Cinema pornô no centro de São Paulo, a Sodoma underground

Não há vendedores de pipoca na porta, apenas um camelô vendendo óculos de sol. Largo Paysandú, centro de São Paulo, 34º, meio-dia.

No calçadão da Avenida São João, transitam pessoas dos mais diversos tipos. Em grandes cidades como esta, imagina-se já ter visto de tudo, ou quase. Cinema Alvorada, tradicional sala que fazia parte da chamada “Broadway paulistana” até o início dos anos 80, quando foi desativada. Reinaugurada na década de 90, tornou-se uma das maiores casas paulistanas dedicadas à exibição de filmes pornográficos.

Av. São João. No meio disso tudo, há a sodomia underground de São Paulo
cinema pornô no centro de São Paulo

Me aproximei da única bilheteria. O ingresso custou R$3,00. A vendedora é jovem, bonita assim como qualquer bilheteira dos cinemas dos principais shoppings da cidade. Ela me pergunta se sou maior de idade e me pede documento. Após a análise, entrega o ingresso, da sessão do meio-dia. O Alvorada funciona 24 horas. Os filmes em cartaz são: “O jardim do Éder”, “Paty” e “As abertas”, que são exibidos alternadamente na única sala de projeção, onde o espectador pode ficar o quanto tempo quiser.

Ultrapassei a roleta e dei de frente com uma grande cortina preta. Com algum receio, passei por ela e encontrei uma enorme escadaria, semelhante a de algumas igrejas. Paredes laterais brancas, degraus emborrachados. Subi o primeiro lance, com o banheiro do lado direito. Olhando de fora, pode-se ver um grande espelho quebrado.

Dentro, o piso é vermelho feito de lajotas picotadas, os azulejos das paredes são azuis e percebe-se claramente a sujeira impregnada entre eles. A luz é fraca e o cheiro dos boxes é evidente até para quem está ainda longe. Olhando do lado esquerdo da escadaria, vi uma sala enorme e escura, pintada de preto do chão ao teto, com bancos de cimento seguindo por toda a sua lateral, apenas uma pessoa está lá, sentada. Uma mulher, loira, de porte bem avantajado, vestindo uma micro saia e blusinha, ambas rosa claro, provavelmente a espera de algum cliente.

Subindo lentamente mais dois grandes lances da enorme escadaria, encontrei mais uma cortina preta. Abri, agora menos apreensivo, e enxerguei a mais pura escuridão. Meu nariz rapidamente sentiu o forte e enjoativo odor do local, uma mistura de esperma com cloro - esse segundo, utilizado provavelmente na tentativa sem sucesso de diminuir o cheiro do primeiro. Na tela, um pouco menor do que a de um cinema comum, um homem alto e forte apalpa uma morena magra e de poucas curvas, num sofá, ambos de roupa, ainda. Me guiei pelas pequenas luzes das laterais da escada, localizada no meio da plateia. Com dificuldade e tateando com as mãos para não trombar com alguém, sentei na quinta fileira, de cima para baixo.

Os olhos vão se adaptando a pouca luminosidade e comecei a enxergar a sombra de alguns dos espectadores. Na parte central da sala, um homem acaricia as partes íntimas de outro, que já está quase deitado. Duas garotas de programa circulam pela sala, aparentemente oferecendo-se para a minúscula plateia. Uma delas se aproxima, veste um top e uma saia do tamanho de uma toalha de rosto. A moça para e diz: “Quer fazer um programa?”. “Não, obrigado”. Ela segue para o próximo possível cliente. Enquanto isso, no filme, ator e atriz já estão completamente nus.

Cinema pornô no centro de São Paulo

Alguns minutos depois, outra mulher aproxima-se, vestida de espartilho e uma saia um pouco menor. Oferece, de forma chula, um sexo oral. Pergunto o preço: “dez reais”. Recuso e agradeço. Em poucos segundos ela retorna e pede para sentar ao meu lado. Acomodada, me faz uma oferta - mais uma vez com linguajar impublicável - uma promoção de duas chupadas por apenas quinze reais. Nego e lhe agradeço mais uma vez. A moça diz trabalhar somente no cinema e presta serviços a seus clientes ali mesmo.“Qualquer coisa é só chamar”. Levanta e vai embora.

O forte cheiro e o calor pela ausência do ar condicionado começam a embrulhar o estômago. O rangido das poltronas balançando é constante. Percebo a aproximação de um homem, ele para na minha frente. Franzino, moreno, de cabelos bem curtos, veste uma camisa social preta de manga comprida, calça marrom, sapato social e uma bolsa masculina, também preta; de joelhos levemente dobrados, com os pés virados um para o outro e roendo as unhas, solta uma voz fina, extremamente afeminada, quase infantil. Me oferece o mesmo tipo de habilidade que as outras duas garotas de programa. Minha resposta é o já repetitivo “não, obrigado”. Ele insiste, quase que implorando: “mas é de graça!”. Nego novamente, com veemência maior, e ele se vai.

O filme continua sem cortes e com a qualidade cinematográfica dos piores vídeos amadores que se possa encontrar na internet. O ator não diz uma palavra e a atriz emite gritos e pedidos de persistência dignos do Framboesa de Ouro. Um senhor - cabelos brancos, camisa e calça social - entra timidamente na sala, senta-se nas fileiras da frente, rapidamente uma das garotas senta-se ao seu lado, conversam por alguns minutos - possivelmente negociando –, ela levanta e se vai, sozinha.

Mais uma vez, o tímido rapaz de camisa preta se aproxima de mim e, para a minha desconfiança, ele caminha lentamente rodeando a minha poltrona. De repente, de forma aflita, me implora para que eu aceite seus serviços, especificando que não cobrará por nada. Nego com certa estupidez e ele se vai.

Na tela, o ator chega ao final de seu trabalho, o único som que se escuta da platéia é o salto alto de uma das garotas de programa que caminham pela sala. O filme termina e, com um truque de computação gráfica típico da década de 70, dá-se início mais um filme.

Cinema pornô no centro de São Paulo

Levanto-me, desço a escada em meio à platéia e caminho em direção as cortinas que cobrem a saída. Após abrí-la, já não sinto mais o forte cheiro da sala, apenas um forte calor pela pouca circulação de ar. Desço tranquilamente a longa escadaria, olhando novamente para o grande pátio escuro e vejo que não há mais ninguém.

Cruzo com a moça que me fez a oferta por irrisórios quinze reais. Ela se despede com um aceno e diz: “tchau, lindo”. Chegando ao pé da escada, abro a última cortina e a forte luz do Sol me cega por alguns pequenos segundos.

Sinto o ar puro e refrescante dos 34º do cinzento e poluído centro de São Paulo, o que é pouco para aliviar o ainda forte embrulho no estômago. A perversão sexual decadente no centro da cidade não é pra qualquer um não.


publicado em 20 de Maio de 2012, 21:03
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Leo Morato

Leo Morato é jornalista, paulistano e amoral. Já praticou todas as posições do baixo escalão do mercado de comunicações, é um racionalista extremista e gosta quando as mulheres lhe chamam de forma carinhosa de "bobo", como, por exemplo quando toca 'Surf in USA' com seu air-sax. Twitter: @leomorato.


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