As coisas sempre estiveram tão ruins quanto hoje

No dia da votação oficial do impeachment da presidência da república, o PdH publica uma tradução que vem a calhar

Algumas coisas profundamente preocupantes estão, como sempre, acontecendo no mundo.

Independente do quanto esteja ruim, nós temos uma complicação adicional. O que chamamos de mídia é, na verdade, um mercado que entende que não é possível fazer dinheiro dizendo às pessoas que as coisas, de uma forma geral, vão dar certo. O propósito da mídia é lucrar nos assustando — e ela faz isso brilhantemente. Ela pode até estar tentando nos informar, mas seu objetivo principal é assegurar que estejamos assustados o suficiente para continuar lendo e assistindo.

Atentados terroristas atribuídos ao Estado Islâmico se multiplicam na Europa.

Mas nós precisamos de um antídoto, e podemos achá-lo num recurso à mão capaz de nos lembrar que dificuldades não são novidade, que problemas podem ser superados e que as coisas na verdade já foram bem piores: um antídoto que atende pelo nome de História.

Quando eventos políticos parecem não poder piorar, podemos — por exemplo — nos voltar aos escritos do historiador da Roma Antiga, Suetônio.

Nascido no fim do primeiro século 1 d.C., Caio Suetônio Tranquilo foi um administrador imperial e secretário-geral do imperador Adriano. Caio foi o primeiro historiador a tentar transmitir uma descrição fiel de como os governantes do império, de Júlio César a Domiciano, realmente eram. É uma história chocante.

O livro de Suetônio (A vida dos doze césares / De vita Caesarum) reúne um catálogo de loucuras e crimes extraordinários dos primeiros doze homens que governaram o Ocidente. Entre eles:

  • Julio César: Aparece como um ladrão, um mentiroso, um egomaníaco e um assassino.

  • Calígula: Um psicopata notório que, para citar Suetônio, “mandava pessoas às minas; jogava-as junto a animais selvagens; confinava-as numa jaula em que elas precisavam ficar agachadas ou eram serradas ao meio, não por grandes ofensas, mas sim porque não admiraram suficientemente um espetáculo que ele patrocinou na arena ou não se referiram com respeito suficiente à sua genialidade”. Nós ouvimos que “seu método favorito de execução era infligir inúmeros pequenos ferimentos, evitando todos os órgãos vitais. Ele com frequência ordenava: ‘Faça-os sentir que estão morrendo’.”
  • Depois veio Nero. Sobre ele, sabemos que: “Se vestia com pele de animais selvagens e atacava as partes íntimas de homens e mulheres amarrados a estacas”. “Ele vagava pelas ruas à noite matando estranhos aleatoriamente e jogando os corpos no esgoto.”

  • Depois, foi a vez de Vitélio: Seus vícios régios eram a gula e a crueldade. Ele ceava três ou quatro vezes por dia e sobrevivia tomando vomitórios frequentemente. Ele costumava “se mimar” vendo prisioneiros serem executados na sua frente.
  • Então era a hora de Domiciano: “No começo de seu reinado Domiciano passava horas sozinho todos os dias apanhando moscas e furando-as com uma pena afiada”.

Apesar de Suetônio escrever sobre pessoas grotescas — que também eram, naquele período, as mais poderosas do planeta —, lê-lo pode trazer um sentimento de notável serenidade. Uma pessoa pode lê-lo na cama, depois de ver as notícias da última vitória eleitoral. A experiência é estranhamente reconfortante porque é, em seu âmago, uma narrativa de resistência.

Suetônio escreve sobre terremotos, pragas, guerras, motins, rebeliões, conspirações, traições, golpes, terrorismo e chacinas. Levando tudo em conta, parece ser o registro de uma sociedade cujo colapso é, sem dúvida, iminente. Mas ele na verdade estava escrevendo antes — e não depois — do período mais impressionante de conquista romana — que viria cinquenta anos mais tarde sob o governo do estoico filósofo e imperador, Marco Aurélio.

Os desastres que Suetônio relaciona eram compatíveis com uma sociedade caminhando, de maneira geral, em direção à paz e à prosperidade. Lê-lo sugere que uma sociedade com problemas não é fatal; na verdade, é comum as coisas irem mal. Nesse aspecto, ler sobre história antiga e observar as notícias de hoje geram emoções opostas. Os acontecimentos já foram muito piores e tudo, no final, ficou OK. Pessoas agindo de maneira muito errada é o estado normal das coisas. Sempre houve ameaças existenciais à espécie humana e à civilização. Não faz sentido, e é uma forma de narcisismo distorcido, imaginar que a nossa época possui uma espécie de monopólio de idiotice e desastre.

Ao ler Suetônio, incorporamos inconscientemente suas reações, menos agitadas e mais impassíveis. Ele e a História, de maneira geral, dão acesso ao que precisamos agora mais do que nunca: nosso lado menos assustado e mais resistente.

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Nota da tradução: esse texto foi originalmente publicado em inglês no site The Book of Life e traduzido com autorização dos autores.


publicado em 17 de Abril de 2016, 00:05
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