Câncer de testículo: um relato

A intenção desse texto não é assustar ninguém, mas apenas compartilhar com os leitores PdH a visão de alguém que recentemente venceu uma batalha e se sente na obrigação de informar sobre o problema. Até porque o câncer de testículo é um dos poucos tipos que partem do princípio de cura e não de sobrevida – com uma média de 95% de chances de cura mesmo com metástase instalada.

É deste problema que o ciclista Lance Armstrong e o jogador brasileiro de basquete Nenê, do Denver Nuggets, sofreram. Agora ambos vão muito bem.

Aviso que não sou médico. Todo o conhecimento exposto aqui veio da vivência do problema. Já que não tenho cacife para esclarecer dúvidas científicas, apenas explico o meu ponto de vista e deixo a parte casca grossa com o Dr. Health para que auxilie quem tiver dúvidas nos comentários.

Descobrindo os nódulos

Em outubro de 2008, quando estava morando na França, notei dois nódulos na extremidade do meu testículo esquerdo, indolores e assintomáticos, descobertos pela velha mania masculina de “coçar o saco”. Levei muita sorte, pois na maioria dos casos o tumor cresce no interior (miolo) do testículo e é mais complicado diagnosticar o problema antecipadamente.

Quando o tumor é interno, sem a possibilidade de senti-lo apalpando, o volume do testículo cresce aos poucos, porém sem dor e sintomas adversos. O silêncio da doença é o maior perigo, pois quando tardiamente descoberto há mais possibilidades de se instalar a metástase, processo que leva o câncer para outras regiões do corpo.

Fiquei mais um mês e pouco mastigando o problema, pois o meu plano de saúde gringo só cobria emergências, achei que era alguma reação adversa da Finasterida (remédio que eu tomava para prevenir a calvície) e enfim parti para o Brasil. Se  você usa Finasterida, fique tranquilo: todos os médicos a excluíram como causa do problema.

Primeira consulta: o histórico de vida

Logo que cheguei ao Brasil, a primeira coisa que eu fiz foi agendar uma consulta com um urologista do interior de São Paulo, região onde morava. Ainda sem saber do que se tratava, estava otimista em relação ao problema, afinal eu nunca tinha tomado nenhum anabolizante ou derivado (os principais causadores do câncer de testículo). Pedi uma sugestão de um urologista para um amigo e fui a caminho da consulta.

Logo que cheguei ao consultório, o médico me pediu um histórico de vida em forma de questionário. Fumante? Só na balada. Casos de câncer na família? Avô no estômago. Bebe? Socialmente. Entre outras perguntas menos relevantes. Arriei as calças, deitei na maca, então o médico apalpou meus dois testículos de forma brusca para sentir a rigidez do nódulo, geralmente nódulos mais moles e macios são fibroses ou bolinhas de gorduras, entre outras coisas.

No meu caso, era um nódulo mais duro, até então sem diagnóstico de maligno ou benigno. Depois de constatar as características superficiais dos tumores, o médico me pediu quatro exames. Três de sangue conhecidos como marcadores e um ultrassom. Os de sangue eram: DHL (desidrogenase láctica DHL, beta HCG e alfafetoproteína) e o ultrassom era da bolsa escrotal.

Exames feitos: todos os resultados normais e o ultrassom também normal. O médico pede então que eu retorne depois de três meses para ver como o tumor/nódulo iria evoluir.

Segunda consulta: o médico indeciso

Depois de três meses de espera, sem sentir absolutamente nada, nenhum sintoma desagradável e agora morando em São Paulo, retorno ao médico que consultei no interior para refazer toda a rotina anterior, exame de apalpar, três de sangue e um ultrassom.

Os resultados dos marcadores de sangue mais uma vez normais dentro dos valores referências, e o exame de ultrassom levemente alterado. A dimensão dos tumores tinha crescido de forma tímida, porém tinha crescido e não regredido. É nessas horas que é essencial a presença de um bom médico.

Esse primeiro urologista do interior (cujo nome omitirei) colocou a decisão em minhas mãos. Alto lá, Doutor, o médico aqui é você! Não entendo praticamente nada sobre o problema e agora tenho que decidir se espero por mais três meses ou se faço uma cirurgia para extrair o testículo esquerdo? Ele me pediu então para fazer mais uma vez os benditos exames citados anteriormente e dessa vez um dos exames de sangue estava um pouco anormal. O restante igual.

Terceira consulta: a resposta de um bom médico

Saída pela direita, hora de procurar um especialista com currículo fodástico. Saúde em primeiro lugar, sempre. Fui para a terceira consulta com o Dr. Marco Arap, médico urologista com especialização em Oncologia, que presta serviços para o Hospital Sírio Libanês. Ele me pediu um breve histórico, assim como o médico anterior, e todos os exames que foram feitos previamente.

Após uma breve análise e uma apalpada nas minhas bolas, a resposta foi curta e grossa: "Você tem o testículo direito em perfeito estado, você poderá ter filhos normalmente só com ele. Se fosse alguém da minha família, eu tiraria esse testículo esquerdo pois, do modo como ele está, tenho minhas dúvidas se trabalha com eficência para o seu organismo. Em relação à estética fique tranquilo, vou colocar uma prótese de silicone no lugar do testículo extraído. Isto se ele for maligno. Se for benigno, vamos retirar os nódulos e recolocá-lo.”

Cirurgia: a retirada do testículo esquerdo

Marquei a operação com o Dr. Marco Arap no dia seguinte à consulta, no Hospital Sírio Libanês. O processo chamado de Orquitomia (retirada do testículo) é uma cirurgia rápida, tanto na na extração como na recuperação. Anestesia geral, extração do testículo esquerdo e biópsia superficial pelo patologista feita no local.

O tumor infelizmente era maligno e já tinha contaminado outras partes localizadas, como o cordão espermático. O câncer inutilizou por completo o meu testículo esquerdo, com necrose (estado de morte de um tecido ou parte dele) em mais de 65% da sua extensão. O testículo esquerdo foi extraído por inteiro – em seu lugar, colocaram uma prótese de silicone.

Recuperei-me completamente. Em uma semana já estava trabalhando.

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Essa era a parte saudável não afetada pela necrose, antes da cirurgia.

Quarta consulta: o nome do problema

Essa consulta foi para analisar o curativo, a recuperação da cirurgia, a adaptação da prótese e pegar o resultado detalhado da biópsia. Carcinoma embrionário não-seminomatoso, eis o nome do problema.

Missão cumprida do Dr. Marco Arap. Fui então encaminhado para um oncologista, Dr. Artur Katz, também do Sírio Libanês, para ver como seria o tratamento, ou mesmo se era necessário fazer um.

Quinta consulta: mais exames

Levei uma sacola com todos os exames que eu tinha feito até o momento para o médico oncologista, fui questionado mais uma vez sobre o meu histórico familiar e sobre os meus hábitos de vida e parti para a maca para ser examinado novamente. Apalpou meu pescoço e o meu abdômen. Boas notícias: gânglios ausentes. Quando há gânglios em outras regiões do corpo, é sinal que pode existir metástase.

Então ele me pediu mais uma bateria de exames. Os mesmos anteriores que vocês já conhecem, mais uma tomografia da pélvis, tórax total, abdômen e um espermograma.

Sexta consulta: cirurgia ou quimioterapia?

Graças a Deus, tudo certo: ausência de metástase na tomografia, espermograma fértil, marcadores de sangue todos normais. Porém, quando falamos de câncer, todo o cuidado é pouco. No meu caso, as chances do câncer ter migrado para outra parte do corpo eram de 35% (1 em 3).

O fato da tomografia e dos exames complementares não ter localizado nenhuma célula cancerígena não significava que o problema estava completamente resolvido – era somente um prognóstico ao meu favor. Havia a possibilidade de ter células invisíveis em outras regiões do meu corpo, que poderiam se desenvolver caso nenhum tratamento fosse feito. Simplesmente acompanhar fazendo exames não era a decisão mais prudente, levando em conta que os meus exames anteriores resultaram normais e eu já estava com o problema instalado no corpo.

Então foram propostos dois tratamentos para o meu caso: uma cirurgia para a retirada dos linfonodos (ou gânglios linfáticos) na região do retroperitônio – para onde a célula cancerígena do testículo tem como hábito migrar – ou uma sessão de quimioterapia. O oncologista estava inclinado pela cirurgia e o urologista pela quimioterapia.

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Os testículos já não são a coisa mais bonita. Imagine assim então...

Ambas as medidas eram profiláticas, levando-se em conta que o câncer não tinha sido localizado pela tomografia em outra região do meu corpo. Depois de muita conversa com amigos e médicos oncologistas, cheguei à conclusão de que a melhor opção de tratamento era a quimioterapia. Sou jovem (tenho 28 anos) e a cirurgia, além de ser longa, demorada e invasiva, poderia me deixar infértil, pois poderia ter como efeito colateral uma ejaculação retrógrada, que é quando o sêmen em vez de sair pela uretra toma a direção da bexiga.

A quimioterapia também pode deixar infértil, mas é uma chance menor. Para sanar esse problema congelei o meu sêmen para garantir a prole caso eu ficasse infértil.

Opção feita: quimioterapia, uma sessão do protocolo BEP, que consiste em três medicamentos (cisplatina, bleomicina e etoposide) combinados num espaço de uma semana e dois dias.

Quimioterapia: mitos e verdades sobre os efeitos colaterais

Muitas dúvidas passaram pela minha cabeça antes do tratamento. Vou ficar careca? Com cara de morto vivo? Vou perder todas as células boas do meu corpo e ficar imunodeprimido? Vomitar mais que mulher grávida? Ter horríveis dores nas pernas?

Careca: Meus cabelos começaram a cair depois de 15 dias da primeira sessão, ainda que já tivesse raspado a cabeça na máquina dois para não sentir fios grandes caindo. Não fiquei muito careca, mas caiu bastante. A melhor coisa a se fazer é raspar antes.

Náuseas e vômitos: Eu não vomitei nenhum dia sequer e senti poucas náuseas. Não tomei nenhum medicamento complementar em casa para diminuir as sensações. Deu para tirar de letra. Foi importante tomar Omeprazol para o estômago, pois ele fica realmente sensível.

Cara de morto vivo: É natural você ficar com cara de fodido, afinal o tratamento não é delicado. O lado positivo é que todo mundo cuida de você até retomar o semblante de galã.

Imunodeprimido: Jamais fique perto de gente com gripe, jamais encare aglomerações, sossegue o facho em casa. Durante o tratamento é muito importante manter a boa saúde pois qualquer febre ou infecção representa um perigo. Lave bem as mãos, as roupas de cama, as toalhas... Se possível, utilize um banheiro exclusivo.

Dor nas pernas: Senti leves dores nas pernas, mas deu para tirar de letra.

O que eu posso lhes dizer é o clássico "Cada caso é um caso". Por pressão da minha mãe, fiz a cagada de falar com muitas pessoas que já fizeram quimioterapia e com certeza esse foi o meu pior erro. Os efeitos colaterais agem de forma muito específica em cada pessoa. O problema de perguntar muito para pessoas que já passaram por isso é que você acha que vai sentir cada reação de todas as pessoas – uma espécie de placebo invertido. Então, caso alguém conviva com esse problema na família, sugiro que não pergunte nada a ninguém. Espere você mesmo sentir algo e resolva problema a problema de modo pontual, sem sofrer por antecipação.

A dica crucial é beber bastante líquido. Você vai eliminar a medicação através da urina e gradativamente se sentir melhor. Não coma alimentos ácidos, tente dormir bem, ignore lendas urbanas. Já que o estômago fica bastante sensível, coma o que você tiver vontade – é a melhor maneira de não vomitar. Escove bem os dentes pois toda a mucosa do seu corpo vai ficar sensível. Compre um hidratante para a sua pele do corpo, que vai descamar e ressecar, e um hidratante labial também.

Dias de tratamento

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Imagine uma ressaca constante, mas sem a diversão inicial.

Tive de voltar para o interior de São Paulo, onde reside minha família, tirei licença do trabalho por tempo indeterminado e comecei o tratamento. Iniciou numa segunda-feira com fim na sexta-feira. Depois seriam mais duas terças-feiras.

Esse protocolo BEP é bem pesado na primeira semana. Foram cinco dias das 8h às 16h com medicação ininterrupta na veia. Sim, oito horas direto! Você não sente nada enquanto o remédio entra no seu corpo. No meu caso, a sensação de mal estar começou a partir do segundo dia e só melhorou consideravelmente no domingo.

É uma sensação de ressaca foda, de vodka vagabunda com cigarro vermelho Hollywood. Chegava à minha casa depois da sessão e deitava no sofá, acabado. Porém foi só uma semana. Nas duas sessões seguintes, de apenas um dia, foi mamão com açúcar. Sem efeitos colaterais pesados.

Agora terei de fazer o acompanhamento durante 5 anos, com exames espaçados. Estou tranquilo e tenho fé que o problema não vai voltar. Esse tem de ser o espírito, considerando que nosso estado emocional influi na qualidade de nossa saúde. Mudei a minha alimentação, cortei o cigarro e tento encarar a vida de maneira mais leve.

Penso que tudo que é grave, e chega de repente em nossa vida, também tem como objetivo ensinar algo e nos fazer refletir sobre nossos valores. Não é papo de Dalai Lama, mas quando falta saúde, tudo está em falta. Por isso vamos parar de fumar, parar de encher a cara todos os dias, e sem essa que Picasso morreu com mais de 80 anos e fumava e bebia igual um pinguço. Em um mundo cheio de competitividade, pressão por resultados e violência, é melhor eliminar o que está ao nosso alcance e nos faz mal. Já que do resto não temos o mínimo controle.

Espero ter contribuído para algum esclarecimento sobre esse problema que dificilmente ouvimos falar por aí.

E não precisa cutucar o saco, não. Suas bolas devem estar saudáveis, amigão!


publicado em 03 de Agosto de 2009, 06:44
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Autor Anônimo

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