Ouça a narração desse texto pelo player do Vooozer abaixo:
Quando peguei minha filha no colo pela primeira vez, não senti aquela sensação de amor pleno que os filmes e as mães descrevem.
Isso não aconteceu nem na primeira, nem na vigésima vez.
Abrindo meu coração, me sentia um pai inútil. Enquanto a mãe tem um vínculo que começa na gestação, passa pelo parto e continua pelo aleitamento, sentia que tudo que eu fazia, qualquer outra pessoa poderia fazer no meu lugar.
“Se eu passar 1 ano fora, na prática, pra minha filha vai ser indiferente” – eu pensava.
E para ajudar, não conseguia ficar com a Clara no meu colo por mais de 2 minutos que ela já começava a chorar.
Foi lá pro 3º ou 4º mês, quando ela começou a interagir, que a gente criou nosso primeiro vínculo: eu cantava e ela imediatamente arregalava os olhinhos, prestava atenção na minha voz e parava de chorar. Só dava certo comigo.
Parece besteira, mas foi a primeira vez que eu me senti pai de verdade. Eu não era mais o cara que dava banho, trocava roupa, fralda e fazia as coisas de casa enquanto a mãe cuidava da criança. Agora, assim como a mãe, eu tinha um lance só meu e dela, algo que fazíamos juntos e que nós dois gostávamos: a música.
Quando percebi que a cantarolada pra parar de chorar dava certo, tentei colocar um Funk (não o carioca) para rolar nas caixas de som da sala para ver o que acontecia. Percebi que um som dançante do Ben L’Oncle Soul fazia ela entrar num estado de conforto e atenção, arrisquei colocá-la no meu colo e fazer uns passinhos de dança pra lá e pra cá, dançamos umas duas músicas e ela encostou a cabeça no meu ombro voluntariamente pela primeira vez, mudei para um Soul mais tranquilo do Orgone e em 2 músicas ela dormiu no meu colo.
Transformei em um ritual periódico colocar as bandas que gosto para a Clara ouvir enquanto dançava com ela no meu colo, e aos poucos ela foi se sentindo cada vez mais confortável em ficar comigo, encostar a cabeça no meu ombro e dormir.
As dancinhas no colo caminharam para brincadeira de percepções dos sons que ela conseguia emitir com a própria voz e o próprio corpo.
E a medida que a Clara foi ganhando coordenação motora para mexer os próprios braços, ensinei ela a batucar nas superfícies e entender os sons que as coisas fazem.
No aniversário de 1 ano dela, pedi aos integrantes da minha banda Boulevard 02 que tirassem algumas músicas infantis que a Clara gostava e o resultado foi um mini showzinho tocando as músicas do Mundo Bita.
Ela assistiu hipnotizada ao show no colo da mãe.
Com 1 ano completo, levei ela para assistir as bandas que tocam na Avenida Paulista de domingo e a reação foi a mesma de quando ouvimos música juntos: Ela deitava no meu ombro, não dormia, apenas prestava atenção na banda tocando.
Foi o jeito que ela aprendeu a ouvir música com o pai.
Assim que a fala estava mais desenvolvida, a Clara conseguiu tocar seu primeiro instrumento musical não percussivo, um kazoo. Ela entendeu que era só emitir o som num bocal para sair um som esquisito através do instrumento e ficou fascinada.
A primeira gig dela foi registrada nessa foto:
O avô e o tio participaram.
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Hoje, sair com a Clara para ver uma banda tocar ao vivo ou ouvir música na sala de casa virou um momento especial nosso. É, talvez, a hora em que ela se sinta mais à vontade comigo e eu com ela, e isso trás a tona um lado único de serenidade e contemplação. É como se nada mais fosse importante. Ela mergulha na música e se entrega, de corpo e alma.
Da mesma forma, eu me reconectei com a música, re-aprendi a escutar, diminuí meus preconceitos e voltei a ter o hábito que havia perdido da época de adolescência de simplesmente parar tudo para escutar música.
A conexão profunda entre as mães e os filhos é natural, biológica, inexplicável e talvez, impossível de não acontecer.
Mas para nós, homens, não.
Não temos o recurso biológico a nosso favor, precisamos descobrir da nossa própria forma o que vai nos unir às nossas crias. E cabe a nós mesmos tomar essa iniciativa, ou provavelmente nunca iremos nos conectar de verdade aos nossos filhos.
A música foi o meio que eu encontrei não só de criar um elo de confiança entre eu e a Clara, mas também de educar, apresentar o mundo e o meu mundo, encorajá-la a explorá-lo, fazer suas próprias descobertas e lógico, de mostrar um pouco das minhas paixões a ela.
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Escute o Podcast “Balaio de Pais”:
Recentemente participei de um podcast de paternidade, o Balaio de Pais, que é quinzenal e feito por pais que apoiam a paternidade ativa.
Compartilhamos entre nós informações, experiências, dificuldades, dúvidas, alegrias, vitórias e realizações.
O Podcast é relativamente novo, tem apenas 6 episódios, mas já abordou uma série de temas bacanas.
O último no qual participei, falamos sobre agressividade. Você consegue ouvir nesse link aqui.
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Aproveito também para deixar também um beijo para minha professora de canto Juliana Shay que tem deixado as músicas ninar da Clara mais agradáveis.
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