No momento em que escrevo este texto, percorro um caminho que vai da cidade de Santa Cruz de La Sierra até Sucre, ambas na Bolívia. Faço este trajeto em um ônibus de manutenção no mínimo duvidosa, que levará aproximadamente 16 horas para percorrer um trajeto de pouco mais de 600 km. Isso porque a estrada é bastante sinuosa e pouco conservada (para não dizer precária), o que faz com que esta etapa da viagem ganhe uma pequena pitada de emoção.


As várias cruzes colocadas ao longo do trajeto dão requintes de terror ao enredo da viagem. A parada emergencial feita alguns quilômetros atrás para um suposto conserto da barra de direção é apenas mais um preocupante ingrediente deste enredo.
Prefiro confiar nas palavras do motorista (e também mecânico nas horas vagas) quando ele diz “No hay grandes problemas”. Resta-me apenas saber o que seria um “grande problema” para aquele que parece já estar acostumado com este tipo de situação. É que até isso – ou seja, os problemas – parecem ser apenas mais um destes conceitos ditos como “relativos” neste mundo que começo a desbravar.
Bom, mas neste momento, não há nada a fazer a não ser torcer para que o ônibus no qual eu viajo não venha a se tornar mais um nesta triste estatística de cruzes à beira da estrada.

Não escrevo para falar das condições do ônibus, das condições da estrada, tampouco da decoração não muito agradável de cruzes. Escrevo para falar dos diferentes caminhos que cruzam esta estrada. Caminhos de vida que por serem tão diferentes do meu, às vezes, cometo a besteira de pensar que não são vida, nem mesmo caminhos.
A imagem de miséria à beira da estrada e todos os outros males resultantes de um país que foi covardemente saqueado ao longo de muitos anos é algo que não se encaixa no meu conceito de viver. Mesmo assim, eles vivem. E é exatamente isso o que me fascina. Ver seus lindos rostos com traços indígenas, suas vestes tipicamente locais, alguns costumes ainda intocáveis. Tudo isso me faz perceber que algo ainda resiste por aqui.
Faz-me perceber que a artificialidade estética, as grifes e os costumes importados encontram certos problemas em chegar por estes lados da nossa América do Sul. Tudo bem, isso é muito mais uma questão de condição do que opção, mas ainda sim consigo ver algo de positivo nisso tudo. Faz-me ver uma América diferente, porém autêntica. Uma América que, infelizmente, já não faço mais parte. Uma América que me foi levada juntamente com os carregamentos de prata e ouro. Em troca, sobraram este monte de espelhinhos que me mostram nada mais do que minha ignorante vaidade.


Queria neste momento poder ser um pouco mais Sul-Americano, ter traços andinos, ter história no sangue, mas infelizmente não posso. Não posso porque lembro quem eu sou cada vez que me olho em um daqueles espelhinhos que me foram deixados.
E assim vou seguindo minha viagem. Porque se no meu passaporte consta que sou um Sul-Americano, o mínimo que devo fazer é tentar conhecer sobre aquilo que supostamente eu sou. E, embora eu tenha mais me desencontrado do que me encontrado por estes caminhos, eu prefiro me perder buscando aquilo que sou do que me achar sendo aquilo que nunca fui.


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