"Beijo gay", mamilo e cachaça: a televisão continua naqueles tempos de outrora

Duas mulheres se beijam, meses depois de dois homens se beijarem, e a notícia continua se espalhando como "o beijo gay". Um selinho -- nos dois casos -- que, em 2014, ainda precisam de uma nomenclatura específica de segregação: "é dos gays".

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Adiante, uma novela transmitida às 18h mostra dois homens conversando, o dono de uma venda e um senhor de terras. No balcão, enquanto se falam, o cliente tem em mãos um copinho com um líquido amarelo que passarinho não bebe. Isso é o bastante para que o Ministério Público levantasse as orelhas, torcesse o nariz e ameaçasse a novela de não ser exibida no horário por conta de mostrar "drogas lícitas" para as crianças.

Como se esconder fosse a forma mais assertiva de fazer com que uma pessoa tomasse as melhores decisões sobre o fato. A eterna medida paliativa que tanto nos assombra, já que, quando tiver contato com a bebida, com mais idade e suposta liberdade, mas sem nenhuma noção de discernimento, a coisa ode ser muito pior.

Ainda na mesma novela, Meu Pedacinho de Chão, da Rede Globo, a discussão agora chegou ao volume do decote da personagem vivida pela Bruna Linzmeyer, a Professora Juliana. Um frame de um capítulo mostra que parte do mamilo dela aparece em cena, escapulindo pelo aperto do colo da moça.

Não consigo entender como ainda esse tipo de coisa não é levada com naturalidade, como se parte do corpo fosse profana, como se determinada região contivesse um pecado original. O mesmo acontece se aparecesse uma piroca, antes que levantem a bola (sem o infame trocadilho). Já não temos mais tamanho para  desconforto com a nudez masculina e muito menos deveríamos ter com qualquer nudez.

Se a televisão nos deixa burros, muito burros demais é porque ela reflete nossas falhas em enxergar além, em aceitar a liberdade que o mundo nos dá.

Era um beijo de duas pessoas que se gostam. Dois beijos. Ponto. A cachaça é um tema que deve ser revelado e conversado e debatido logo cedo, é um fator que deve constar na vida de todas as pessoas -- afinal, não há um mundo sem bebida alcoólica -- e um mamilo é só um mamilo, cara, assim como uma bochecha é só uma bochecha.

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Quanto mais fechada a nossa vida for, nossa visão for, nossa tolerância for, mais chata a programação da tevê vai ser. E dá-lhe Datenas e programas do Pânico e novelas do Maneco.


publicado em 05 de Julho de 2014, 06:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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