É incrível o nosso poder de narrativa. Ao menos aqui do lado ocidental, todo o nosso conhecimento, cultura e história parecem construir um grande fio pelo qual compreendemos as coisas de forma bastante linear. E seja lá quais forem as implicações em que isso incorre, é certo que uma delas nos faz grandes contadores de histórias.
O carinho da mãe sentada à cabeceira da cama, contando causos que não estão escritos; o primeiro livro, cheio de imagens que falam; o modo como narramos nossa vida num primeiro encontro; as idas ao cinema, com pipoca amanteigada; o romance mais marcante de uma vida.
Penso que são especiais aquelas que nos tomam só cinco, dez, quinze minutos. Os curtas são um trabalho primoroso, e quando unidos ao poder simbólico que as animações têm de representar emoções tão humanas e criaturas das mais diversas, conquistam o público.
História de um urso é uma dessas produções. O filme chileno levou o Oscar de melhor curta de animação e não foi à toa. Qualidade técnica, edição, uma trilha sonora que acompanha os passos dos personagens e timing perfeitos enriquecem a narrativa.
Aqui, a história da ditadura chilena é contada pela metonímia da vida de um urso que, quando pequeno, vê sua família ser tirada de casa, presa e violentada. Foi um dos regimes militares mais duros da América Latina, perdurou entre 1973 e surpreendentemente recentes 1990 nas mãos de Pinochet.
O filme é do diretor Gabriel Osorio, dono do estúdio de animação Punkrobot, que tirou a inspiração da história de seu próprio avô, Leopoldo Osorio, que foi um dos exilados durante o regime. A produção é de Pato Escala, e o curta já ganhou, além da estatueta, mais de 50 prêmios internacionais.
Personagens de lata e a rigidez angular do cenário dão o contexto pesado da história do país, mas em nenhum momento comprometem a sensibilidade de seus personagens, que mesmo sem falas não hesitam em expressar o que sentem, ainda que sintam medo e solidão, o que empresta ao filme uma capacidade empática incrível. É assim também com suas entregas – ao amor e conforto da família ou até mesmo ao choro desenfreado.
A falta de mais informações sobre a vida desse urso hoje tem também um significado, segundo o Gabriel: “História de um urso deixa algumas perguntas sem resposta. O que aconteceu com a família? Onde estão? Essas são as mesmas perguntas que milhares de famílias fazem a si mesmos, essas que até hoje não sabe onde foram parar os suas pessoas amadas. Eu espero que essas perguntas nunca tenham de ser feitas novamente.”
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