Uma virada inédita na história do maior campeonato de futebol do mundo. Foi isso que acaba de acontecer na tarde de hoje, em Barcelona, na Espanha.

Depois que o time catalão perdeu para o Paris Saint-Germain por 4 a 0 na partida de ida das oitavas de final da Champions League, muitos deram a fatura por consumada. Mas os jogadores do Barcelona acreditaram e protagonizaram um dos momentos que com certeza entrarão para aquele clipezinho de melhores momentos do esporte no ano.

Uma história e tanto

É preciso dizer que quem joga com as costas na parede da maneira como o Barcelona se viu obrigado a fazer acaba se tornando muito mais perigoso. Com uma desvantagem tão grande, você acaba percebendo que tem muito pouco a perder e aí, amigo, você se torna capaz de arriscar muito mais.

Também é preciso dizer que, hoje, talvez não haja no mundo uma equipe sequer mais qualificada do que o próprio Barcelona para protagonizar uma virada como essa. A equipe espanhola tem o que muitos consideram o melhor ataque do mundo com Messi, Suárez e Neymar, além de outros jogadores excepcionais como Iniesta e Piqué. Ou seja, qualidade técnica não lhe falta.

Apesar disso, a equipe catalã parecia não viver seu melhor momento. Com atuações abaixo da média desde o começo da temporada, Luis Enrique, o treinador, convivia com as críticas e já não nutria uma boa relação com a imprensa espanhola. Os analistas diziam que a equipe não era bem treinada, que a estratégia toda da equipe era baseada em dar a bola para o trio de atacantes e esperar que eles resolvam e que uma equipe tão qualificada como essa deveria render mais.

Diante de tudo isso e com a goleada em Paris, o tom das críticas aumentou e, apesar de ostentar o maior percentual de vitórias da história do clube, Luis Enrique pareceu de fato ter sentido o golpe. Se no Brasil, seria provável que um treinador na mesma condição fosse demitido, na Espanha, ele resolveu anunciar que não continuaria no clube após o fim da temporada, que, com a eminente não-classificação para a próxima fase da Champions, estaria sensivelmente mais próxima.

Mas os dias foram passando e parece que o peso sobre a comissão técnica e o elenco do Barcelona foi começando a se dissipar pouco a pouco. A equipe espanhola mudou o modo como jogava e passou a aplicar sonoras goleadas no Campeonato Espanhol. Os torcedores, por sua vez, passaram a apoiar mais o time diante da missão dificílima que se apresentava e o treinador e os jogadores compraram o discurso de que, sim, era possível uma virada.

Quem acredita

E acreditar foi a palavra de ordem no Barcelona desde então. O que, diga-se de passagem, não é uma grande novidade. Fãs de futebol ao redor do mundo estão acostumados a ouvir isso. A grande diferença é que, nesse caso, deu certo.

Minutos antes da partida, Neymar twittou:

Pouco antes, na entrevista coletiva na véspera do jogo, Luis Enrique disse:

"Se eles fizeram quatro, nós podemos fazer seis"

Dito e feito.

Link Youtube – Veja os melhores momentos da partida e acompanhe a narrativa toda a partir daqui 

Mesmo com alguns erros de arbitragem e outros lances questionáveis, o Barcelona conseguiu. Empurrado por uma torcida que lotou o Camp Nou e empurrou o time incondicionalmente do começo ao fim, o Barcelona abriu o placar com Suárez, de cabeça, logo aos 2 minutos de jogo, num lance confuso no qual os parisienses ficaram reclamando da bola não ter cruzado totalmente a linha do gol. A arbitragem confirmou (eu daria) e não teve jeito: 1 a 0.

Só assim, com o placar já aberto, pudemos começar a analisar o que estava acontecendo. As propostas logo ficaram claras: o Barcelona, com Messi mais recuado jogando pelo meio de campo, Rafinha aberto por uma das pontas, Neymar na outra e Suárez pelo meio, tentava marcar a saída de bola do PSG e recuperá-la o mais rápido possível para seguir pressionando o rival. Enquanto isso, a equipe francesa se fechava, apostava na sua grande vantagem e tentava encaixar contra-ataques.

Longos minutos se passaram até que aos 39 minutos do primeiro tempo, Iniesta, então o melhor em campo, insistiu numa bola quase perdida, tocou de calcanhar quase dentro da pequena área e contou com a colaboração estabalhoada do zagueiro Kurzawa que desviou para o gol. 2 a 0.

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O intervalo veio e muita gente cética resolveu passar a acompanhar a partida. O Barcelona já estava na metade da missão para, pelo menos, levar a partida pros pênaltis. Faltavam 2 gols. Desde que a equipe não tomasse nenhum.

Já na volta para o segundo tempo, o mesmo roteiro. Em pênalti bastante discutível (eu daria) sofrido por Neymar com menos de 3 minutos de jogo, cobrança de Messi e bola na rede. 3 a 0.

O Camp Nou ia à loucura. Torcedores na arquibancada eram enquadrados pelas câmeras de transmissão e representavam uma mistura entre esperança e incredulidade. Mas logo veio o banho de água fria.

Num anticlímax tremendo, bola esticada na área do Barcelona, toque de cabeça pra trás e chegada soberana de Cavani, atacante uruguaio da equipe francesa, pra marcar um belo gol para o PSG: 3 a 1.

O cronômetro marcava 'apenas' 17 minutos do segundo tempo, mas aquilo parecia pouco tempo para a missão que acabara de se tornar significativamente mais difícil. Os pênaltis já não eram mais uma opção. Agora seria preciso marcar 3 vezes antes do apito final para garantir a classificação.

Era hora de mostrar que o discurso não era só da boca pra fora. Era preciso acreditar muito. Mais do que nunca. Mas era difícil. O tempo passava. E o PSG se tornava mais perigoso e confiante. Até que o menino Neymar resolveu assumir definitivamente o protagonismo que já ganhava ao decorrer da partida.

Aos 42 minutos do segundo tempo, ainda com o mesmo placar de antes, falta na entrada da área para o Barcelona. Mesmo com Messi, o dono do time, em campo, Neymar pediu pra bater. E bateu com perfeição. Como pouco. O goleiro pareceu não acreditar que a bola ia entrar, mas entrou. 4 a 1.

Poucos minutos depois, novamente ele. Em pênalti ainda mais duvidoso (eu não daria) cometido por Marquinhos em cima de Suárez, Neymar mais uma vez pediu pra bater. E fez. Era o rascunho do impossível. 5 a 1.

Nessa hora, o momento mental das duas equipes estava completamente invertido. Mesmo com a classificação nas mãos, o PSG parecia amedrontado, sem confiança. Do outro lado, o Barcelona, franco atirador, parecia que tinha tudo que precisava para fazer acontecer. E tinha. Era Neymar.

Depois de fazer 2 gols num intervalo de três minutos, Neymar cobrou uma falta na intermediária do campo direto pra área. Àquela altura até o goleiro catalão já estava por lá. A defesa francesa, no entanto, rebateu. Neymar pegou a bola de novo, teve frieza para cortar um marcador e jogar lá dentro novamente para que Sergi Roberto aparecesse nas costas da zaga e se jogasse na bola antes da chegada do goleiro para desviar e marcar: 6 a 1.

Fato consumado. Depois do gol não houve tempo para praticamente mais nada. Mal foi dada a saída de bola e o árbitro encerrou a partida. O Barcelona fez aquilo que ninguém na história tinha conseguido fazer: reverter uma desvantagem de 4 a 0.

Por isso, deixe por um momento suas restrições ao Barcelona, esqueça que em muitas vezes eles são protegidos pela imprensa, guarde o rancor pelo torcedor brasileiro que gosta do Barça e que você considera modinha, para apreciar um espetáculo difícil de ver. No fim das contas, se você não quiser aceitar que o Barcelona é mais que um clube, pode pelo menos aprender passar a acreditar que o futebol é mais quem um jogo.

Link Youtube – Os ex-jogadores Rio Ferdinand, Steven Gerrard e Michael Owen se preparavam para um programa pós-jogo quando a virada aconteceu.

E isso é só oitavas de final, amigos.

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Mais que um jogo é uma coluna de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às terças-feiras que usa acontecimentos esportivos para propor reflexões sobre aspectos de nossas vidas.

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>