Eu demorei a entender que aquilo que todo mundo sempre me falou, “você é muito sociável”, “nossa, você se dá bem com todo mundo”, podia ser usado em meu favor. Sempre julguei que essa “habilidade” me fosse algo intrínseco (e é!), que eu não deveria (ou poderia) trabalhá-la sistematicamente em outras áreas da minha que não só nas amizades.
Ledo engano. Nosso querido amigo, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que viveu até o início deste século, ao analisar o comportamento humano nas relações escolares, teorizou que nas salas de aula (todas) criou-se, ao longo do tempo, um microcosmo social, ou seja, quem tem o maior conhecimento, quem senta no fundo, quem senta na frente, quem tira as maiores ou as menores notas, o mais rico ou o mais pobre – e tantas outras variáveis – é, de alguma forma, colocado automaticamente em alguma caixa de classificação (o nerd, o bagunceiro, o CDF, o puxa-saco…).
Trago essas duas pensatas para discutirmos os capitais humanos. Ou seja, características inerentes da nossa personalidade que, dependendo de suas vivências, são afloradas ou reprimidas como características marcantes da nossa personalidade para a vida toda.
Eu, por exemplo, pela passagem do início, tenho capital social alto. Mas ao entender melhor o tema, passei a observar se essa minha propriedade não me atrapalhava, de alguma forma, quando não combinada com outra. Explico: em algumas entrevistas de emprego, já optei por ser o mais natural possível, com jeitinho despojado, um pouco sarrista, e saí achando que seria o candidato escolhido. Ao receber os posteriores “nãos”, sempre me questionei o que eu poderia ter feito de errado. A resposta me parece algo como: “talvez você devesse ter sido um pouco mais político, mais atraente ou demonstrado outros capitais em você, Danilo”.
Da mesma forma, candidatas a Miss não ganham concursos “apenas” pela sua beleza. Para explorar outros campos, o júri as faz as perguntas sobre economia e paz mundial.
E, assim, acontece em todas as situações da vida. Há pessoas que têm o dom da oratória, de mover multidões, de convencer por meio da mídia. São os "políticos". Mas ele por si só, fatalmente, não funciona sozinho. Temos diversos exemplos na história. Há que se ter um jogo de cintura para além de ser político. Há que se trazer à tona seus conhecimentos culturais, demonstrar, em alguns momentos, que você (ou a federação que você representa) é dotada de algum capital econômico ou financeiro.
Isso tudo diz muito respeito, claro, a como a sociedade te enxerga e te classifica. “Não há dúvida que o julgamento que damos às pessoas não leva somente em conta a aparência em si, mas também a roupa, a conduta (...)”, comentou comigo semana passada o Anderson Martiniano de Souza, terapeuta cognitivo comportamental, indicado pela minha terapeuta para discorrer sobre os tais capitais humanos comigo.
Assim, a formação da carreira, das instituições e dos indivíduos se dá por meio dos capitais. “As empresas têm um capital financeiro, mas se ela não tiver um capital humano que possa produzir inovação, ela não consegue se sustentar” foi outro exemplo cotidiano dado pelo Anderson.
Capital social: nosso poder de circulação
Nos dias em que as redes sociais praticamente pautam nossas vidas, quem tem capital social acaba por conseguir falar para mais pessoas ou reunir um número maior de ouvintes. Isso não necessariamente quer dizer que a plateia concordará – ou discordará – do que você está publicando. Mas, fatalmente, quem desenvolve o capital social ao longo da vida tem facilidade (com o perdão do óbvio) de socialização.
Quando falamos sobre a definição de personalidade (baseados na Teoria dos Esquemas, do psicólogo americano Jeffrey Young), entendemos que é por meio das interações com o meio e as pessoas que o indivíduo cria certas características em detrimento de outras. Tudo o que for mais reforçado ao longo das experiências acumuladas virá à tona com mais facilidade.
Ao contrário dos “dotados de capital social”, há pessoas que têm dificuldade de se comunicar. Esse freio pode estar relacionado à infância, à formação intelectual e de caráter. Ou seja, os pais podem ter exigido uma disciplina rigorosa quando criança e, por isso, ela pode ter alguma dificuldade em se expor e só o fará (ou o faz) quando tem extrema segurança da posição que está tomando. Pessoas com capital social mais frágil, muitas vezes, se encontram nas artes, que é onde podem trazer suas personas mais escrachadas, a exemplo de Cássia Eller e tantos outros.
“Nós podemos ter um capital plural, como podemos ter só um capital por milhões de questões da nossa própria história” - Anderson
Indivíduos dotados de capital social elevado devem tomar certo cuidado com a exposição extrema, principalmente em grupos que não dominam. O ambiente profissional, muitas vezes, pode exigir uma dosagem um pouco maior de capital cultural (o que temos de conhecimentos acumulados) e, até mesmo, de capital financeiro, no sentido de demonstrar o quão bem sucedidos somos, além de falantes e bons autopropagandistas.
Capital político: oratória, persuasão e articulação
Delicadíssimo tratar desse capital em um momento de tamanha ebulição das lideranças e eleitorado nacionais. Meu (já) amigo Anderson alerta que o indivíduo é uma troca de experiências de vida e que a soma delas é que vai definir sua personalidade. Ou seja, polarizarmos conversas pelas opiniões acaloradas, do ponto de vista da psicologia, não é, definitivamente, o melhor caminho a seguirmos todos, enquanto sociedade.
Dito isto, vale expor também que o capital político não é uma propriedade apenas de quem está efetivamente ligada a movimentos e partidos políticos. Como já deve estar claro, trata-se de uma propriedade de comportamento das pessoas que se dão bem nas relações que exigem certa negociação e persuasão. Este é um capital muito ligado à oratória também.
O capital político pode vir à tona ainda naquele primeiro encontro com os pais da namorada ou namorado. É durante o jantar de “muito prazer, eu trabalho, sou honesto e quero fazer a cria de vocês feliz” (existe isso ainda?), que, além do capital social, somos convidados a usar nosso poder de convencimento e apresentar nosso “programa de governo” da forma mais convincente possível. Esse exemplo, aliás, talvez seja um dos que mais exige dos nossos capitais, pois de nada adianta a boa propaganda, a boa conversa, se a aparência (um dos pontos do capital erótico) não convencer “os pais da noiva (o)”.
Capital erótico: não é só 50 Tons de Cinza
De todos os capitais, este é o mais recente a ter sido “conceituado”. Contrariando Bourdier – que defendeu que para funcionarmos como sociedade, devemos usar apenas três variáveis de capitais: social, cultural e econômico –, a socióloga britânica Catherine Hakim acrescentou as propriedades sensuais de nossa personalidade (capital erótico) nessa equação.
O capital erótico não está exclusivamente ligado ao sexo, mas nele também. É mais correto dizer que a sedução define essa vertente de nossas personalidades e, consequente, mas não necessariamente, o sexo.
E, aqui, entramos nas questões mais moralizantes da sociedade. Afinal, por que houveras de ser a sensualidade menos importante (ou menos decente) do que outros campos da mente humana? O que seriam das acompanhantes se elas não soubessem fazer uso de seu capital erótico, por exemplo?
Para Hakim, aliás, as mulheres têm esse capital naturalmente mais aflorado. A socióloga justifica que a fertilidade está intimamente ligada a esta constatação. Em outras palavras, o capital erótico chama mais atenção de homens em relação às mulheres, do que vice-versa.
Todavia, muitos homens (os charmosos, desejados, de olhar atraente) ao redor do mundo fazem usa deste capital em seu modus vivendi, a ver David Beckham e Idris Elba.
Interessante é que, se pensarmos que quem tem capital erótico aflorado se dá bem em todas as áreas, estamos definitivamente enganados. É comum que pessoas que usam desse capital de forma mais sistemática, sejam mais tímidas ou tenham menos capital social e político, por exemplo. O erótico aliado ao econômico, por exemplo, podem fazer uma boa dupla na hora da sedução. Há quem prefira, claro, (eu, por exemplo), o erótico aliado ao cultural.
Em artigo do El Pais, a investigadora Olivia Muñoz-Rojas discute com maestria (por isso seria injusto eu não compartilhar com vocês) o uso do capital erótico pelos homens políticos, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, Sarokozy, Obama e, até mesmo, o perigote das mulheres no início da década de 90, Fernando Collor.
Em passagem deste texto, Olivia nos apresenta uma polêmica de Hakim: para as mulheres (as feministas, principalmente) é necessário questionar os valores tradicionais para fazer bom uso do capital erótico. Caso não façam, correm o risco de ficarem para trás. Indico a leitura.
Conversando com uma amiga sobre capital erótico semana passada, ela me trouxe um questionamento: o mundo é movido por sexo! Tudo é desejo! Desejo de poder, desejo de sentir bem! Tudo isso está relacionado à sensualidade e é aflorado em muitos momentos da nossa vida.
Tomemos cuidado apenas na dosagem deste capital em situações que podem não ser as mais adequadas para tal. Volto ao exemplo da entrevista de emprego.
Capital financeiro ou econômico: aos bem sucedidos
Não somos só riqueza. Óbvio que não somos! Mas em determinadas situações (e, aqui, não consigo ser imparcial, vou dizer “infelizmente”) o que temos e nossos bens acumulados vão acabar contando para o que as pessoas vão achar de nós, seja no trabalho, no círculo social ou na nossa formação.
Mas a discussão acerca de capital financeiro pode começar antes. Vou me restringir a como esta propriedade familiar, digamos assim, pode interferir na formação de capital cultural, por exemplo. Veja: uma criança de família classe média terá, via de regra, a chance de estudar nos melhores colégios, que ensinam mais de uma língua desde muito cedo e oferece diversas atividades extracurriculares. Já um aluno de classe média baixa, não terá tal oportunidade efetivamente. A não ser que corra muito atrás.
Para Bourdier, o capital econômico está ligado à competição entre indivíduos e grupos por posições sociais. Ou seja, não temos como fugir das calorosas discussões atuais: política e luta de classes.
Um indivíduo mais provido de renda deverá (ou deveria) atentar-se aos outros capitais, enquanto componente da sociedade, para que ele não seja tachado “nariz empinado”. Já o menos favorecido economicamente tende a apropriar-se dos outros capitais (mais facilmente aflorados) para se fortalecer nessa “batalha”.
O equilíbrio de uma balança de vários lados
Todos somos capazes de desenvolver os diversos capitais em nossa personalidade. Eles estão zerados em nós quando nascemos. Tudo está ligado às nossas vivências e o uso delas nas situações a serem ainda vividas.
Dosar tais vertentes não é das tarefas mais fáceis, exige exercício e autoavaliação constantes, mas é certamente válido para quem quer ser alguém que atinge objetivos preestabelecidos em suas listas de conquistas para a vida.
Mecenas: O Negócio 3ª Temporada
Na vida você precisa saber equilibrar bem seus capitais para alcançar seus anseios no amor e nos negócios. Saber dosar o capital erótico com o social para fazer crescer exponencialmente o seu capital financeiro é uma baita jogada.
Três garotas de programa souberam fazer isso muito bem isso e conseguiram um sucesso além do imaginável em suas profissões. A terceira temporada de O Negócio, da HBO, continua a saga de quem se utilizou além do capital erótico para se dar bem.
Dinheiro, intriga, jogos de poder e sexo. Após revolucionarem o mundo das acompanhantes de luxo em São Paulo, as três mulheres precisam lidar com a incerteza e os conflitos afetivos e legais relacionados à Oceano Azul. Além disso, fantasmas do passado ameaçam o futuro das moças.
O primeiro episódio dessa temporada está disponível no Youtube oficial da HBO.
O Negócio. Todo domingo, só na HBO.
publicado em 28 de Abril de 2016, 00:10