Original publicado em 14/10/2019 (link aqui). Revisto e atualizado em 08/01/2025.

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A essência desse texto foi publicada em 2019. É um breve relato de experiências que vivi, de dores que causei e de como tenho me responsabilizado e tentado crescer, dia após dia. Agora, quase cinco anos depois, cabe uma revisão de como a mudança segue, do que aprendi e onde ainda tenho errado.

Índice:

  • Quais meus piores erros e falhas como homem?
  • Como tenho assumido responsabilidade e tornado isso público
  • Mas existe mudança de verdade? Aliás, por que alguém que errou tanto poderia trabalhar com masculinidades?
  • Como surgiu o Instituto PDH e como é a equipe de vocês?
  • Qual o impacto dos projetos do instituto e como funcionam as ações voluntárias?
  • Uma visão de futuro

Quais meus piores erros e falhas como homem?

“Quase tudo que hoje critico, já fiz”, digo isso toda semana em nossas atividades. O mais difícil de me tornar um homem que atua pelo fim do machismo foi me reconhecer como parte do problema. Não é só o outro, não está “lá fora”, está aqui dentro. Olhar no espelho é difícil.

Fui criado pra ser provedor, protetor, reprodutor, aguentar o tranco e engolir o choro. Aprendi desde cedo que o mundo é uma selva e preciso garantir o meu, matar no peito e aguentar o tranco. O kit homem.

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Quem assistiu ou participou comigo de rodas sobre masculinidades, diversidade, equidade e inclusão nos últimos dez anos com certeza já me escutou falar sobre aspectos sombrios do meu passado.

Já fui muito babaca e imaturo em relações amorosas. Já fui agressivo com mulheres com quem me relacionei. Cerca de catorze anos atrás, fisicamente (uma ação injustificável); há cerca de dez anos, vivi uma relação na qual xinguei, gritei, quebrei coisas e definitivamente não soube lidar com minhas limitações e desafios emocionais com a maturidade necessária. Pedi desculpas e assumi responsabilidade por onde errei em conversas com as pessoas afetadas por minhas ações, mas são situações que machucam e marcam, mesmo com o passar dos anos. Compreendo que um pedido de desculpas, por mais sincero que seja, não apaga o passado.

Gostaria de pensar que essas histórias representam uma pessoa que não sou mais, mas a realidade é que o aprendizado continua e sei que posso falhar. Fingir que agora ganhei uma “carteirinha de macho 2.0” seria uma hipocrisia imensa. Afinal, esse não é um trabalho que se encerra, é uma caminhada pra vida. Isso significa revisões constantes, como a que faço agora.

No trabalho, já agi com rigidez excessiva, falta de escuta e impaciência ao me ver na posição de líder. No meu foro íntimo, tive comportamentos autodestrutivos com álcool, drogas e sexualidade no passado. Brochei mais vezes do que consigo contar, sendo devastado por experiências de medo e incapacidade antes de encarar de frente a situação e atravessá-la. Publiquei textos vergonhosos nos primeiros anos do PDH. Me tranquei em processos solitários, de profundo isolamento e em alguns momentos, senti que não merecia viver (talvez depressão, mas quando era mais jovem tinha dificuldade em pedir ajuda e não busquei diagnóstico). A lista segue.

Como tenho assumido responsabilidade e tornado isso público

Falo sobre meus erros como homem há mais uma década:

  • em rodas de conversa sobre masculinidades,
  • em textos e comentários aqui no site,
  • em livro,
  • em entrevistas e podcasts (por exemplo, nesse episódio do Mamilos de 2018),
  • em palestras e workshops que realizamos,
  • em diálogos com amigos e família,
  • e até em filme, como na introdução do nosso documentário O silêncio dos homens“, lançado com a ONU Mulheres 2019.

Falo sempre nos treinamentos que oferecemos pelo Instituto PDH, quando surge contexto ou me perguntam a respeito. Tive a oportunidade de escrever no livro Violência doméstica e familiar contra a mulher: um problema de toda a sociedade, do Instituto Patrícia Galvão, e abro explicando que não poderia falar nada sobre o tema sem antes me implicar no assunto e assumir responsabilidade pelo que fiz de errado ao longo dos anos.

Não sou um homem especial que nunca errou e por isso oferece “a palavra”. Sou aquele que errou muito. E precisa se lembrar todos os dias de não repetir as mesmas falhas ou novos erros.

Conversei com as pessoas afetadas por minhas ações destrutivas. Escutei e pedi desculpas. Carrego até hoje mensagens recebidas, e com frequência as releio para me certificar de que lembro de tudo aquilo que não desejo repetir. Sei que um pedido de desculpas pode ser totalmente vazio se não vier acompanhado de ações concretas de reparação.

Este texto não é pra buscar elogios ou pagar de humilde e virtuoso. Não é uma tentativa de justificar o injustificável. É sobre me colocar vulnerável e dar o mesmo passo que convido outros homens a darem.

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Atividade voluntária com o projeto Política para Mulheres em Belém

Mas existe mudança de verdade? Aliás, por que alguém que errou tanto poderia trabalhar com masculinidades?

Responsabilização é só o primeiro passo, não a linha de chegada. Compartilhar histórias não é garantia nenhuma de mudança.

Ter errado me faz saber exatamente como dialogar com os homens que estão presos em posturas agressivas e machistas. Eu sei de onde vem a raiva, o impulso destrutivo. Fui criado de modo machista. Reconhecer as dores que causei e as partes sombrias dentro de mim são a ponte para conseguir acessar os homens mais fechados, resistentes e distantes.

Grande parte do meu dia a dia é conversar com “os tais piores”. Os mais trancados. Aqueles que não escutam ninguém (talvez os que mais precisem mudar). Enxergo meu trabalho como parte de um esforço estrutural amplo e necessário de reparação.

Jamais imaginei que o blog criado dezoito anos atrás se tornaria um espaço coletivo de diálogo, escuta, reflexão e pesquisa como é hoje.

Qual a origem do instituto e como é a equipe de vocês?

Em 2015, após realizarmos a pesquisa “Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero” em parceria com a ONU Mulheres, começamos a ser convidados para falar sobre o que descobrimos, em palestras, debates e rodas – a grande maioria voluntária. Ali surgiu nosso braço de pesquisa, mas só nos entendemos como instituto em 2019.

Nem todo mundo sabe, mas o PDH nasceu como blog em 2006. Sempre miramos em produzir conteúdo de qualidade, puxamos campanhas pela ética na publicidade em mídias sociais e pagamos um preço alto por isso. A comunidade nos amava, os anunciantes nem tanto. Não à toa quase falimos várias vezes nesses 18 anos de vida.

Foi uma surpresa descobrirmos que dialogar e traduzir temas difíceis para homens era uma habilidade útil para o movimento em prol da equidade. E até hoje seguimos fazendo atividades gratuitas para escolas, fundações e coletivos.

Tudo que produzimos como pesquisa é público, sério e fruto de trabalho em rede com instituições como a própria ONU Mulheres, o Pacto Global da ONU no Brasil, Ministério da Saúde, Me Too Brasil, Equimundo, Pais Pretos, Homem Paterno, Talk, Zooma e tantas outras.

O conhecimento publicado no PDH é fruto, sempre, de uma vastíssima rede de mulheres e homens. Me sinto privilegiado de poder aprender com tantas pessoas. Em todos os créditos de nossos filmes, livros e produções fazemos questão de listar cada um e cada uma que foi parte da construção.

Aqui parte de nossa equipe na última imersão presencial – hoje com pessoas dedicadas a treinamentos, pesquisas, produções editoriais e programas educativos:

Felipe, Dandara, eu, Zé Ricardo, Gabi (hoje freela), Marina e Andrio

Qual o impacto do Instituto PDH e como funcionam as ações voluntárias?

Fazemos muita coisa de caráter público, voluntário e gratuito – conseguimos manter isso graças às ações remuneradas feitas com empresas. O resultado de todas nossas pesquisas nacionais é igualmente público e sem custos, assim como nosso conteúdo, documentários e livros. Oferecemos bolsas em nossas atividades e eventos, para deixá-los mais acessíveis.

Já impactamos quase 100.000 homens e mulheres com nossas rodas e treinamentos ao vivo. Nossos documentários públicos foram assistidos por quase 3.000.000 de pessoas. Produzimos e distribuímos mais de 15.000 livros focados no enfrentamento do machismo pelo país. Ajudamos a realizar centenas de cinedebates voluntários com nossos filmes. Oferecemos todos os dados originais de pesquisa que geramos para outras instituições de pesquisa avançarem em caminhos de diálogo e sensibilização com meninos e homens.

Atividade voluntária com jovens em contexto escolar

Ano que vem, vamos lançar com o Pacto Global da ONU o currículo formativo “Meninos do Futuro” para escolas e espaços esportivos em todo o Brasil, com o intuito de formar gerações mais conscientes, responsáveis e inclusivas. Montamos uma equipe diversa e de alta competência para ensinar sobre consentimento, equilíbrio emocional, inclusão e relações de respeito. A ideia é que não haja custos para as escolas e clubes.

Uma visão de futuro

Roda voluntária que conduzir na escola rural SERTA, em Pernambuco

Sou profundamente grato a todas as pessoas que, de diferentes formas, têm me auxiliado ao longo dessa jornada. Àquelas que, com paciência e generosidade, apontaram minhas falhas. Meu objetivo, ao refletir e escrever de forma clara e estruturada sobre os erros que cometi como homem, é que esse processo sirva de aprendizado para outras pessoas em suas próprias trajetórias de transformação. Não sou líder, modelo de nada, novo homem, virtuoso, bonzinho, nem desconstruídão. Sou uma pessoa bastante falha, oscilante, orgulhosa, com uma história tortuosa, recheada de ações e posturas cretinas, dignas de vergonha. Um homem comum. 

Momento de carinho na segunda edição do nosso evento PAI 🙂

Aspiro que os projetos do Instituto PDH sigam vivos, públicos e acessíveis para o máximo possível de pessoas. Que nossa equipe e nossa rede sejam cada vez mais diversas, amplas e capazes de construir pontes para dialogarmos em todas as regiões do país.

Guilherme Nascimento Valadares

Co-fundador e diretor de pesquisa no Instituto PDH.