No exato momento em que começo a escrever esse texto estou em uma padoca na Vila Madalena. É sábado. São Paulo acaba de marcar seu segundo gol em cima do Bragantino, para absoluto delírio de meia dúzia de pessoas assistindo ao jogo em suas mesas.
A moça que anota e traz os pedidos – uma moreninha feinha com a tintura loira do cabelo desesperadamente precisando de um retoque – está encostada no balcão dos salgados e comemora com gosto: “VAI, SÃO PAULO!”.
Como todo esse circo acontece? Como essas pessoas pensam, o que as move? Para mim, é loucura.
Loucura
Imagine um grupo de pessoas numa varanda de um prédio assistindo a um bando de pombas brigando por uma migalha particularmente grande.
Do nada, metade do grupo começa a “torcer” especificamente por alguma das pombas. Quando ela acaba ficando com a migalha, esse grupo de pessoas começa a gritar “chupa!” pro outro grupo de pessoas, que torce pra outra pomba.
Eles começam a tentar se comunicar com as pombas. “Corre! Voa pra lá! Ô, pomba burra, assim nunca vai conseguir a migalha!”
Rola uma chance. “Vai, vai, vai, vai, VAI!” Subitamente, a segunda pomba consegue roubar a migalha. O segundo grupo de pessoas comemora, se abraça. Compra camisetas. Canta hinos e gritos de guerra na varanda do prédio.
O primeiro grupo racionaliza: “O importante é que tivemos a posse da migalha por mais tempo. Além do mais, vocês tiveram sorte. Se o vento não tivesse mudado…”.
Inexplicável
Vamos inventar um brasileiro normal. Ele torce para o Flamengo.
A única coisa que faz dele um flamenguista é que o avô e o pai disseram para ele, desde criança, que ele é flamenguista. O “amor à camisa” vem bem depois, como justificativa. “Já que eu sou flamenguista, quero ser mais flamenguista que os outros.”
O pior é que o Flamengo nem existe, cara.
O que o avô dele chamava de Flamengo era outra coisa. Era um grupo de jogadores completamente diferente, comandado por um técnico diferente, jogando um futebol diferente. Além do nome e das cores, nada mais é igual.
E sabe quem mais enxerga como eu? Jerry Fucking Seinfeld, um dos maiores gênios da comédia americana:
“Ser leal a qualquer time esportivo é algo bem difícil de explicar. Os jogadores estão sempre mudando, o time pode mudar para outra cidade, e por isso você está na verdade torcendo para as roupas, no fim das contas. Você está de pé, torcendo e gritando para as suas roupas vencerem as roupas da outra cidade.
Os fãs adoram um jogador, mas se ele vai para outro time, eles vaiam o cara. É o mesmo ser humano, com uma camiseta diferente, e agora eles o odeiam. Uuu! Camiseta diferente!!! Uuuuu!”
É assim que eu vejo os fanáticos por futebol. Basicamente como malucos torcendo para um time de pombas usando roupas coloridas, ou algo parecido. Se isso não é caso de hospício, não sei de mais nada.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.