Como aprendi a viver (bem melhor) sem expectativas

Ou como algo que foi ótimo te deixa desapontado só porque você esperava que fosse 'incrível!'

Ano passado escrevi sobre como eu nunca tive um objetivo. Estava refletindo como simplesmente passo de uma coisa para outra sem haver um propósito maior. Funciona para mim.

Aqui vai outra coisa que procuro não ter: expectativas.

Uma das poucas coisas que controlamos na vida é a nossa reação às coisas. E expectativas antecipam essas reações. Elas frequentemente estabelecem as chances do resultado, e essas chances normalmente não estão a nosso favor. Então decidi que prefiro ficar com as reações de verdade ao invés de colocá-las em desvantagem ao misturá-las como minha imaginação de que tudo deveria ser incrível.

O que se ganha ao elevar o nível de desfechos que você não controla?

Quando você não tem expectativas, você experimenta as coisas de maneira objetiva, e não influenciado por pressuposições. Se acontecer de você ficar desapontado, é porque a experiência não foi boa, e não porque você achou que seria INSANAMENTE INCRÍVEL e acabou sendo só boa. Uma boa experiência deveria te deixar sorrindo, ao invés de desapontado porque não fez jus à história que você criou.

Colocar as expectativas de lado torna tudo mais direto. É simplesmente sobre como você se sentiu em relação a algo, e não sobre como você se sentiu tingido pela ideia de como você achou que se sentiria.

Colocando de outra maneira, não ter expectativas significa que você não pode ficar desapontado. Ficar desapontado significa que algo não cumpriu o que você estava esperando. Então ao invés de se desapontar com alguma coisa, eu simplesmente fico insatisfeito com o resultado. Isso pode parecer muito sutil, mas há um impacto emocional bastante diferente.

O que te desaponta são as expectativas, não os desfechos. Desfechos simplesmente são. E irei avaliá-los ao invés de como eles atingem alguma linha falsa na minha mente.

Perigo, expectativas!

Na prática

Eu não dirijo meu negócio com expectativas. Aqui, nós simplesmente damos o nosso melhor e as fichas caem onde têm que cair. Ter expectativas torna os resultados binários — você fez o que esperava fazer, ou não fez. Prefiro viver simplesmente fazendo e aproveitar a corrente.

Isso me leva a tocar num outro ponto importante: previsões são diferentes de expectativas. Previsões não vêm com o impacto emocional se o resultado não foi atingido. Previu errado? “Eu estava errado.” As expectativas não foram atingidas? “Isso é uma droga.” Dá pra notar a diferença emocional?  

Na minha vida pessoal, não tenho expectativas para com as outras pessoas, exceto assumir que elas são boas até que se prove o contrário. Estou mais interessado em como elas são do que como eu espero que elas sejam. Se um dia você quiser ficar desapontado com alguém, estabeleça expectativas irreais. É claro que à medida que você conhece alguém, você constrói uma ideia do que elas são capazes de fazer, mas mesmo assim as pessoas só fazem quando fazem. Elas não erram, atingem ou excedem minhas expectativas.

Se estou competindo em algo, não espero ganhar. Eu quero ganhar. Vou dar o meu melhor para ganhar. Mas eu não espero ganhar. Minhas expectativas não têm nada a ver com o que estou competindo, e eu não controlo o outro lado. Independentemente de qualquer coisa, a única coisa que posso fazer é dar o meu melhor, então porque confrontar isso com qualquer outra coisa sem ser o resultado final?

O exemplo mais clássico é o da ida ao cinema. Quando vou ver um filme não espero que ele seja bom, ruim ou ótimo — só quero ver o filme. Depois que acabar, posso me perguntar se gostei ou não, e não o quanto ele cumpriu o quanto achei que iria gostar dele (ou não). Estou convencido que as pessoas gostariam muito mais das coisas se outra pessoa não dissesse que elas não iriam gostar. Em geral, as coisas tem potencial para serem bem legais, sabe.

Quando vou para o aeroporto, não tenho receio da segurança, ou das filas, ou da espera. Por quê? Porque não tenho expectativa nessas coisas. E, vamos ser sinceros: a expectativa dessas coisas normalmente é ruim. Então se elas realmente são ruins, você esperava desapontamento e conseguiu. Que maneira triste de se começar o dia.

Quando saio para correr, não espero correr 1,5 km em 6 minutos, mas se eu conseguir, ótimo. E se eu não conseguir, está tudo bem também — eu ainda saí para correr. Se estivesse competindo, isso talvez fosse diferente, mas só estou aproveitando.

Quando um novo iPhone é lançado, nunca fico desapontado por não ter isso ou aquilo. Normalmente fico satisfeitíssimo. Por quê? Porque eu não estava esperando nada além de algo novo. Posso julgar essa coisa quando ela existir ao invés de construir oportunidades para ficar chateado. O número de pessoas que reclamam de algo novo que não existia cinco minutos atrás é uma evidência do poder negativo das expectativas.

"Esse ano vai ser o melhor de todos!!!" WRONG

Indiferente

Você poderia dizer que isso é indiferença. Mas eu terei que discordar de você. Eu não sou indiferente às coisas. Na verdade, tenho muitas opiniões e pontos de vista. Alguns defendidos fortemente, outros menos. Mas eu só considero os desfechos uma vez que acontecem, ao invés de reagir a um roteiro escrito em minha mente depois do ocorrido.

E também não fui sempre assim. Eu costumava estabelecer expectativas o dia todo. Mas ficar comparando a realidade com uma realidade imaginária é cansativo e custoso. Acredito que isso com frequência afasta a alegria de simplesmente experimentar algo pelo que é. Então nos últimos anos eu deixei as expectativas de lado e tenho sido consideravelmente mais feliz e contente.

E o que posso te dizer é: um dia qualquer tem a chance de ser ótimo dia se sua única expectativa é que sol nasça. Experimente pra ver.

***

Traduções é uma série sob curadoria de Breno França publicada semanalmente às quartas-feiras.

A dessa semana foi publicada originalmente em inglês no excelente blog do Basecamp e traduzido para o português por Julia Barreto.


publicado em 26 de Abril de 2017, 00:05
Jason fried

Jason Fried

Fundador e CEO do Basecamp. Co-autor do Getting Real, Remote e do bestseller doo New York Times REWORK. Pode ser encontrado no Twitter.


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