Chimamanda Ngozi | Mulheres que você deveria conhecer #9

“O problema com os papéis de gênero é que eles prescrevem como nós devemos ser ao invés de reconhecer como nós somos.”

Mulher, negra, feminista e nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie é uma daquelas escritoras que veio para quebrar vários tabus de uma só vez. 

Além de ser independente em um país onde as mulheres mal podem andar sozinhas, Chimamanda mostra ao restante do mundo uma realidade bem diferente do que se costuma ver nas televisões: uma Nigéria que luta, que estuda, que ama e que sofre mais por preconceito do que por sua própria realidade.

Se posicionando contra uma sociedade racista e misógina, ela nos mostra que vale a pena correr atrás do que se acredita e, acima de tudo, confrontar nossos próprios preconceitos.

Infância

Nascida em setembro de 1977, Chimamanda Ngozie Adichie cresceu em um campus universitário no leste da Nigéria chamado Nsukka. Com família de classe média, seu pai era professor e sua mãe administradora. Leitora e escritora precoce, seus pais afirmavam que Chimamanda começou a ler aos dois anos, mas ela diz que quatro anos é mais próximo da realidade. Independente da idade, o que não se pode discutir é que seu talento para a escrita começou bem cedo, já aos sete anos.

Seu amor pelos livros teve início com autores estrangeiros, mas eles a faziam pensar que pessoas como ela não poderiam existir na literatura e, por isso, escrevia sobre o que lia: pessoas brancas de olhos azuis e cidades cobertas por neve. Achava que bons livros deveriam ser exatamente sobre coisas com as quais ela não pudesse se identificar. Um tempo depois, descobriu produções africanas e percebeu que pessoas como ela, que não podiam fazer rabos de cavalo e que tinham “cor de chocolate”, também poderiam existir. Foi quando seu estilo mudou e ela passou a escrever sobre o que reconhecia.

Sabe aquela história que nossos pais nos contavam na infância quando desperdiçávamos comida “você está jogando comida fora enquanto tem crianças na África passando fome”? Com Chimamanda não era diferente. Apesar de ser nigeriana, ela não lidava com pessoas passando fome e animais selvagens em seu quintal. O acesso que ela teve a pessoas mais pobres foi quando, aos oito anos de idade, seus pais colocaram um menino para ajudar em casa. Depois disso, sempre que ela não queria comer, não gostava de uma roupa ou desvalorizava algo, sua mãe a lembrava da família deste menino, que não possuía bens.

Juventude

Quando completou 19 anos, Chimamanda foi para os EUA fazer faculdade. Lá, dividia o quarto com uma colega cheia de pré-conceitos em relação  aos africanos. Desde o início se espantou com a fluência da nigeriana na língua inglesa, pois imaginava que ouviria algum dialeto tribal. O que ela não sabia é que, na Nigéria, se fala inglês!

Munida de estereótipos hollywoodianos, a colega de quarto imaginava que Chimamanda não conhecesse nada de cultura pop americana e já estava preparada para se deparar com uma mulher pouco alfabetizada e totalmente assustada com a “cidade grande”, possuindo uma piedade típica de quem se acha superior. Para ela, a África era um país (não um continente) constituído apenas de pessoas subnutridas e ignorantes, sem possibilidades de conexões com humanos, inferiores.

Na faculdade, Chimamanda ouvia críticas sobre a falta de “africanidade” em seus textos, pois possuíam personagens africanos de classe média que dirigiam, estudavam e não estavam morrendo de fome. Foi quando ela viveu uma sensação de não-pertencimento, já que escrevia sobre sua realidade e não sobre o que os autores ingleses do século passado falavam que era a África. O que eles não entendiam era que resumir um continente enorme a uma de suas realidades retirava a autenticidade de qualquer escrita diferente disso.

“O problema com esterótipos não é que sejam mentiras, mas verdades incompletas.”

Feminismo

Aos 14 anos, em meio a uma discussão e em tom acusatório, Chimamanda foi chamada de feminista pelo melhor amigo. Aquela havia sido a primeira vez e ela não sabia o que a palavra significava, mas negou veementemente, prometendo a si mesma procurar o conceito assim que chegasse em casa.

Com o passar dos anos e de frente a uma realidade em que a mulher recebe salários menores, não é reconhecida e, em alguns lugares da Nigéria, sequer pode andar sem a presença de um homem, se aceitar feminista não foi difícil.

Em 2012, participou de uma conferência no TEDxEuston chamada “Sejamos todos feministas” e escreveu um livro homônimo sobre este momento. Lá ela conta que, ao publicar seu primeiro Romance “Purple Hibiscus” (Hibisco Roxo, em português), ouviu uma crítica afirmando que  ele possuía um teor feminista. Então, foi aconselhada a não se denominar assim, já que as feministas seriam mulheres não-africanas, que odiavam os homens e eram infelizes por não arranjarem maridos.

 

Assim, ela se definiu como “feminista feliz e africana que não odeia homens e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma, e não para os homens”.

Algumas pessoas me perguntam: “Por que usar a palavra ‘feminista’? Por que não dizer que você acredita nos direitos humanos, ou algo parecido?” Porque seria desonesto. O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral — mas escolher uma expressão vaga como “direitos humanos” é negar a especificidade e particularidade do problema de gênero.

Livros (e porque você deveria lê-los)

Sabe quando a gente diz que “ler é viajar para outras realidades”? Chimamanda faz exatamente isso! Com uma leitura fácil e extremamente gostosa, ela conta histórias com personagens super interessantes, realidades diferentes das que costumamos encontrar nas livrarias, e o mais bacana: depois de conhecer um pouco da história dela, a gente percebe que ela escreve sobre o que viu e viveu.

Com três romances com versões em português publicados pela Companhia das Letras, Meio Sol Amarelo (vencedor do Orange Prize, adaptado ao cinema em 2013 com filme homônimo) foi o primeiro deles, contando a história da criação de Biafra, um estado secessionista da Nigéria, e a guerra que veio com ela; também fala de amor, traição e sentimentos de justiça em relações com personagens interessantíssimos de diversas classes sociais. Hibisco Roxo fala sobre religiosidade, amores proibidos e até que ponto o fanatismo religioso pode levar alguém (o que não é muito diferente do que já vimos no Brasil). Americanah dá uma nova visão do racismo, de uma forma totalmente diferente, contando a história de uma mulher nigeriana apaixonada que foi tentar a vida nos EUA e percebe que sua cor pode influenciar na maneira como as pessoas a vêem.

Por essas razões, dentre tantas, Chimamanda é uma daquelas autoras que todo mundo deveria ler, ouvir e conhecer.


publicado em 07 de Setembro de 2016, 12:00
Anne

Anne Mendes

A Anne Mendes é designer com formação em Publicidade e pós graduação em Artes Visuais, percussionista e feminista, adora novidades (típica sagitariana) e é viciada em tatuagens. Tem dois filhos felinos, luta krav magá, gosta de pedalar e está sempre inventando novos hobbies. Sócia da Loja Mania de Papel, adora desenhar letras e é apaixonada por tudo o que faz.


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