Por que estamos fazendo terapia com o ChatGPT?
As inteligências artificiais estão entrando na nossa rotina de modo compulsório e, diante disso, algumas áreas importantes estão sendo invadidas por essa tecnologia e nem sempre estão trazendo vantagens, como é o caso da saúde mental. 

É certo que a falta de acessibilidade de populações mais vulneráveis economicamente à terapia pode ser a principal causa desse fenômeno, mas há outros pontos importantes sobre os quais precisamos refletir.

1 – O ChatGPT não é terapêuta, é massageador de ego

Ele passa a mão na nossa cabeça e “dá dicas” sem fazer intervenções estruturais. As Inteligências Artificiais parecem estar mais inclinadas a dizer o que o usuário quer ouvir do que apontar questões relevantes para o seu estado emocional. Além disso, o conteúdo gerado como resposta por IAs pode induzir crises em usuários, pois não há nenhuma responsabilidade ou compromisso ético posto nessa relação.

2 – Recorrer ao ChatGPT pode ser uma fuga

Somos corajosos, geralmente, quando isso envolve sair na porrada com outro cara e em outras situações externas, mas a coisa muda de figura quando o contexto são os nossos conflitos internos. Essa coragem diminui. Recorrer ao ChatGPT, talvez, seja uma forma de a gente se esconder, fugir da possibilidade de ser provocado a entrar em contato com as nossas questões complexas. Temos medo de nos abrir para alguém, de nos repensar e de chegar à conclusão de que temos várias coisas para mudar.

3 –  A Inteligência Artificial amplia a nossa solidão

Nossa história evolutiva não mente, as relações sociais foram fundamentais para a sobrevivência e adaptação da nossa espécie. Sendo assim, na psicoterapia, o vínculo entre terapeuta e paciente é fundamental, pois gera conexão, aprofundamento, afeto, resultando no sucesso do tratamento. Se isolar na frente de um computador e desabafar em um chat não produz o vínculo humano crucial e insubstituível da psicoterapia.

4 –  O rigor e os critérios das Inteligências Artificiais são frágeis e questionáveis

É fato que as IAs se alimentam de grandes volumes de dados para oferecer respostas aos usuários. E isso inclui não apenas informações confiáveis, mas também conteúdos pseudocientíficos, tendenciosos ou ultrapassados. Recorrer a uma IA como terapeuta é se expor ao risco de receber orientações baseadas em métodos obsoletos, superados, ineficazes ou até perigosos.

5 – Empatia? As IAs negligenciam as suas singularidades

Exercer a empatia é uma prática fundamental para um bom andamento clínico e desafiadora de se aperfeiçoar, ainda que haja boa intenção. Empatia diz respeito à capacidade não somente de “se colocar no lugar do outro”, mas de abdicar da sua visão de mundo, gostos, preferências e buscar utilizar as lentes, as métricas do outro para contemplar alguma situação.

IAs até podem simular alguma empatia artificial, mas o viés dos dados que as treinam, a incapacidade de experimentar emoções reais e de ter interações sensoriais com o mundo acabam sendo um obstáculo permanente que deixa de levar em conta a singularidade do seu usuário no seu aspecto mais sensível e subjetivo.

Certamente, as orientações que você recebe com uma roupagem de psicoterapia são padrões generalistas replicados para centenas de milhares de usuários com demandas parecidas, mas que jamais serão iguais. A particularidade do indivíduo faz toda a diferença no processo terapêutico. 

6 – Não há sigilo clínico e privacidade na relação com IAs

Psicólogos são obrigados a seguir protocolos éticos bem definidos e estruturados com rigor, além de estarem sujeitos a sofrerem consequências judiciais sérias no caso de violação desses princípios éticos. Tudo isso acontece visando assegurar a eficiência do serviço de saúde prestado e também preservar a segurança dos pacientes. 

O sigilo clínico é um desses pilares que visa garantir a confidencialidade das informações compartilhadas entre psicólogo e paciente durante o processo terapêutico, tornando o ambiente seguro e permitindo que o profissional atue de forma mais abrangente possível. IAs não possuem qualquer regulamentação acerca do sigilo clínico, as informações ali confiadas passam a ser propriedade de uma empresa privada. A partir daí, suas informações íntimas estarão sujeitas a vazamentos e aos interesses das grandes corporações. Você se sente seguro?

7 – A psicoterapia tem um caráter propositivo:

IAs são “ferramentas respondentes”, ou seja, elas oferecem seus serviços somente se o usuário inserir um prompt, fizer uma solicitação, diferentemente do que pode ocorrer em um processo psicoterapêutico. O psicólogo deve buscar, sempre que possível, adotar um caráter propositivo a ponto de, inclusive, superar as limitações de percepção associadas ao transtorno ou às queixas do paciente.

Dificilmente uma IA vai ter uma análise crítica que aponte duras verdades e contradições do usuário. E esses são movimentos muito importantes em um processo psicoterapêutico.

8 – O ChatGPT não está preocupado com a sua autonomia

Em qualquer processo psicoterapêutico sério, há a preocupação e o cuidado em promover e incentivar a autonomia do paciente frente às questões que o motivaram a buscar terapia. Ao longo do caminho, é fomentada a criação e o desenvolvimento de habilidades que tornem o paciente capaz de gerenciar situações emocionalmente desafiadoras. Tudo isso é possível graças à continuidade do processo, no qual se considera a evolução desde a primeira sessão até a alta clínica, de forma “amarrada”, conjunta. 

As IAs parecem ter maior poder de auxílio em situações pontuais, momentâneas. Além disso, não demonstram qualquer preocupação diante da possibilidade de o usuário passar a utilizá-las como uma alternativa que o afaste da própria responsabilidade para com a sua saúde mental, transformando a ferramenta, a longo prazo, em um refúgio temporário e superficial para as angústias pessoais. Uma “chupeta psicológica” no lugar de um “desmame estratégico”.

A terapia nos convida a refletir, com profundidade, ética, cuidado e responsabilidade, sobre nossas ações e emoções. Ela nos ajuda a compreender, ressignificar, dar novas respostas e construir novos caminhos e possibilidades.

Por isso, não substitua a terapia por Inteligência Artificial. Procure um psicólogo.

Algumas instituições que oferecem o serviço de saúde mental mediada por humanos com valor acessível ou gratuito:

UBS – Unidades Básicas de Saúde

CERSAM – Centro de Referência em Saúde Mental

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CVV – Centro de Valorização da Vida

Clínicas escola do curso de Psicologia nas universidades públicas e privadas

Texto produzido em parceria com João Paulo Morais, psicólogo clínico (CRP- 04/64231), pós-graduando em neuropsicologia (UNA) e terapia cognitivo comportamental (PUC-MG). Através da clínica online, atende adolescentes e adultos com atenção especial à saúde mental do público masculino em toda a sua diversidade.

Andrio Robert Lecheta

Palestrante, Professor, Mestre e Doutor em Educação (UFPR) com pesquisas sobre masculinidades. Atualmente trabalha no departamento de Comunicação do Instituto PDH liderando a equipe editorial.