Então, o tal pai presente não se resume só a presença física, não é mesmo?
Você viaja muito a trabalho, passa dias fora, às vezes semanas. Seja no hotel, no caminhão, no avião, na plataforma, inúmeros tipos de trabalho exigem uma imersão que se torna um desafio conciliar com a vontade de estar perto das crianças. Certo?

São mais de 3 milhões de viagens de avião a trabalho por ano no Brasil, e esta permanência no destino dura de 1 a 15 dias (IBGE). São mais de 4 milhões de caminhoneiros, 99% homens. Mais de 180 mil empregos no setor naval, em uma escala que geralmente é 14 dias x 14 dias. Mais de 18 mil pilotos de aviões (sem contar comissários) que ficam dias e dias longe de casa em suas escalas.

O número de divórcios anuais cresceu 29% nos últimos 10 anos. São quase 450 mil separações formais por ano (47% do total de casamentos). Atualmente 50% destes divórcios envolve filhos pequenos e 42% das guardas são compartilhadas. Este número era de 7,5% há 10 anos, o que mostra uma pressão jurídica e cultural para que o homem participe do processo de cuidados com os filhos nas situações de divórcio.

Enfim, são várias realidades possíveis. E não são meras exceções, são parte relevante do cenário de ausência paterna.

Pensando essas realidades, como equilibrar distância física e presença paterna?

Talvez, você até pode tentar aprender um outro ofício para que o trabalho seja em home office, ou precise viajar menos. Ou então, você não mora junto com a mãe de seu filho e precisa renegociar guarda, tempos, dias da semana, atividades.

Esses são caminhos, mas tudo isso é um processo de mudança e incerteza, leva tempo. E nem sempre será possível.

A presença física é relevante, sim. Quanto mais tempo passamos próximos aos nossos filhos, mais condições temos de enxergar as sutilezas, aprender com as rotinas, comportamentos, mudanças, conversas, observações. Muita coisa só conseguimos viver na proximidade física. Nossa presença traz segurança, apoia na colocação de limites saudáveis, encoraja. Tudo isso é verdade.

Mas isso não diminui a importância da presença emocional. Quando estamos distantes, nossos filhos sabem reconhecer se estamos emocionalmente conectados com eles. Nossas ações, quando estamos longe, também dizem muito sobre o quanto nos interessamos por eles. E isso é tão relevante para criação de filhos saudáveis quando a própria presença física.

Então, vamos pensar em dicas para você, pai, que vive essa realidade:

1 – Não se culpe por ter ficado longe

A culpa nos leva a um lugar de compensação. “Se fiz algo errado para alguém, então preciso reparar”. Você não fez nada de errado, estava trabalhando, certo? Ou então, só mora separado da mãe do seu filho.

A percepção de culpa é do adulto, não da criança.O tempo que você ficou fora não é compensável. Isso não volta mais, E está tudo bem. Só faça o melhor uso do tempo em que está junto, seja o tempo que for. E quando eu digo “melhor uso” é o uso ordinário. Cuide, acaricie, converse, abrace, interesse-se, brinque, sorria, seja firme quando necessário, deixe os limites claros e alinhados.

A culpa te levará ao excesso, o que não combina com equilíbrio e saúde.  

Ficou longe por causa do trabalho? Tudo bem. O tempo não volta. Lide com sua realidade e use sua presença para manter o equilíbrio e a saúde do seu filho.

2 – Alinhe os princípios de educação com a mãe do seu filho

Esteja você casado ou não. Mesmo que o divórcio não tenha sido muito amigável, não importa, vocês são os adultos da relação. Alinhe com a mãe de seu filho “o que pode e o que não pode”, os valores essenciais em que pretendem educar seus filhos. E sigam, seja quem estiver com ele. 

Este será o elo que trará segurança para as crianças, que saberão que estão crescendo em um ambiente previsível, saudável e coerente. Os princípios são os mesmos, os “comos” podem ser diferentes.

Por exemplo, se o combinado é não ter telas ou ter um tempo limitado, o que cada um fará pode ser diferente. Mas ambos respeitarão o princípio. Talvez a mãe brinque de massinha nesse tempo sem telas, e o pai queira ir ao parque. A criança entenderá que nesta família se brinca assim.

3 – Seu filho não estava sozinho

Quando retornar, busque saber como tudo aconteceu enquanto você estava fora e procure manter o ritmo, mesmo que “do seu jeito”. Não é fazer igual, mas é manter a cadência das coisas e os princípios fundamentais. Crianças precisam de segurança, e segurança vem da percepção de previsibilidade, ritmo, rotina que a criança tem dentro de casa. Se tudo muda quando o pai está perto e tudo muda novamente quando o pai está longe, isso é prejudicial para os filhos.

Isso vale para viagens a trabalho e também para guarda compartilhada. Respeite a cuidadora, a mãe que estava se dedicando em sua ausência, respeite a criança que precisa de previsibilidade.

 4 – Seu filho quer sua presença, não seus presentes

Não volte cheio de presentes. Volte cheio de vontade de ficar perto. Cheio de interesse pelo que aconteceu com ele enquanto estava longe. Quanto mais presentes trouxer, mais seu filho vai querer. Mais ele associará sua chegada com os bens materiais que traz na mala, não com seu abraço quando chega.

Em breve ele olhará pra você e, antes de correr para te abraçar, te dirá: “qual presente você trouxe desta vez?”.

5 – Valorize o ordinário.
Não faça da sua chegada um grande evento. A perspectiva do seu filho é outra. A vida dele continua tendo 7 dias por semana, 24h por dia. É o processo seguindo, o ritmo acontecendo. Valorize o ponto de vista dele, e entre você no fluxo da vida do seu filho que ficou. Legal celebrar a chegada do papai. Faça algo simples, sem holofotes. “Papai chegou e está com muita saudade. Vou ler pra você dormir hoje para celebrarmos.”

E lembre-se, não tente compensar nada, não tente se fazer gostado por ele a todo custo.

Faça o melhor que puder com o tempo que tem perto dele. Faça o melhor que puder com o tempo que tem longe dele.

Seu filho continua sendo seu filho 24h por dia, perto ou longe.

Texto escrito por Robert Publio – @caminhosdepai

Andrio Robert Lecheta

Palestrante, Professor, Mestre e Doutor em Educação (UFPR) com pesquisas sobre masculinidades. Atualmente trabalha no departamento de Comunicação do Instituto PDH liderando a equipe editorial.