Aquele dia foi foda.
Dor de cabeça, olhos vermelhos fixados em frente à tela do computador. Telefone tocando. Muitas mensagens de Whatsapp pedindo coisas.
De repente, olho pra tela e não consigo mais pensar. Dói a dignidade. Dá vontade de virar a mesa e mandar o chefe fazer coisas que não podem aparecer na novela.
Pintou um convite pra assistir uma apresentação de jazz em uma dessas portinhas mágicas da Vila Madalena, nas quais você entra e com a quantidade certa de long necks, consegue esquecer que deixou em casa uma pilha enorme de tarefas pra matar.
Mas eu preciso trabalhar.
Perdi o show. Fiquei triste. Não consegui fazer o trabalho. Capotei, derrotado, e amanheci o outro dia.
Uma semana depois. Hoje, no caso.
Acabei de pegar a bicicleta pra dar uma volta pela cidade.
18 quilômetros em mais ou menos uma hora.
As ruas estão lotadas, bastante gente apressada, se espremendo nos ônibus ou nos carros, tentando chegar um minuto mais cedo para enfim jogar o peso do mundo no chão, deitar e ter algumas horas de alívio até começar de novo.
Eu sou igualzinho. Mas… E as contas? E o medo de ser demitido? Eu preciso disso.
Uma hora atrás eu estava sofrendo.
O que fazer pra gente se sentir um pouquinho mais leve, pra tirar a sensação desesperadora ao acordar de que “meu deus, vai começar tudo de novo”?
A gente consome páginas e mais páginas de textos e livros tentando ser mais produtivo, por medo de ser demitido ou tentando se destacar um pouquinho, pra se sentir especial, empoderado. Será que vale mesmo a pena tudo isso pra, no final do dia, estar tão esgotado que até a vontade de viver some?
Que meu chefe não me leia, mas largar o que eu precisava fazer foi libertador.
Agora, me sinto novo. Inspirado. Até estou escrevendo esse texto.
É verdade, nem todo mundo pode se dar ao luxo de escolher quando pode ou não trabalhar. Época de crise, o país está uma loucura, tem gente ficando desempregada todo dia. Sua amiga, sua mãe, sua tia (ou as versões masculinas dessas conexões) infelizmente, a gente ouve essas histórias. Não está fácil.
Sim, há milhões de ressalvas a serem feitas. Tem gente que não vai comer se não der duro. Também é importante ter isso bem claro.
Mas se você está trabalhando em algo pessoal, ou num projeto com um cliente minimamente flexível, de repente, vale fazer uma ligação e pedir pra entregar amanhã.
Eu sei que eu mesmo trabalho demais e provavelmente não tenho a menor autoridade pra falar isso. Mas nem que seja um lembrete pra mim mesmo, aí vai: talvez, nem adiante ficar se debatendo, deixando de fazer uso da sua liberdade de ir e vir, de viver e aproveitar seu limitadíssimo tempo na terra, enquanto a vida lá fora acontece e seus filhos crescem, seus pais envelhecem, seus amigos se distanciam e sua juventude acaba.
Esse lembrete é importante.
É que às vezes a gente se esquece que viver é mais importante que ser produtivo.
* * *
Nota: publiquei esse texto no meu Medium. A ideia é seguir publicando por lá insights sobre criação e outros assuntos relacionados toda terça. Aqui no PdH vou publicar os melhores às quartas, de duas em duas semanas. E nas outras quartas, sai Eu Ouvi Pra Você. Então, agora que você sabe meu calendário de publicação, é só acompanhar. 😉
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