Colo demais “estraga” a criança? Veja a opinião de alguns especialistas

"Vai mimar demais a criança, depois não aprende a se virar sozinha"

Depois do terceiro ou quarto dia que chegamos em casa da maternidade com a Clara, me bateu uma angústia. Eu já tinha ouvido falar que um recém nascido dava trabalho, mas não aquele trabalho. Não era a intensidade ou dificuldade, mas a quantidade de demanda que a Clara pedia da gente.

Comecei a me questionar se ela realmente precisava daquela atenção toda hora, o tempo todo. Já tinha ouvido falar muito por ai que dar muito colo poderia atrapalhar a criança e que em algum momento ela deveria aprender que os pais não vão estar lá para ajudá-la com qualquer problema que acontecer. 

“Depois vira aquela criança mimada, que não sabe se virar sozinha, chama a mãe pra tudo e chora por qualquer coisa.”

Fiquei com essa pulga atrás da orelha e com medo de poder estar “estragando” minha filha. Minha esposa não queria deixá-la chorando por nada e aquilo não parecia estar certo para mim.

Na primeira consulta nosso pediatra, Dr Fernando Lamano, me explicou que o colo não só serve para acolher, mas também ajuda a regular a temperatura do corpo, os batimentos cardíacos do recém nascido e a sentir um pouco a sensação que era estar no útero da mãe.

Fiquei parcialmente convencido. A parte do argumento fisiológico fez sentido pra mim, mas ainda não estava 100% cativado sobre a parte psicológica da coisa. Quem garante que a dinâmica: “chorar para ter o que quero” poderia virar um abuso quando ela fosse um pouco maior?

Então, fiz a quatro especialistas a pergunta: “Colo demais estraga a criança?” e recebi respostas bem interessantes.

Leonardo Piamonte - Psicólogo

Colo demais estraga?

Primeiro teria que entender o que é "demais". O que é demais pra você não é demais pra vizinha. O "demais" ou "de menos" sempre requer uma comparação.

Não há estudos sobre o nível, tempo, intensidade e freqüência do colo ideal. E nunca haverá, pois dar colo é que nem beijar, abraçar ou fazer cafuné. Cada um faz quanto quer e quanto o outro permite.

E o que é esse colo afinal? É só manter a criança nos braços? Nesse caso é bom não dar tanto, pois a criança é uma exploradora, engatinha, sobe, desce pula e se arrasta e se você estiver com ela nos braços o tempo inteiro vai ser ruim pra ela e pra sua lombar.

Agora, se dar colo é acolher a criança quando se sente insegura, abraçar quando se sente só, com medo. Aninhar quando está triste. Então acho que está é faltando um monte de colo nestas nossas sociedades.

Isabella Ianelli - Pedagoga

Quando vemos pessoas dizendo que dar colo demais estraga o bebê, ou que isso deixa a criança mimada, mal acostumada, dá para notar que estamos bem longe de entender um organismo em formação.

Dar colo quando o bebê pede não é mimo: é necessidade. O bebê não tem ainda a menor ideia do que é você e o que é ele. Ele não vai te manipular, ele mal sabe nem o que você tem a ver com essa história.

Dar colo quando a criança pede é oferecer um suporte constante, uma base estável para que esse pequeno ser se desenvolva com a segurança de que tem para quem voltar.

O mundo parece muito simples para a gente (vamos para o trabalho todos os dias, vemos nossos pais uma vez por semana, paramos na padaria e compramos um chocolate quando bem entendemos). Mas para um bebê e para uma criança pequena o mundo é uma aventura desvairada, uma maluquice sem fim.

Sempre me recordo do desenho O fantástico mundo de Bob: se você tem essa mesma referência, dá para lembrar o que é ser criança. É desbravar um mundo muito enigmático. Seu colo é um lugar seguro e um alento para a criança que te pede.

Fred Mattos - Psicólogo

Na minha experiência de pai de uma menina de dois meses, o colo é um momento especial de conexão com ela. Seja na hora da mãe dar o peito e quando eu substituo uma das mamadas da madrugada. Muitas vezes o colo alivia na cólica ou nos momentos difíceis. Não acho que ela fique especialmente "malandra", se é que isso exista, até porque não vejo essa dupla intenção num bebê, a impressão que tenho é que ela é bem tátil, a presença traz segurança e afeto. Isso não atrapalha a mamada, o sono e nem a interação com ela. Se um bebê aconchegado é estragar o bebê, tenho curtido um bebê estragado

Acho que o colo que estraga pode ser aquele que surge de alguma permissividade dos pais no quesito educação da impulsividade problemática. Se o colo for um atalho para atender todos os impulsos da criança sem nenhum critério acho que ela pode ficar geniosa e imperativa, e talvez nesse caso o problema. Mas o colo-afeto não tem como fazer mal

Vania Gato - Pediatra

Em que momento o colo é demais? Qual é o ponto em que a gente percebe que ele ultrapassou e está sendo um excesso? Eu não consigo identificar isso na minha prática.

Algumas pessoas falam que dar colo demais estraga uma criança, mas a verdade é que até agora a gente não conseguiu ver ninguém ser estragado por amor, ser estragado por ter alguém a quem recorrer e ter seu porto seguro. Nunca vi nenhum adulto se queixando por ter recebido tudo isso.

Temos amigos a quem recorremos quando estamos mal, ligamos, conversamos, saímos para tomar uma cerveja, desabafar e isso é uma forma de dar colo. Ninguém vem nos falar “Não vai lá encontrar com seus amigos, você tem feito isso demais, precisa aprender a se virar sozinho”.

Os adultos não fazem isso entre eles, mas fazem isso com as crianças, porque acham que irá torná-las seres humanos dependentes e inseguros, sendo que é justamente o contrário, não ter com quem contar e recorrer é o que nos deixa inseguros com a sensação de abandono.

Colo é bom para todas as faixas etárias, quem não gosta de alguém para nos fazer um jantarzinho e jogar conversa fora quando estamos tristes?

Dar colo nunca é demais, o que é demais é deixar a pessoas em sofrimento, precisando de ajuda, entramos com mecanismos de defesa para se auto-regular e ai vem os transtornos mentais, stress, agressividade, para tentar cobrir um buraco de não ter recebido amor naquele momento.

***

No finalzinho da consulta que citei ali em cima, nosso pediatra, percebendo que eu ainda não estava 100% convencido sobre colo não estragar a criança, falou olhando para mim e para minha esposa.

Podem ficar tranquilos, até hoje não vi nenhum caso de desvio de personalidade por ter recebido colo demais na infância. É mais fácil consertar uma criança mimada que recebeu colo demais do que um psicopata que recebeu colo de menos.

Ele deu um sorriso pra mim, nos acompanhou até a porta e fui pra casa transbordando de alegria com minha filha no colo.

* * *

Um convite especial: venha para o PAI, nosso evento anual sobre paternidade

Já estão abertas as vendas de ingressos pro nosso evento anual, o PAI. Estamos super empolgados de ter a chance de fazer o evento mais uma vez e queremos transformá-lo em uma tradição do Papo de Homem. Como foi um pedido da própria comunidade, esse ano vamos focar em aspectos práticos da paternidade. Tudo o que você precisa saber pra não quebrar cabeça com a rotina da paternidade.

O corpo de palestrantes está lindo. Temos desde algumas mulheres importantes, como a Rita Monte, contando sobre o que os pais podem aprender sobre companheirismo entre pais com os grupos de mães, até o Tiago Korch falando sobre como fica o sexo após a chegada dos filhos, passando pelo Ismael dos Anjos contando sobre como a forma como somos criados afeta a forma como criamos nossos filhos. Vai ser bem bonito!

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publicado em 21 de Março de 2017, 15:45
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Rodrigo Cambiaghi

é especialista em mídia programática, monetização de sites e BI. Reveza o tempo entre filha, esposa, cão, trabalho, banda, moto, games, horta de casa, cozinha e a louça que não acaba nunca.


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