Dizia eu terça-feira passada que o consumo de carne está associado a uma série de prejuízos à nossa saúde – em grande parte devido ao aumento exponencial do seu consumo nos últimos tempos.
Saindo de uma perspectiva puramente individual, o consumo de carne também gera impactos ao meio-ambiente – o que afeta a todos nós, coletivamente. Eu não vou adentrar a questão do “aquecimento global”, porque há evidências fortes de que, independentemente do que façamos, o aquecimento vertiginoso do planeta é um fenômeno cíclico, que já se repetiu em eras anteriores (talvez com menos rapidez, mas enfim).
Então focarei apenas em (i) água; (ii) poluição; e (iii) destruição de florestas e mata nativa. Todos os dados e informações que trago aqui foram retirados do relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations, Livestock’s Long Shadow – environmental issues and options, 2006). As seções do relatório estão linkadas nos títulos respectivos.
Água: líquido precioso
Àqueles que amaldiçoaram ter de tomar banho de canequinha durante a crise do Cantareira, ou que só tinham, pela manhã, o suficiente para escovar os dentes, saibam que a pecuária é uma das atividades industriais que mais consome água. Cada quilo de proteína bovina exige, em média, 100.000 litros de água, caro telespectador (a título de comparação, 1kg de frango = 3.500 litros; 1kg de soja = 2.000 litros).
A contaminação da água pela pecuária é ainda um problema sem solução. As toneladas de excremento, contaminadas por hormônios, antibióticos, medicamentos e até metais pesados são direcionadas para lagos artificiais e, em última instância, aos lençóis freáticos. Ou seja, não bastasse termos apenas 3% de água potável no mundo, ainda estamos contaminando o pouco que temos com… cocô de vaca.
A poluição tem mais fontes do que você imagina
Você sabia que o maior emissor de poluentes não é o setor de transportes?
Por mais que a poluição de carros, caminhões, navios e trens chegue a 13% do percentual da poluição mundial, a pecuária – grande vencedora – é responsável por nada mais, nada menos que 18% da emissão de poluentes no mundo.
Sem falar na utilização de combustíveis fósseis: a produção de proteína animal exige oito vezes mais energia, se comparada à produção de proteína vegetal.
Destruição de florestas e mata nativa
Ao contrário do que a maioria dos comedores-de-carne alega, não é o vegetarianismo a causa de “estarem acabando com a Amazônia para plantar soja”. Aliás, 33% da agricultura mundial é utilizada para alimentar animais destinados ao abate, sendo que aproximadamente 70% das terras produtivas no mundo são utilizadas nesse processo.
O processo de produção de 1 quilo de carne demanda o consumo, pelo animal, de 5 a 10 quilos de cereais. Não é preciso ser muito bom em matemática para notar a ineficiência desse tipo de proteína (lembrando aos desavisados que grãos e cereais também têm proteína – e tão bem absorvida por nós quanto).
(Spoiler surpreendente: se algo como 40% dos cereais utilizados hoje para alimentar animais fossem redirecionados para o consumo humano, seria possível alimentar “apenas” 9 bilhões de pessoas, segundo a FAO).
As florestas (e a caatinga, e o cerrado – que já perdeu mais de 1 milhão de km2 para a agricultura) têm sido destruídas para (i) abrir espaço para pastagens e (ii) plantio de grãos e cereais que servirão de alimento ao gado. Portanto, não cola dizer que são os vegetarianos a causa do desmate da Amazônia.
Para aqueles e aquelas que justificam o consumo (excessivo ou não) em uma escolha puramente individual, deixo-vos os impactos comuns a todos nós.
E não percam as esperanças! Semana que vem, teremos o último capítulo desta série – e, cá entre nós, o meu personal favorite – abordando o que está ao seu alcance nesse cenário… ahrm… ruim.
Hasta la vista, señores!
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Para ler mais sobre os efeitos do consumo excessivo de carne
Livros
Comfortably unaware: what we choose to eat is killing us and our planet, por Richard Oppenlander.
In Defense of Food, por Michael Pollan.
O Dilema do Onívoro, por Michael Pollan.
Diet for a small planet, por Frances Moore Lappe.
The Ethics of what we eat: why our food choices matter, por Peter Singer.
Animal liberation: the definitive classic of the Animal Movement, por Peter Singer.
Meatonomics: how the rigged economics of meat and dairy make you consume too much, por David Robinson Simon.
Eating animals, por Jonathan Safran Foer.
Eat like you care: an Examination of the Morality of Eating Animals, por Gary Francione.
Documentários
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Para ler mais da série Por que vivo sem carne:
Seu churrasco e seu bife são mais prejudiciais do que você imagina ou Por que vivo sem carne #1
E se eu quiser mesmo mudar meus hábitos? ou Por que vivo sem carne #3
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