Como falar sobre masculinidade na escola pode diminuir a violência?

Estudo americano aponta que programa muda como garotos entendem e intervém em casos de violência

Estudo americano Avaliando Transformações sobre Gênero e Programas de Prevenção da Violência no Middle School (2019) aponta que abordar igualdade de gênero e masculinidades no Middle School (o equivalente ao Ensino Fundamental II por aqui) tem impacto positivo, diminuindo a ocorrência de agressões, violências de gênero e sexuais. A pesquisa que avaliou o impacto do programa sobre igualdade de gênero foi aplicada em escolas americanas do Maine por pesquisadores de diferentes universidades dos EUA, liderados pela psicóloga e especialista em políticas públicas Victoria L. Banyard.

Banyard e seu grupo apontam, por meio de outras pesquisas, que de 30 a 20% dos estudantes de “middle school”  já tinha perpetrado algum tipo de violência em um relacionamento, 15% reportaram algum tipo de violência sexual e quase 50% mencionaram já terem perpetrado assédio sexual. 

O programa Reduzindo Sexismo e Violência no Middle School, é baseado em um programa de 4 sessões de uma hora que incluem tópicos sobre empatia, relacionamentos saudáveis, e informação sobre violência de gênero, incluindo treinamento para meninos que estão vendo uma situação de violência possam atuar como agente que intervém e previne danos.

O diferencial deste estudo é que ele é feito sobre estudante em idade escolar equivalente ao Ensino Fundamental II enquanto a maioria do programas são destinado a estudantes do Ensino Médio. A pesquisa nota que, à época do Fundamental II já há um volume grande de experiências de violências de gênero e desigualdades sendo perpetradas. Além disso, no Fundamental II também estão presentes outros problemas relacionados à masculinidades, como abuso de substâncias químicas e comportamento sexual de risco.

Segundo a investigação de Banyard, nessa etapa escolar os alunos tendem a apresentar comportamentos mais próximos das normativas de gênero “tradicionais” – ou seja, reproduzindo expectativas sobre como deveriam ser os homens e mulheres –, no entanto, também apresentam mais propensão a repensar seu comportamento, sendo a idade ideal para a aplicação de programas. 

Os resultados apontaram que os garotos que participaram do programa demonstraram uma diminuição significante de posicionamentos que davam apoio ao uso da força física e da violência dentro de relacionamentos. Os garotos também demonstraram menos suporte a valorização do poder masculino e mais suporte a equidade de gêneros nos relacionamentos. 

A masculinidade e a inação perante a violência

Segundo os dados da pesquisa, indivíduos que acreditam mais na masculinidade “tradicional” – ou seja que entendem que o “homem de verdade” tem de ser durão, forte, dominante, destemido, promíscuo, arriscado, sem emoções, homofóbico e agressivo – são mais propensos a cometerem violência de gênero ou sexual em comparação com indivíduos que não acreditam nessas normas relativas à masculinidade tradicional. 

A pesquisa também aponta que outras variáveis mais indiretas, como a capacidade de regular emoções, de ponderar e de demonstrar empatia são fatores que, quando ativados, diminuem a propensão à atos violentos.

As regras de gênero e expectativas de masculinidade não influenciam só o homem que pode ter um comportamento violento. A percepção sobre o “papel masculino” também um impacto importante sobre os homens que estão ao redor, os que estão olhando a situação de fora e que podem ou não intervir numa cena de violência.

O estudo de Banyard, também cita o programa “Mentores da prevenção de violência”, o qual mostrou que estudantes da escola que participaram do programa eram mais propensos a ver uma gama de comportamentos agressivos como inadequados e de sinalizar que tomariam uma atitude para conter esses comportamentos. 

Importância de abordar a igualdade de gênero

Quando estamos falando sobre o cara que olha de fora, os dados são interessantes e mostram nuances: homens que acreditam na masculinidade tradicional, e que acreditam que os homens têm de ser durões são menos propensos a intervir interrompendo a violência, no entanto, aqueles que acreditam na masculinidade tradicional mas que valorizam a liderança e o respeito tendem a se manifestar no sentido de impedir a violência. 

Diante deste dado, a pesquisa aponta que promover modelos positivos de masculinidades incentiva homens que não estão inseridos na situação a tomarem mais atitudes pró-ativas, diminuindo a perpetração de violência sexual e relacional. No entanto, quando não se discute igualdade de gênero, apesar da intervenção em casos de violência, desigualdades relacionais continuam sendo reproduzidas. Neste sentido, programas que promovam a igualdade de gênero tem mais efeito uma vez que estes previnem a perpetração de violências, incentivam ações de intervenção e geram ambientes mais saudáveis e equitativos. 

Outro dado interessante é que, ao contrário da hipótese inicial, os resultados do estudo mostraram também que atitudes mais positivas em relação a equidade de gênero vieram acompanhadas do aumento de desregulação emocional ou seja, ainda que os meninos adotassem atitudes mais positivas, apresentavam dificuldades de controlar sentimentos negativos a curto prazo.

No Brasil, programas como estes estão enfrentando dificuldade de implementação devido às bancadas conservadores e ao Projeto de Lei Escola Sem Partido, que defende que o tema gênero não pode ser abordado nas escolas por ser partidário e/ou ideológico.

Aqui no PapodeHomem nós temos nos dedicado a construir um espaço para homens possíveis, no qual os traços positivos da masculinidade tradicional possam também coexistir com masculinidades diversas. 

Aqui você pode assistir uma reportagem do Profissão Repórter que mostra o Guilherme Valadares, fundador do PapodeHomem, em ação, conduzindo uma roda sobre masculinidades para jovens em idade escolar.

Roda conduzida em uma escola, filmada para o Profissão Repórter

O que vocês acham sobre o Programa Reduzindo Sexismo e Violência no Ensino Fundamental II?

Pensando hoje, vocês gostariam de ter tido conversas sobre masculinidades e gênero na época que estavam na escola? 


publicado em 05 de Julho de 2019, 18:13
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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