Como curtir a pista depois de ter filho? Como curtir quem tem filho e tá na pista?

Existe vida, noite e sexo após a paternidade e maternidade. Só que de outro jeito

Família não é mais um modelo congelado, se é que algum dia já foi. Casar e ter filhos não necessariamente andam juntas. E que, mesmo quando vem num mesmo pacote, este não vem com garantia de durar para sempre. O resultado natural das coisas é que, hoje, é muito comum ser pai ou mãe e estar na pista, no Tinder, num bar, aberto para novas experiências e aventuras.

Eu poderia dizer que a gente vive numa época libertária, compreensiva etc. Mas a verdade é que estamos no meio de numa época estranha: ao mesmo tempo em que cultivamos novas liberdades, ainda existe uma barreira para romper com a tradição.

Essa dualidade acaba espelhada nesse conflito: o quê se espera de alguém que já é pai ou mãe – a família, o almoço de domingo, o gosto por novela – nem sempre está de acordo com o que essa pessoa está vivendo – instabilidade, o caminho profissional, as descobertas amorosas. Daí nascem julgamentos, sentimentos de culpa e conflitos que representam boa parte das dificuldades de homens e mulheres que têm filhos, ambições, preocupações e que, em algum momento, também querem poder desfrutar de uma sexualidade que não precisa necessariamente vir do casamento.

Vamos às dificuldades

Os leitores. Os que são pais e os que ainda não são, me deram uma grande ajuda respondendo algumas perguntas que eu mandei por e-mail, mas, para completar a coisa, tive umas conversas mais profunda com dois amigos meus: a Jessica, que foi mãe aos 24 e o Fábio, que foi pai aos 23, e os dois estão solteiros hoje em dia.

Cadê tempo?

O problema não é que ser pai ou mãe desperta uma vontade interna de ser caseiro, de dispensar o bar ou uma aventura. O problema é que não dá tempo de ser pai, mãe, trabalhador, educador e galanteador da noite. Falta tempo e dinheiro, afinal, o bar ou o jantar fica lá para trás na lista de prioridades.

E, para as mulheres, esse problema fica muito maior. O Fábio tem noção disso quando ele fala que ficou mais sem tempo desde que nasceu o filho, deixou de fazer algumas coisas que fazia e completa dizendo “e olha que eu só passo ⅕ do tempo que a mãe passa com ele”. Ele também diz que fica sempre à disposição da mãe para cuidar do menino quando ela quiser sair, mas, mesmo assim, são poucas as vezes que ela pede.

Para Jéssica é ainda mais difícil: ela diz que não consegue marcar um encontro e deixar o filho com a mãe ou com a irmã, porque sente que isso não é responsabilidade delas e sim do pai do menino. Mas com ele, ela não pode contar. Até quando consegue deixar combinado que, no final de semana X, o pai ficará responsável por cuidar do menino, acontece de ele não aparecer, acabando com tudo quanto é plano.

Na pesquisa que eu fiz com a galera (e lembrando que não tem nenhum valor absoluto de pesquisa, é mais uma base pra gente conversar), a maioria das pessoas, seja pai ou mãe, marcaram a opção em que ter um filho muda sim a dinâmica de ser solteiro e de se relacionar. Um dado interessante é que, dos 14% que responderam que “apesar da vida mudar, as relações continuaram muito parecidas com o que era antes”, todos são homens.

“Desculpa, mas você tem filho”

Tanto o Fábio, quanto a Jéssica, e mais 42% dos pais que responderam pela Internet, já passaram por essa situação: começam a conversar com alguém legal, rolou um clima, mas o interesse da outra pessoa morreu quando surgiu a palavra filho.

A maneira como esse interesse morre muda bastante: nos aplicativos, tem quem pare de responder, na vida tem quem diga “desculpa, mas eu não fico com quem tem filho”, tem também aqueles que começam a questionar o passado do outro num “como você foi deixar isso acontecer?”, e os que lecionam sermão “você não se acha muito nova? não pensou nisso na hora de fazer?”.

Um dos leitores contou que já passou alguns encontros sem mencionar o assunto, e quando ele veio a tona, deu briga porque a moça não gostou de ter sido enganada pela omissão e acabou sentindo que tinha perdido o tempo dela.

Quando dá tempo, vai valer a pena?

A prioridade é a criança, o trabalho, os estudos, o sustento, e o tempo que sobra pros encontros, que já é quase nada, acaba se esvaindo na tentativa de encontrar alguém que consiga conviver com a simples informação de que o outro tem um filho.

É cansativo. Principalmente a parte emocional. Tem quem pule fora por causa da criança, tem quem desista pouco depois, por não ter paciência para conviver com as circunstâncias do outro (como ter que voltar para dormir em casa, atrasar ou desmarcar por não ter com quem deixar), e tem quem aceite com uma condição: ser casual. A Jéssica contou que já ouviu vários comentários como “Ah você é mãe? Então tudo bem ser só sexo para você?”.

A galera que não tem filho e que respondeu meu pequeno formulário, comentou muito nesse sentido, dizendo que “ficar com alguém que tem filho não é um empecilho se for uma saída casual, mas que, pensando em uma relação mais frequente, entram as questões, de tempo e disponibilidade que podem complicar o rolo e, talvez, nesse caso não valha a pena ficar com quem já é mãe ou pai.”

Por essas e outras dificuldades, tem hora que sair de casa para se aventurar pode ser muito desanimador.

Tem que selecionar

Estar solteiro e ser responsável por uma criança não significa nem que você quer só sexo, porque tem outras responsabilidades e compromissos, nem que você quer alguém para formar família e ocupar o lugar de uma figura parental pro seu filho.

Não siginifica nada disso. Mas, na prática, torna você uma pessoa mais seletiva e cautelosa. De muitas maneiras, mais madura também é, por isso, mais seletiva. Falta paciência, tempo e forças para o superficial e imaturo, para certas cobranças e mimos. E ainda têm as preocupações sobre o impacto que a presença da outra pessoa vai ter sobre a criança, se a relação evoluir.

A galera que já teve filho comentou que, no fim das contas, acaba rolando uma identificação maior quando saem com alguém que também é mãe ou pai. Um entende mais os perrengues do outro e acaba que os dois se veem num momento da vida meio parecido.

Não é o filho que estraga a vida de solteiro

A Jéssica entra num ponto muito interessante ao contar que se conheceu e que se tornou muito mais mulher depois de ter o bebê. Ela se vê como uma pessoa muito mais realizada, madura, motivada, ela passou a entender mais sobre ela mesma, inclusive sexualmente. Conta que foi durante a gestação que passou a perder a vergonha do corpo. O Fábio também tem orgulho de como mudou depois de se tornar pai.

Olhando de fora, me parece que o problema, o que traz tanta dificuldade para que esses jovens adultos possam vivenciar uma sexualidade mais saudável, não é a existência da criança, e sim a estrutura das nossas relações com as outras pessoas.

O que mais complica a vida das mulheres é a falta de suporte dos parceiros para dividir a carga de cuidar da criança, para que elas possam ter tempo para elas mesmas. E, indo além da divisão das responsabilidades, para o lado feminino também tem um fator de culpa que é muito internalizado: tem gravado dentro de nós uma responsabilidade imensa de jamais sair do posto de mãe e protetora para se divertir ou relaxar.

Falando de modo geral, o que torna tudo mais difícil é a falta de compreensão das pessoas ao redor: a exigência de tempo, de atenção, o preconceito, o medo de ter responsabilidade sobre qualquer coisa, o medo de se envolver emocionalmente num terreno novo, a dificuldade de aceitar e de se encaixar numa rotina diferente da nossa.

A gente tem que facilitar

Não tem como a gente fugir da questão de gênero quando o assunto é maternidade/paternidade. Pensando nesse tema e em promover um equilíbrio mais saudável, a primeira responsabilidade deve vir do pai ao compartilhar de fato as responsabilidades com a mãe.

Num segundo momento, a gente pode pensar que, somos nós (me incluo nesse grupo), os solteiros e sem filhos que se afastam, que evitam e que demandam, os responsáveis por boa parte das dificuldades dos pais e mães que estão na pista.

Não é um medo que surge do nada. Algumas leitoras mulheres falaram do receio de ficar com um cara que já foi descuidado a ponto de engravidar outra moça. Além disso, essa dificuldade de ver, em alguém que tem filho, um possível parceiro de momentos agradáveis pode vir de muitos fatores, explicações freudianas, traumas de infância, uma hesitação em ver no outro a imagem de alguém que já tem família, coisas que vão muito além do que eu posso explicar.

Mas, por um motivo ou por outro, nós contribuímos para criar esse cenário conturbado, mesmo que para gente esteja fácil. Não é o solteiro sem filho que tem que acordar às 5 da manhã para passar uniforme e preparar lanche antes de botar na perua. Não, nós, os responsáveis por ninguém, só precisamos tem a consideração de marcar a data com certa antecedência. Ninguém vai contrair a responsabilidade de um filho, ao chegar perto de uma mãe ou um pai.

Por fim, eu queria deixar o convite para os pais e mães contarem suas histórias nos comentários, e para que os solteiros sem filhos parem para repensar um pouco seus conceito sobre ficar com quem tem filho e suas visões e preconceitos ao redor do tema. No fim das contas, a nós solteiros, a única responsabilidade que nos cabe, quando a gente se envolve com alguém que tem filho, é a compreensão.


publicado em 30 de Janeiro de 2018, 00:00
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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