Banco de Tecido, economia criativa e sustentável | Empresas que você deveria conhecer #3

O Banco de Tecido é um Sistema de circulação de tecidos de reuso, um modelo de negócios baseado na criatividade e sustentabilidade.

Chivas Regal acredita que vencer do jeito certo é ter uma atitude empreendedora que pensa no coletivo e compartilha suas conquistas.

Por isso Chivas e o Papo de Homem desenvolveram uma série de artigos de empresas com uma propostas diferentes dos modelos de negócio tradicional e que acreditamos que estão fazendo a diferença no mundo de forma positiva - fique de olho no nosso canal, estamos desenvolvendo uma série de artigos para inspirar você.

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Eu tenho. Você não tem. O meu não serve. Mas o daquele serve.

Parece brincadeira de criança ou coisa de comercial antigo, mas essa é a história por trás de um dos empreendimentos sociais mais promissores de São Paulo: o Banco de Tecido.

Se você já teve uma tia costureira, uma mãe chegada em agulha e linha ou um avô alfaiate, provavelmente se lembra de uma caixa ou sacolinha cheia de retalhos e outras sobras que ficavam ao lado da máquina de costura. Pois os costureiros que você conhece não estão sozinhos. E se todo mundo tem um pedacinho de pano guardado, ocupando espaço ou prestes a ser jogado fora, isso pode ser um problema.

Anualmente, toneladas de tecidos — 10% de toda produção têxtil — são descartadas ao redor do planeta. De acordo com EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), 13,1 milhões de toneladas de tecidos são jogadas no lixo todos os anos no país, e só 15% destas são recuperadas para reúso ou reciclagem. Se levarmos em conta que a indústria da moda é uma das que mais consome água (até 11 mil litros para uma calça jeans), 70% do material produzido é composto de fibras sintéticas e leva dezenas de anos para se decompor, o problema ambiental também se agrava.

A boa notícia é que grande parte do que é descartado poderia ter uma sobrevida, e o banco de Tecido de Reuso tem uma solução criativa para isso: um sistema em que o correntista deposita tecidos sem uso, acumula créditos e retira ou compra outros que possam ser interessantes.

Como o Banco de Tecido começou e funciona

Cenógrafa e figurinista, Lu Bueno tinha um escritório e um ateliê com seus sócios. Com dois endereços e material acumulado ao longo dos anos de trabalho em cinema, teatro e televisão, a bagunça era inevitável. Quando precisaram se mudar, a nova sede — com metragem de 3,20 por 30 — motivou a organização. "Com a ideia de ficar estritamente com o que nos servia, fizemos uma limpa e doei 12 caixas de roupas, sapatos, acessórios para um amigo, o Davi, que tem um acervo chamado Roupa de Santo. Você fez o figurino, acha que pode voltar a usar, que é bacana, é de época, sempre tem um motivo. Como ele, se eu precisar, sei onde está. E sei que vai colocar para girar, para todo mundo ter acesso, em vez de ficar parado aqui. Já começamos na nova casa com essa cabeça”.

A matéria-prima, entretanto, não foi doada — os tecidos são versáteis, e valem ouro para quem faz cenário e figurino. Depois de organizados em uma infinidade de cores e padronagens, chegou o momento de pesá-los: 600 kg. “Eu tinha tecido de 15 anos. Eu tinha tecido de 15 minutos. Como era uma variedade enorme, pensei: vou começar a trocar isso. Falei com um amigo, com outro e começamos uma brincadeira de troca entre amigos quando inauguramos”, diz Lu. Não demorou muito tempo e alguém, precisando de material em meio a uma produção para publicidade, disse: “quero comprar!”. O que era uma coisa positiva virou também uma questão: como vender algo que foi sobra e o preço inicial já se perdeu ou foi pago pelo orçamento de alguma outra produção?

Como os tecidos que restam de trabalhos distintos são cortados, desiguais e não seria simples negociar o metro, chegou-se à decisão de pôr na balança: um preço único por quilo.

– Como assim um preco só? A seda tem o mesmo preço do popeline?

– Tem.

– Não é possível!

– É!

O preço do quilo é R$ 45 (começou propositadamente mais baixo, a R$ 35 em 2015, para saber se o sistema funcionava), e os cálculos foram feitos a partir de uma média do mercado. É claro que o sistema não é vantajoso para todos os tecidos, como o levíssimo TNT, mas a seda não para pouco no estoque porque é cara. A seda para pouco porque é natural e dá tingimento. “Como é que se estabelece a curadoria no mercado tradicional? Uma tendência xyz de três anos atrás. Aqui, quem cria a demanda, o giro e a curadoria são os próprios correntistas. Os tecidos que estão aqui certamente não são os tecidos que estão lá, e há sempre uma chance de você achar uma coisa exclusiva, antiga, específica, que não achou no mercado regular”, diz Lu. “A pessoa vem, faz a sua troca, decide comprar um pouco a mais e coloca na balança. Normalmente, falam “só isso?”.  

Às vezes uma cliente fica frustrada porque não encontra um tecido que procurava, mas o pedido é anotado assim mesmo. As peças giram muito, e as correntistas são avisadas sobre novidades pelo Facebook ou Instagram, o que cria um relacionamento muito forte. No passado, alguns depositantes confundiram a lógica de circulação do Banco com um estoque, e queriam resgatar o mesmo tecido que deixaram (imagine alguém pedindo à Caixa ou ao Banco do Brasil para resgatar exatamente a mesma nota que depositou). “O Banco não é loja. É um sistema. Sistema de circulação de tecidos de reuso. E quando você entende que o seu negócio é um sistema, você está aberto para ouvir e entender o que as pessoas precisam. Como tudo é novo, algumas coisas funcionam melhor e outras não funcionam. O que funcionar fica e o que não funcionar caduca. É vivo, é orgânico”, explica Lu.

Graças a esse viés, as formas de negociação que acontecem no Banco são das mais variadas. Recentemente uma jovem senhora, hippie chic, escreveu, mandou imagens e falou que estava indo até a casa com o catálogo. A filha tinha uma confecção que fechou, e tecidos lindos e de qualidade estavam fechados na garagem. “Ela queria que eu comprasse o material para que ela pudesse usar o dinheiro e comprar outros tecidos, mais úteis para uma ONG que ajudava. Eu falei: ‘Por que a senhora não faz o seguinte? Deixa o tecido aqui, gera o seu crédito e autoriza as costureiras a virem aqui trocar’. Aí ela olhou a loja, conheceu, viu que tinha bem a cara do que as meninas da ONG precisavam e achou que era uma boa ideia. Em um dia ela deixou um, no dia seguinte ela trouxe mais 10 rolos e até hoje as meninas delas vêm retirar. Os tecidos dela eram coisas bem bacanas, e já não tenho mais quase nada”.

 

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Plano de negócios, economia criativa e expansão

A intuição dizia que o problema da sobra de tecidos não se limitava a figurinistas, cenografistas e artistas, mas Lu Bueno não tinha contatos no mundo da moda (responde atualmente por 70% dos correntistas) ou na cadeia têxtil.

A página no Facebook já funcionava para amigos desde 2013, mas em 2014, depois que os antigos sócios casaram entre si, Lu foi fazer o registro de marca e encontrou uma associada que a ajudou a organizar o negócio. Acostumada a ser prestadora de serviço, a figurinista resolveu estudar e foi para o SEBRAE. A assessoria contribuiu para arquitetar um plano de negócios, mas como não era possível precisar determinados números ou encontrar um concorrente com uma proposta semelhante para colocar na planilha, decidiu abrir as portas de uma vez e entender se tinha mesmo um negócio tão promissor quanto parecia.

“Por quê o cachorro entrou na igreja? Por que a porta tava aberta. A minha vida foi assim. Você abre a porta e vê o que vem. Abrimos a porta às oito da manhã de 8 de janeiro de 2015, e hoje digo que 2015 foi a validação do modelo de negócio e 2016 o ano da estruturação. Na hora em que abri porta, uma enxurrada de coisa boa aconteceu”. Uma das três pessoas que já estavam à porta era Jonas Lessa, da Retalhar (projeto que trabalha com logística reversa de uniforme), que ficou três horas explicando a Lu o que era empreendedorismo social. Até hoje, ela o considera o padrinho do Banco.

Se a missão é a circulação de tecido, o sistema misto de trocas e vendas é ao mesmo tempo diferencial e maior entrave para entender o volume que a proposta pode tomar. “Como é que as métricas de comércio são feitas? A partir do que você vende. As trocas não costumam nem ser consideradas, e certamente eu tenho duas vezes mais giro de troca que o giro de venda. Como medir o quanto as trocas incrementam a economia ou quantas vendas acontecem a partir de uma troca? Dá até pra fazer uma suposição, mas não é algo que sai direto do caixa. É uma coisa complexa, e muitos não entendem como estabelecer essa relação”, explica Lu.

Para avançar nesse sentido, o Banco de Tecido faz parte de dois programas de inovação: um é o ICV Global, que é uma parceria da Apex com a GVces, centro de estudo em sustentabilidade da FGV; o outro é uma forma de mentoria voltada para área têxtil, estabelecida pelo Social Good e pelo Instituto C&A. “Empreender não é bolinho, mas a cada vez que você desanima vem uma novidade. Alguém, um prêmio. Eu venho da cultura e, por hábito, me inscrevo em todos os editais. Não sou startupeira, não fiquei analisando o mercado para ver um furo. Eu comecei algo e esse algo só está aqui porque teve aderência. Só que eu dedico 60, 70% da minha vida ao Banco e ele se paga, mas não me paga”, diz Lu. “Em março e abril a gente finaliza esse programas, e em maio temos duas rodadas de negócio. Estamos nos estruturando porque, francamente, é preciso ter uma entrada de dinheiro. Crowd equity, pool de empresas… estamos estudando”.

Em paralelo aos possíveis investidores, o Banco de Tecido também acumula pedidos de abertura de novas “agências” pelo Brasil. A matriz fica na Rua Campo Grande, 504, Vila Leopoldina, mas já existe uma outra unidade em também em São Paulo e outra em Curitiba. Outras três localidades estão em análise, como o Rio de Janeiro, e existem mais de dez outros interessados. “A fama do banco andou mais rápida que a estrutura. Eu tenho uma dupla de advogadas que me acompanha e elas trouxeram o esquema de franquia, mas eu ainda não consigo garantir números para um franqueado. E se eu não consigo garantir, quem é que vai pagar por uma franquia só pela ideia?”, pondera Lu. Umas das principais perspectivas de expansão, que será implementada com cuidado, mora no universo digital.

Grandes confecções começaram a procurar o Banco de Tecidos, interessadas em saber se retirariam até duzentos rolos de tecido que ocupava espaço no estoque. “Para eles esse excedente é um estorvo. Material bom, novo, de qualidade e que aquela confecção não pode repetir. E por que não fazem negociação direta? Porque isso é outro business. Ela não vai procurar o concorrente, a loja do lado, para oferecer o tecido, vai? Todo mundo ia olhar torto. Agora, se ela faz parte de um sistema e esse sistema distribui, é outra história. Ninguém sabe para quem está indo, e ela vira uma correntista com um grande crédito”.

Para evitar ter que criar um galpão gigantesco e mudar o espírito do negócio, a plataforma digital foi a solução. Em agosto do ano passado o Banco de Tecido ficou em segundo lugar no hackaton da Fiesp, dedicado às iniciativas compartilhadas. A estrutura — uma espécie de Airbnb do mercado têxtil — foi desenvolvida e está em fase de finalização para que permaneça atrativa aos criadores. “A plataforma te dá uma quantidade de zeros à direita muito maior sem que os estoques precisem passar por lojas físicas do Banco, mas tenho a convicção que precisamos ter pontos estratégicos. O Banco não é democrático, é inclusivo. Aqui entra da costureira que pega três ônibus para vir, vem com duas sacolinhas e vai embora com duas sacolinhas, à madame que vem com carrão e motorista. Claro que o e-commerce será muito mais focado para negócios de maior porte, e as lojas mantém o acesso ao toque, à textura”, defende Lu Bueno.

Parte de um sistema circular e sem linha de chegada, o Banco já nasceu sustentável em seu tripé ambiental, social e econômico. “Os novos modelos compartilhados, criativos, estão sendo pensados para funcionar. Não gosto do termo disruptivo por que não estamos quebrando algo e indo embora. As pessoas estão olhando e vendo como é que podemos funcionar de uma maneira diferente, porque as antigas já não estão dando certo. Nesse dois anos, 2015 e 2016, tivemos uma trajetória muito bonita. Não é fácil, é difícil, e está muito no começo, mas é uma trajetória gratificante. Ver que há gente pensando, ver que há gente compartilhando, dando a mão e tentando efetivamente transformar esse mundo em um lugar um pouquinho mais justo”.

Mecenas: Chivas

A Série “Empresas que você deveria conhecer” foi criada pela parceria de Chivas com o PapodeHomem. Nas próximas semanas você vai conhecer a história de empresas com propósitos diferentes do tradicional.

Queremos trazer à tona empresas que querem fazer a diferença, vencer do jeito certo e fazer mudanças positivas no mundo. Saúde


publicado em 12 de Dezembro de 2016, 13:21
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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