00h14. Fundo do ônibus.

Eu olhei o relógio do celular sem tirá-lo completamente da bolsa, cuidando para que ninguém visse o aparelho. Semana passada foram três casos de assalto naquela linha. Sentei ali porque, quando entrei, era o único lugar vago, e as minhas pernas, indo da vertical para a diagonal há doze horas, pareciam aquelas bisnaguinhas que eu tinha amassado no café da manhã.

Já passava pela minha cabeça a voz da minha mãe dizendo que ir pro fundo é pedir pra ser assaltada, acompanhada pelas mãos em posição de ordem, com o indicador apontando pra mim.

Eu nunca aprendo.

A mulher sentada do meu lado direito se levantou e, tentando equilibrar as sacolas cheias nas duas mãos, apertou o sinal; aquele barulho fino e baixo parecia gritar só pra mim. Senti a freada brusca, a porta abriu e a mulher foi. Ela foi e eu fiquei contando.

Eram 10 pessoas ali dentro e, daquelas, 9 estavam com fones de ouvido. O que sobrou era o homem que estava ao meu lado no fundo do ônibus. Dá pra imaginar o quanto repetir essa frase em voz alto me transporta para aquela situação e me faz querer correr de lá o mais rápido possível? Um cara ao meu lado no fundo do ônibus. Só eu e ele.

Pode ser um assalto. Pode ser uma arma. Pode ser um abuso. Mas pode ser só aquela presença. A sensação de que absolutamente ninguém tá te enxergando. Pode ser uma puxada de assunto pra terminar em uma cantada barata. Podem ser aqueles braços cruzados, a cara fechada, a testa franzida, a barba mal feita, o capuz cobrindo o cabelo, a perna tão, tão aberta que quase me empurra para o banco do lado. O banco do lado.

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Será que se eu passar pro banco do lado ele vai achar estranho? Ele pode se ofender.

Ele deveria se ofender.

Marco, 22 anos.  Voltando da faculdade. Trabalhou o dia inteiro, e sentou ali porque suas pernas, indo da vertical para a diagonal há doze horas, pareciam aquele pão amanhecido com manteiga que ele amassou na panela as cinco da manhã.

Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série <a> Nossa História Invisível</a>