Autonomia afetiva: ninguém pode ser responsável por nos fazer felizes

Quem tem que encher nossa metade vazia do copo?

"Você me faz muito feliz."

"Quero te fazer feliz."

"Faço o que for preciso para te fazer feliz."

A metade que faltava da laranja. A tampa da panela. O nosso imaginário está repleto dessa paisagem: a do amor romântico. Caminhamos com a ideia de que um dia alguém vai chegar e preencher nossos vazios, cuidar das nossas feridas, atender nossas necessidades, nos dar o que nos falta.

Do lado de lá, quem chega tem as mesmas expectativas: de que você, ou a relação, vai dar conta de encher a metade vazia do copo.

É comum a gente seguir esse mesmo script quando o assunto é relações amorosas. E vira e mexe acabamos em situações difíceis, sufocantes, de muita exigência, cobrança e conflitos –  sem nem saber direito o que aconteceu ou como fazer para virar a chave e ter uma relação mais leve e saudável.

Não tem receita de bolo, mas tem sim um caminho para cultivarmos relações mais lúcidas. Se você se identificar com um dos dois itens abaixo, esse texto é para você.

1. Precisamos impulsionar o crescimento do parceiro/a como pessoa, e ser impulsionados também

"Não vou fazer esse curso porque ele não vai gostar que eu fique fora de casa tanto tempo."

"Não falo mais com meus amigos homens porque ele tem ciúmes."

"Não vou nessa viagem com os amigos porque a patroa não deixou."

"Não vou sair com meus amigos hoje, porque se eu for ela vai querer sair com as amigas dela também."

É difícil assumir, mas é normal vivermos e observarmos a nossa volta outros casais sustentando relações de restrição como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Alimentamos, sem questionar muito, ciúmes e apego. E tentamos, de todos os jeitos possíveis, exercer controle sobre o nosso parceiro/a. Proibir de viajar com os amigos, desmotivar a aceitar uma proposta de trabalho em outra cidade, manipular para que o outro se afaste daquele/a amigo/a que não gostamos.

Quando dizemos que amamos, dizemos também que queremos a felicidade do outro. Mas na maioria das vezes isso não é inteiramente verdade. Queremos a felicidade do outro de forma condicionada e oportuna. Queremos que o companheiro/a seja feliz, contanto que essa felicidade não nos traga nenhum desconforto ou incômodo. Traduzindo, é mais ou menos assim:

"Quero que você seja feliz, amor, contanto que: perto de mim, longe daquele seu amigo Ricardo, sem trocar muita ideia com aquela colega de trabalho, a Joana, sem conversar com nenhuma ex e sem, de forma alguma, fazer aquela viagem dos seus sonhos para os Estados Unidos, de 5 meses."

E a lista de poréns poderia seguir eternamente.

Isso acontece porque a gente deposita no outro uma série de expectativas: de proteção, segurança, apoio, carinho, e por aí vai. É como se aquela pessoa estivesse lá com a única função de nos fazer felizes, de nos completar e atender a todas as nossas necessidades.

A grande virada de chave acontece quando entedemos que ela não está na relação para nos fazer felizes. Ela está na relação para ser feliz. E a nossa missão é ajudá-la nisso: incentivar, apoiar, impulsionar. Fazer com que ela se desenvolva como pessoa.

Para que isso aconteça, precisamos nos colocar num espaço de desconforto. Vai brotar todo o tipo de medo e angústia. Medo que o outro encontre outra pessoa melhor que a gente. Ciúmes de quem ele/ela encontre de interessante pelo caminho. Entre outras milhares de coisas possíveis. Mas precisamos exercitar parceria, confiança, e, acima de tudo, lembrar de que queremos, ao lado, alguém realmente feliz. E queremos o mesmo para nós também.

2. É demais querer que outra pessoa te faça feliz

Link Youtube

Autonomia afetiva é uma expressão mágica. Não tem a ver com autosuficiência, pelo contrário. Tem a ver com a gente se conhecer e se ouvir: saber do que precisamos e conseguir atender as nossas próprias necessidades, sem ter que contar com o outro o tempo todo para fazer isso por nós.

Quando a gente se relaciona, mergulhamos no universo do outro. O outro muito provavelmente está fazendo o mesmo. A gente se funde, se perde um pouco de nós mesmos. Mas precisamos saber fazer o caminho de volta.

O que me faz bem?

Do que eu preciso agora?

O que eu poderia fazer que me deixaria orgulhoso/a de mim mesmo/a?

O que me faria brilhar, aumentaria minha energia e me deixaria verdadeiramente feliz?

A resposta pode ser sair com amigos antigos, dar uma volta com o cachorro, cozinhar algo saboroso, visitar a família, fazer uma viagem que há tempos você queria fazer, descobrir um café novo na cidade, fazer um som no violão, aprender um instrumento novo, e daí por diante. Não importa. É essa ponte, esse contato com você mesmo, a capacidade de estabelecer consigo uma escuta profunda e empática que importa. Depois disso, a habilidade de se atender. De fazer brotar um brilho interno independente do parceiro/a.

Está tudo aqui dentro. E quando encontramos esse eixo interno, fica muito mais fácil estabelecer relações mais saudáveis e lúcidas.

3. Um convite

A Comum é uma plataforma de desenvolvimento humano para mulheres. Lá, o conteúdo vem em forma textos, vídeos e práticas, por meio de jornadas sobre temas importates para as mulheres. A jornada do mês é sobre esse tema: autonomia afetiva e relações.

Para quem está em relações difíceis, nocivas, abusivas. Para quem está sozinha. Para quem está, de alguma forma, lutando com a vida afetiva e amorosa. Ou para quem está em uma boa relação, e acha que pode se desenvolver ainda mais.

Fica aqui um convite grande para todas as mulheres. Vale cada segundo do nosso tempo.

Vamos juntas, inteiras.


publicado em 03 de Novembro de 2017, 13:10
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Anna Haddad

Acredita no poder de articulação das pessoas e numa educação livre e desestruturada. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de aprendizagem colaborativa Cinese. Tá por aí, nas ruas e nas redes.


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