias de trabalho e insegurança fazem parte da rotina. Além disso, como seus times só jogam os campeonatos estaduais, que duram cerca de três meses, os jogadores têm que assumir outros empregos para complementar a renda no resto do ano, como verdadeiros boias-frias do futebol.

Ainda nessa reportagem, descobrimos que dificuldades financeiras – e não salários milionários – são a realidade para a maioria dos jogadores de futebol brasileiros. De acordo com dados da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 2010, 60% dos atletas profissionais registrados ganhavam até um salário mínimo, na época, R$ 510.  Apenas 4,3% ganhava acima de 20 salários mínimos. Até o zagueiro Paulo André, que recentemente voltou ao Brasil para jogar no Cruzeiro, nos contou em entrevista que já teve que sobreviver comendo apenas arroz, feijão e salsicha quando jogava pelo Águas de Lindoia Esporte Clube, antes de ser reconhecido como craque.

Cachorrinhos brincam enquanto a bola rola em campo. Gramado estava muito ruim (Foto: Renato Leite Ribeiro)

Essa reportagem ilustra bem a missão da Agência Pública: produzir reportagens de fôlego sobre as grandes questões do país do ponto de vista da população. Com o nosso jornalismo pautado pelo interesse público, procuramos fortalecer o direito à informação, a promoção dos direitos humanos e a qualificação do debate democrático. Todos os dias a gente se dedica a encontrar, entender e denunciar violações de direitos humanos desconhecidas ou ignoradas. E como queremos que elas saiam da obscuridade e pautem o debate público, distribuímos nossas reportagens gratuitamente, para quem quiser republicá-las. 

Como nasce uma reportagem investigativa?

A exemplo dos Boias-Frias do Futebol, muitas histórias que escrevemos para a Pública nascem de temas do momento que estão por aí dando sopa, esperando para ser esmiuçados, compreendidos em um contexto mais amplo ou simplesmente abordados por um ângulo diferente. Se o assunto rende reações como “Será que é isso mesmo?” ou “Tem caroço nesse angu” é porque ele precisa ser detalhado.

Outras pautas da Pública vêm de denúncias de movimentos sociais ou da nossa observação atenta e curiosa. Mas todas as nossas reportagens têm uma coisa em comum: elas nascem de uma indignação.

Sejam jovens manifestantes investigados como criminosos, mães presas separadas de seus filhos logo após darem a luz ou pessoas removidas à força das terras onde moraram a vida inteira sem ter para onde ir. Atrocidades como essas despertam nos repórteres aqui da Pública a vontade de investigar a fundo cada detalhe, destrinchar cada sacanagem, ouvir atentamente os envolvidos, entender os conflitos e expor aquela grave violação de direitos humanos para o mundo. 

A gente sabe que a história é boa e merece ser contada quando alguém explica sua pauta na mesa do almoço ou na roda do café e os outros repórteres, revoltados, exclamam “Que absurdo!”. A partir daí, normalmente começa um brainstorm espontâneo de ideias e sugestões de caminhos para a matéria – todo mundo fala sobre o que já leu do assunto, compartilha impressões e, se conhecer, oferece: “Eu tenho o contato de uma fonte que pode te ajudar.”

Uma das coisas bacanas de trabalhar na Pública é justamente essa troca constante que ajuda muito o trabalho do repórter. Todo mundo está sempre disposto a te ajudar, seja dando ideias, ajudando a fazer contas ou simplesmente ouvindo você falar sobre como foi difícil entrevistar uma pessoa.

Ao contrário do que muita gente pensa, o dia a dia dos nossos repórteres não costuma envolver perseguições de carros em alta velocidade, troca de tiros ou sequestros por mafiosos, como nos quadrinhos do Tintin, talvez o mais famoso jornalista investigativo da ficção.

Na verdade, nosso cotidiano tem pouco glamour e muito trabalho. Para nós, “desvendar um mistério” é mergulhar em um assunto e produzir uma grande reportagem. O adjetivo “investigativo” que acompanha nosso jornalismo significa buscar o maior número possível de informações para entender os diferentes aspectos, dimensões e pontos de vista de assuntos muito complexos. Significa fazer trinta entrevistas com todos os envolvidos para entender todos os lados em questão. Significa procurar informações escondidas em planilhas, contratos, estudos, acórdãos e leis. E se você não entender nada – acontece bastante, viu? – ler de novo, perguntar, quebrar a cabeça até entender.

Mas o resultado de todo esse esforço é muito gratificante. Um exemplo: analisando contratos de financiamento e concessão dos doze estádios da Copa do Mundo nós conseguimos provar que havia sim muito dinheiro público bancando as arenas, ao contrário do que o governo federal dizia. Para isso tivemos que decifrar os dados do Portal da Transparência da Copa (e com isso, aprendemos a duvidar deles também, já que o site nem sempre é tão transparente assim).

Todo esse esforço de reportagem exige tempo, a mais preciosa matéria-prima para jornalistas depois de uma boa história. Como a Pública se propõe a veicular algumas grandes reportagens por mês, nós repórteres temos prazo suficiente para investigar nossas histórias, dando conta da sua complexidade. Uma apuração nossa pode levar até quatro meses, como foi o caso da reportagem em quadrinhos Meninas em Jogo – feita pela Andrea Dip e ilustrada pelo Alexandre De Maio – sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes em Fortaleza intensificada por causa da Copa do Mundo. Outro exemplo é a série de reportagens que formam o Especial Tapajós, nas quais a Ana Aranha, a Jessica Mota, o Bruno Fonseca e o Marcio Isensee e Sá mostram como o projeto de construção de um complexo de hidrelétricas no rio amazônico está impactando as vidas de milhares de ribeirinhos e índio Munduruku.

Capa da HQ Meninas em Jogo

Mas quando o assunto pede, a gente corre. A apuração da matéria O Inquérito do Black Bloc durou apenas uma semana. O que nos motivou a investigar foram fotos de documentos da Polícia Civil de São Paulo convocando manifestantes para depor no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais de São Paulo) dentro de poucos dias. Logo, o Bruno Fonseca, a Jessica Mota, o Ciro Barros e eu sugerimos a pauta e nos mobilizamos para ouvi-los.

Os jovens manifestantes relataram o medo e a preocupação ao serem intimados para depor, já que sequer sabiam se estavam sendo investigados como criminosos ou se eram apenas testemunhas. Mais de 300 pessoas haviam sido intimadas até aquele momento para prestar depoimento no inquérito que procurava enquadrar o Black Bloc como associação criminosa. O número incluía manifestantes detidos arbitrariamente, outros que haviam curtido a página do Black Bloc no Facebook, militantes do Movimento Passe Livre e até familiares desses jovens.

Essa reportagem foi premiada no 31o Prêmio Direitos Humanos, promovido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), pela Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) e pela Secretaria Regional Latino Americana da União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação, Agricultura e Afins (UITA).

Ocupe a Pública!

Ao contrário dos veículos jornalísticos tradicionais, nós não queremos ser bancados por meio de venda de publicidade. Por isso, sempre buscamos alternativas de financiamento que ajudem a garantir nossa independência.

Já que o nosso compromisso é com o interesse público, o ideal seria que o trabalho da Pública fosse financiado pelos leitores. Foi com essa ideia em mente que decidimos criar o Reportagem Pública 2015, nossa segunda campanha de financiamento coletivo.

Quem doar para o nosso crowdfunding vai ser convidado para fazer parte do nosso conselho editorial, ou seja, vai poder escolher os assuntos que vamos investigar ao longo deste ano e ainda acompanhar a apuração dessas reportagens. Estamos convidando nossos leitores para ocupar a Pública, apostando que essa interação com os repórteres só vai enriquecer nosso trabalho.

Isso tudo porque a gente acredita que essa troca entre jornalistas e leitores é muito rica e pode ajudar as reportagens a saírem cada vez melhores. A gente pode e quer aprender muito com vocês.

Se você leu até aqui, imagino que o trabalho da Pública tenha te interessado. Então, agora é só seguir esse passo-a-passo:


  1. Entra nesse link
  2. Clica em "apoiar este projeto"
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  5. Escolhe a recompensa (Pode ser a recompensa equivalente ao valor que você doou ou as recompensas equivalentes a valores mais baixos)
  6. Clica lá embaixo em "Revisar e realizar pagamento"
  7. Coloca seus dados do cartão, ou seleciona a opção boleto, imprime e paga!

Infelizmente as violações de direitos humanos estão se multiplicando por aí e precisam ser investigadas.

Para isso, precisamos da sua ajuda. Ocupe a Pública!


publicado em 25 de Fevereiro de 2015, 09:55
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