Após seis meses trabalhando em uma redação, cobrindo principalmente polícia, o que mais me perguntam é se eu não sinto medo.
“Como você consegue, Mamá? Você é tão meiga…”
Para falar a verdade, nem eu sei como consigo. Apenas faço o meu trabalho. E sim, nesse tempo já vi de tudo – ou quase. Às vezes surgem umas histórias verdadeiramente bizarras.
E foi em um lugar onde eu deveria estar segura que eu senti medo. Medo mesmo. Suei frio, tremi e gaguejei. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo, e não tinha para onde correr.
A história, basicamente, foi a seguinte. Um senhor de 62 anos foi assassinado por dever mais de mil reais a uma boca de fumo, e morreu no dia em que foi buscar do crack, apesar da dívida. Revoltados, os traficantes decidiram eliminá-lo. Levaram o senhor para uma estrada, mandaram-no descer do carro e correr. Lá, foi baleado com pelo menos três tiros. Os assassinos voltaram dirigindo o carro dele e foram abordados por policiais quando estavam quase chegando em casa.
Sabendo disso, lá fui eu conversar com o delegado para saber o que havia ocorrido e fotografar o acusado. Segundo o delegado, inicialmente só conseguiram prender um dos suspeitos, de 16 anos. E, depois de uma sabatina, ele teria dedurado os outros dois, dos quais um foi logo encontrado e preso.
Questionei se as informações do jovem eram o suficiente para prender alguém, já que não havia provas concretas. O doutor me garantiu que sim, já que as informações do menor batiam com as da perícia. “Então tá. Cadê ele, posso fotografar?” Eu não imaginava que o pior estava por vir.
Na sala, apenas eu, o delegado, um PM e o preso.
– Você pode virar de costas, por favor? – pedi para o acusado.
– Ô jornalista, não precisa ser educada com ele não – retrucou o delegado.
E aí o clima esquentou.
– Quer ver? Fala pra ela se você apanhou nessa delegacia! – disse o Dr., em voz alta.
– …
– Fala pra ela! Você apanhou muito ou pouco nessa delegacia? – gritou, dessa vez.
– Foi… foi muito, doutor. – respondeu o preso.
– Então agora você vai apanhar mais – avançou o delegado.

Eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Sei que o cara errou, mas eu não queria e não merecia vê-lo apanhando. Comecei a tremer, a suar. Não sabia o que fazer. Com a mão do delegado a poucos centímetros do rosto do preso, eu gritei.
– Não faz isso!, com o meu bloquinho em frente ao rosto.
O delegado parou e começou a rir. Não tive coragem de olhar para o preso. Me sentia tão humilhada quanto ele. Fui embora rapidamente e no caminho do jornal xinguei o delegado de todos os nomes.
Escrevi a matéria, passei as fotos e fui embora. Era uma sexta-feira e fui direto para uma festa. Assim que estacionei, meu celular tocou. O número era da delegacia. Atendi desconfiada.
– Oi, Marcela, é o Dr. Fulano (prefiro não dizer o nome por aqui). Olha, você tem uma boca, hein?! Depois que você foi embora, parei para pensar se o adolescente tinha falado a verdade e fui pressioná-lo. Aquele cara que eu apresentei não é o acusado não, tá?
Demorei um tempo para responder. Eu não estava acreditando.
– Tudo bem, doutor. Vou avisar para a minha chefe. Obrigada.
Liguei para a chefe e fiz as devidas correções.
Na matéria iria sair o nome e a foto de quem não tinha culpa de nada, e ainda, para piorar, tinha apanhado por nada.
O pior do jornalismo é que dependemos das informações dos outros para escrever uma matéria. Nós não vemos o que aconteceu, apenas ouvimos falar. Infelizmente, esse é o nosso trabalho. Mas pior ainda é ter que aceitar de boca fechada situações tão revoltantes como a que essa pessoa, que agora largou as delegacias para representar o povo como deputado, me fez passar.
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